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sábado, fevereiro 22, 2014

O tempo, a poesia, o amor


Surpreendi quando visitei a sede nova da Câmara Municipal de Goiânia e meu retrato estava lá...


O tempo, a poesia, o amor


A gente nunca mais tomou “umas” por aí, poeta Valdivino Braz! Os anos, quando muitos, parece que nos aleijam a vida. Tantos os que se foram antes, como Joaquim Machado, Tagore Biram, Yeda Schmaltz, Vilda Guerra... Poetas de letras e vida, não desses que se fecham em quatro paredes e uma porrada de livros nem todos lidos... Esses poeta de paletó e gravata, de fala empostada e muito pouca – pouquíssima – vida a viver e poetizar.

Saudade de ontem, do tempo das páginas viradas e dos nossos risos verdes, da alegria e das críticas (nem sempre legítimas, mas inevitáveis a todo instante), do Delermando Vieira sempre silencioso, ora soturno, de pouca fala e muita verdade – ele que, desde sempre, mostra-se entre nós e some por longos dias ou meses! Do Brasigóis e sua cara de Cristo, montado numa prosaica motocicleta, e de Sônia Elizabeth, sempre rica de versos e metáforas, de imagética forte...

De Aidenor Aires, cabeludo e profundo, mesclado de muita vida e teorias, sempre capaz de discernir entre o que se conta ou não. De Ana Cárita e Placidina, que fizeram de suas vidas altares de ensino e de versos. E Rogério Lucas, ainda aprendiz das redondilhas que preferiu enveredar-se pelos meandros da notícia política. E Geraldo Dias da Cruz, grande poeta de cabelos brancos e tanto o que ensinar!
Foi Gomes de Souza (com M. Cavalcanti) o autor do painel de artistas ilustres; e entenderam de me pôr lá também.
E tínhamos os dos pincéis, poetas de cores e boemia (sem circunflexo), como DaCruz, Gomes de Souza, Omar e Roos, sempre envolvidos em nossas andanças que variavam da barraca do Paulo Araújo até as noitadas em bares e vendinhas – desde que a cerveja estivesse gelada. Gomes de Souza experimenta também as letras, lançou livro há poucos dias e exige-me essa declaração: eu te amo, Gomes!

Sim, que dessa matéria intocável somos feitos todos – do amor e das saudades; não necessariamente a saudade dolorosa como a que temos por Tagore e Yeda, mas esta que nos traz amigos à lembrança, sem rugas nem cãs (cãs: palavra bonita para cabelos brancos que um revisor modificou num poema meu para “cães” – para meu óbvio desespero).

Horas antes desta escrita, ouvia rádio; e numa programação pra lá de especial, a emissora tascou canções áureas da MPB que, ao lado da Bossa Nova, marca a minha geração; e era Tim Maia cantando “Quando o inverno chegar / eu quero estar junto a ti”... Os primeiros acordes acordaram-me arquivos esquecidos; “Eu... é Primavera!... te amo...”. Confirmei o que esporadicamente lemos por aí, dando conta de que perfumes e sons transportam-nos a momentos muito distantes no tempo. Não é o mesmo que rever, pois os lugares, tal como as pessoas, modificam-se muito no decorrer de uma existência. Mas os aromas e os sons têm o pendor de nos despertar, sim.

Aquela música levou-me a longe, devia ser algum momento de 1971; é que eu senti, eu sei, que viajei ao ontem mais remoto e me lembrei de coisas lindas, de um amor vivido com intensidade, mas não fui capaz de me lembrar de tudo.

Assim: sei que estava impregnado, embevecido, inebriado de amor. Só não sei a quem amava naqueles dias relembrados. Era Brasília, era a UnB, era agosto ou setembro – primeiras semanas de aula no curso de Geologia que abandonei por total incompatibilidade com as matemáticas avançadas. Era muito bonita a menina, morava na 507 Sul, tinha a cor pálida e viva das rosas colhidas e beijava bem.

Éramos outros, sei! Não lhe recordo o nome, somente o endereço, a pele cheirosa e os lábios quentes e doces. E a música me traz de volta tudo isso... Mas, ora! Como esquecer de todo?




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sábado, fevereiro 15, 2014

Cada um por si

Santiago Andrade: uma vida à imprensa e às imagens. Sua obra continua na filha jornalista, mas a dor não atinge seus algozes - os mascarados que causam prejuízos materiais e morais (agora, até matam) e que, agora, integram a lista de "com quem a Presidente quer diálogo".


Cada um por si


Dizem que Aristóteles definiu o homem como “um animal social”. E a gente entende que, sob tal definição e a (para nós) inevitável necessidade de interações, criamos os estados, ou seja, a organização política (de polis – múltiplo, coletivo, social). Estados, sejam eles uma tribo, um clã, um povoado, uma paróquia, cidade, município ou comarca, implicam regras (leis).

As Treze Colônias” que deram origem aos Estados Unidos da América, há quase 240 anos, organizaram-se de modo a disciplinar a sociedade (nação). A isso, chamamos Constituição; e outras regras, menores são as leis. Estados geralmente organizam-se com planos de governos; e esses planos costumam cobrir um futuro relativamente extenso – algo que transcenda o tempo de vida dos que elaboram tais planos. Assim, pelo menos, agiram os mentores e autores da Independência Norte-Americana; mas os nossos mentores – tanto os da Independência quanto os da República – não “sabiam” que isso era importante, fundamental.

A União Norte-Americana nunca mudou o regime e sequer viveu momentos de gravidade em que o regime esteve sob risco; aqui, tivemos a substituição da Monarquia pela República, e esta surgiu num gesto de traição do Ministro da Guerra para com o Imperador; e tal como a Independência, chegou de chofre, subitamente, sem um plano de longo alcance. Algo como lançar ao mar um transatlântico sem plano de viagem nem combustível bastante para que atinja algum objetivo. “Uma república de se tirar o chapéu”, ridicularizava meu velho mestre de História do Brasil no Colégio Pedro II (quarta série de Ginásio, em 1961), o poeta J. G. de Araújo Jorge, numa alusão à estátua equestre do marechal Deodoro nas proximidades do Passeio Público, no Rio; nela, o militar parece saudar a tropa, com o quepe à mão.

E vivemos golpes; já nos primeiros anos da República, houve manifestações (sempre a Marinha de Guerra na liderança) pela volta à Monarquia, o que Floriano Peixoto tratou de sufocar; depois, a derrubada de Washington Luís em 1930, quando Getúlio tomou as rédeas do poder e as manteve nas mãos por longos 15 anos. Cinco anos depois, retornaria ao poder pelo voto direto, numa evidência de que o povo está também sujeito à Síndrome de Estocolmo – ou seja, gosta de apanhar de seu algoz.

Dez anos depois da morte de Getúlio, os militares tomaram o poder e nele ficaram por mais de vinte anos; e a chamada “redemocratização” gerou uma filosofia sem passado nem fundamento, contrária à máxima aristotélica – cada um achou que democracia é cada um sendo dono de si, desde que ninguém cobre nada de ninguém, e que cada qual faça o que bem entender.

É sob tal crença que os vândalos das passeatas agem. Cada um faz o quer: mascara-se para não ser identificado; chegam sempre com truculência; destroem ou danificam o patrimônio público, agências bancárias e concessionárias de automóveis; saqueiam supermercados.

Dizem que alguém os alicia; que em grande parte são jovens pobres que agem pelo prazer da algazarra (fazer arruaça dá a adolescentes e jovens uma certa sensação de poder) e chegamos ao ápice com a morte de um jornalista porque um moço irresponsável soltou um rojão (todo mundo sabe o desfecho).

Com esses a presidente da República certamente não conversa...

Esta semana, um grupo de sem-terras enfrentou a PM em Brasília; a PM, no caso, dava proteção ao Palácio da Alvorada. Os sem-terra feriram 22 policiais; apenas dois manifestantes foram feridos – na análise política, a PM saiu vencedora: não pode, assim, ser acusada de truculência.

No dia seguinte, a presidente da República recebeu os sem-terra. Falta receber os dois jovens presos pela morte de Santiago Andrade.

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sábado, fevereiro 08, 2014

Coisas da fala (e do pensar)



Coisas da fala (e do pensar)



É bom conversar com crianças. Principalmente as crianças de pré-escola – a fase em que o pensamento já se reveste de lógica, uma espécie de gramática está bem estruturada nas pequeninas mentes e as palavras conhecidas ganham novas construções.

Luiz Henrique gostava de se sentir “nomocionado” (emocionado) e conta que choveu “granismo”; Gabriel fez uma “cerurgia”, com a primeira vogal aberta, tal como em “corativo”- referindo-se ao mesmo ato médico. Gosta de ver desenhos na “tevelisão” ou no “mucuntador” (computador), “bulhancia” que vai para o “ispital” e muitas outras preciosidades. Como bom goiano, réplica mais interiorana do mineiro, ele chama qualquer coisa de “um quenócio” ou “quenocim” (negócio, negocinho). Bom goiano, mas nascido em São Francisco da Califórnia; gosta de pequi e de “machinelo”, além de “santili” no “coquiqueique”. 

Tudo bem, coisas da infância que tenta descobrir o mundo e seus encantos, e junto com tudo isso os nomes dos “quenócios”. Cuido sempre de registrar essas criações espontâneas e ingênuas, respeitando-as e buscando corrigir a tempo. Conheço uma senhora que tinha dois filhos; o mais novo ficou determinado como caçula e aos quatro anos o menino já começava a falar tudo corretamente.

Essa mãe, em crise de auto-piedade (não queria ficar sem o neném; mas os nenéns crescem), começou a forçar a barra, induzindo a caçula a falar errado, como se, aos quatro anos, tivesse dois. Em pouco tempo, o menino, que já estava na escola, começou a dar mostras de que desaprendia tudo. A professora provocou, a diretora entrou no circuito e o pequeno foi parar numa fonoaudióloga. A mãe recebeu as merecidas reprimendas das profissionais da Educação e da Fala.

Tudo bem: a gente sabe que a fala representa bem a capacidade do cérebro (outra palavra interessante para o citado Gabriel: “céburo”): o aparelho fonador repete o que a “massa cinzenta” concebe ou entende.

Admiro muito a competência dos coleguinhas de rádio e tevê, sobretudo os da área esportiva, pela fluência verbal e a velocidade com que conseguem narrar uma partida movimentada. Alguns deles fizeram história e, infelizmente, não foram seguidos como exemplos por grande parte das gerações que os sucedem. Sei de muitos jornalistas de boa cepa e professores dedicados que colecionam “pérolas” desses falantes narradores e comentaristas. Há muitos fatos notáveis, grande capacidade de criar figuras literárias e de linguagem, uma incrível e invejável competência para dar plasticidade ao que narram, ou seja, permitir que criemos imagens a partir de suas narrativas.

Mas há alguns...

O rádio do meu carro fica sintonizado, em 90% do tempo, numa emissora “que toca notícias”. Como sabemos, as grandes emissoras do eixo-maravilha só incluem nosso noticiário em seus programas quando aqui acontece algo na linha do “mundo cão”. Até a previsão do tempo, nessa rádio, é discriminada – o enfoque maior é para o Sudeste e o Sul, de modo que Norte, Nordeste e Centro-Oeste são “o resto” do país.

Bem: todos sabem o que é uma “via marginal” (as que seguem a margem ou as margens de um curso d’água); não confundir com “via lateral”, que são as vias paralelas a uma principal (quase sempre uma rodovia). Pois bem: em Goiânia, as marginais são poucas – até agora, somente os córregos Botafogo e Cascavel têm suas Marginais. Pois o âncora fez a chamada e a repórter, transmitindo do local, repetiu: “A polícia encontrou o cadáver de uma mulher num córrego da Marginal Cascavel”.

Tá bom!

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domingo, fevereiro 02, 2014

José J. Veiga, Ano 100

José J. Veiga,  por Almir

José J. Veiga, Ano 100



O dia, há 99 anos, transcorria como sempre numa humilde casa no meio rural entre Pirenópolis e Corumbá de Goiás, a rotina quebrada apenas porque um choro novo tomou conta do espaço. Nascia José, filho de Luís Pereira Veiga e Maria Marciana Jacinto Veiga. No registro civil, o nome é simplesmente José Veiga.

Foi o escritor João Guimarães Rosa quem calculou e sugeriu ao contista, que estreava naquele 1959 com o livro “Os Cavalinhos de Platiplanto”, adotar um nome literário mais apropriado. É que Guimarães Rosa, festejado autor de obras marcantes na literatura brasileira, era apreciador de numerologia; analisando o nome do amigo goiano, concluiu que faltava algo; mas José respondeu-lhe que aquele era seu nome todo: José Veiga.

O autor de “Grande Sertão: Veredas” pegou os nomes completos do pai e da mãe de José e pôs-se a calcular. Não aproveitou o Pereira do pai, nem o Jacinto da mãe – mas a letra J somava-se bem aos valores de j-o-s-e-v-e-i-g-a. E assim, literariamente, José passou a assinar tal como todos sabemos – José J. Veiga.

Em alguma de nossas conversas, ele destacou que suas obras deviam sempre ter títulos com quatro letras; e exemplificou com “A máquina extraviada”, que não se revelou na primeira edição, mas ao ter o nome acrescido – “A estranha máquina extraviada” – caiu bem no gosto dos leitores.

José J. Veiga não gostava quando alguém dizia “José Jacinto Veiga”; e há algum site na Internet que o dá como José Jacinto Pereira da Veiga, informações essas improcedentes. Também não gostava que abreviassem seu nome para J. J. Veiga – e estava certo: se o nome José J. Veiga obedecia a uma equivalência numeral, que se mantenha assim...

Bem: hoje, domingo, 2 de fevereiro (claro que escrevo de véspera e esse “hoje” é virtual, pois!), é o aniversário de 99 anos do meu saudoso amigo e referencial como escritor e ser humano. Recordo meu bisavô Donato Ríspoli, que contava sempre “a casa do ano” que transcorria, e não os anos completos; por essa medida, José estaria contando, a partir do dia 3, seus 100 anos (que se completam, obviamente, em 2015).


Veiga morreu aos 84 anos, justo no dia do aniversário de minha mãe, 19 de setembro, em 1999. Coincidência sim; mas há uma outra: no dia em que José completou 20 anos nasceu minha tia Miriam, irmã caçula de minha mãe. Por isso, este é um domingo de dupla festa para mim, festa que faço no meu íntimo porque a tia querida está lá no Rio de Janeiro e eu aqui, limitado a afazeres e condições que impedem-me de comemorar com ela...

Eli Brasiliense (18/4/1915)
Bernardo Élis (15/11/1915)
Carmo Bernardes (2/12/1915)



Ao comemorar o primeiro dos quatro grandes escritores goianos de 1915, anuncio, um ano antes, o ano próximo como aquele que as entidades literárias e toda a rede escolar de Goiás deverá marcar em seus programas de modo feliz e grave: José J. Veiga (2 de fevereiro), Eli Brasiliense (18 de abril), Bernardo Elis (15 de novembro) e Carmo Bernardes (2 de dezembro) completam seu centenário.

E a festa é nossa!

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