Dezembro, 2008: a Prefeitura removeu 26 ipês que já floriam para plantar as palmeiras que agora desaparecem. Com meu filho Lucas e amigos ambientalistas, participei dessa ação, fincando no local 26 cruzes brancas. |
Falta finesse
Uma das mais belas vias de Goiânia é a Avenida
85, especialmente no trecho que vai de seu cruzamento com a Avenida D
(popularmente conhecido como Praça do Ratinho) até o seu final, no sopé da
Serrinha, ainda que chamada, desde a T-63, de S-1. O canteiro central
ajardinado (já foi florido, por iniciativa do prefeito Nion Albernaz e sob o
talento do saudoso Ailton Lelis) ostentou ipês que floriam lindamente
prenunciando a Primavera, mas o autoritarismo de quem vinha das forjas da
ditadura impôs sua troca por palmeiras imperiais.
Ainda assim, a avenida era linda.
Era, até a última quinta-feira. A ausência de
arquitetos urbanistas nos quadros da Prefeitura – ou, o que me parece mais
verossímil, o impedimento que lhes impõe o aprendiz de títere que reina hoje no
Paço Venerando de Freitas – resulta nisso – uma vez mais, o visual da cidade é
violentado. O pretexto é encurtar o tempo dos ônibus, com corredores especiais.
Acho que o uso da trena poderia ter salvo as palmeiras, mas a autoridade
truculenta tem prazer em tomar medidas radicais antipáticas.
Isso aconteceu uma vez, lá por 1980, na
Avenida 84. E a desculpa era a mesma – estabelecer corredor exclusivo para os
ônibus. Nestes 35 anos, o que melhorou no transporte coletivo de Goiânia?
Abrem-se os corredores exclusivos, mas cadê os ônibus? Os poucos circulantes só
transitam superlotados, numa evidência de mau planejamento e prática de usura
pelas empresas permissionárias, que só liberam ônibus para que saiam muito
cheios dos pontos iniciais.
Mudo de cena: saio da Avenida 85 e ponho atenção nas falas
dos coleguinhas do rádio e da tevê.
Tenho pregado, há anos, que a reforma do
Ensino Médio exige fortalecimento da base Fundamental. Falta um pouco do que
chamaríamos de "academicismo", os meninos precisam saber mais de
música, de poesia e de arte, sobretudo História da Arte, e de uma base de
Filosofia. Cansei de ouvir, na Globo e na CBN, ilustres e bem remunerados
jornalistas pronunciarem "Charliê"; uns dois dias depois notei que
falavam como se as duas palavras – Charlie Hebdo – fossem Charliê Bidô.
Não bastasse isso, os profissionais da dita
"imprensa falada e televisada" (morro de rir!) não buscam minimizar
seus sotaques de origem; no rádio e na tevê, há que se minimizar o R dito
operístico dos paulistanos e o S chiado dos cariocas; soam muito antipáticos
aos ouvidos gerais.
Mas o que fazer? Uma tradutora a serviço da CBN, em tradução
simultânea da fala do presidente francês mudou radicalmente toda a regência em
português porque traduzia ao pé da letra o discurso de François Hollande. Sei
que existem, no Brasil de hoje, cursos superiores de Tradução, mas como alguém
se mete a tradutor se não conseguiu ainda aprender sequer o seu idioma pátrio?
Não é preciso conhecermos línguas estrangeiras para detectar os erros de
tradução em filmes e livros, mas dói demais ouvir alguém, em rede
internacional, pronunciar um Português totalmente ininteligível.
Isso me incomoda tanto quanto os comentaristas
gagos do rádio. Também sobre o atentado em Paris, ouvi, por longos minutos, um
comentarista oficial de péssima voz e pronúncia pior ainda a interpor um
prolongado "éééé" entre uma e outra palavra. E são muitos os âncoras
que interpõem "aí" em suas falas, como uma "muleta"
insuportável para o ouvinte mas, parece-me, estimulada pelos diretores.
A ignorância impõe, com truculência de
ditadura, coisas assim: a valorização de profissionais mal formados ou mal
dirigidos e medidas indevidas, impopulares, violentas na paisagem urbana em
nome da manutenção da força de um mandatário sobre o qual o povo não omite o
arrependimento por tê-lo elegido.
Felizmente, atingi aquele estágio da vida em
que o senso crítico se tornou irreversível. Ao longo de quase 52 anos de morada
aqui, pude me deleitar com uma das mais belas paisagens urbanas do país, ainda
que nosso sítio seja desprovido de belezas naturais. Lamento que um filho da
cidade seja o responsável pelo “enfeiamento” do que era belo.
* * *
Um comentário:
Abaixo a má escola gerando maus profissionais. Há erros aceitáveis no calor dos acontecimentos, porém há outros que não podemos suportar.
Boas falas, como sempre, Luiz.
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