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domingo, janeiro 18, 2015

Uma nação anti-artes

Uma nação anti-artes


A atleta Taís Souza, uma glória do nosso mundo esportivo – especialmente no sofisticado meio dos esportes olímpicos – ficou tetraplégica em virtude de um grave acidente que comoveu todo a nação. O veterano país do futebol descobriu que poderia ser bom também no automobilismo, no vôlei, no basquete e, mais recentemente, na ginástica olímpica, na natação, no judô e nas velas, mas continuamos sendo, nesse particular, uma potência emergente.

Ao comentar a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de uma pensão no valor máximo do teto da Previdência Social para a jovem desportista, um jornalista da CBN fez críticas e teceu ironias às autoridades políticas pelo descaso com que tratam o esporte brasileiro de todos os gêneros. Um clamor emocionante, na verdade, mas discricionário. O coleguinha jornalista omitiu, por intenção ou ignorância, um mal de igual ou pior teor, que é o descaso do Brasil para com os escritores (poetas e ficcionistas), os músicos que não conseguiram romper a tensão superficial do xou-biz, os artistas plásticos que lutam por vender um quadro para quitar a conta do armazém e comprar mais tintas e pincéis etc.

O Brasil investe e retribui na sub-arte. Endeusa uns raros poetas em cada década – com ênfase para os que despertaram o interesse de algum poderoso do complexo sistema de comunicação de massas (Cora Coralina, Ariano Suassuna, Manuel de Barros e... E.. E... Quem mais mesmo?). A imensidão territorial faz deste país um continente: Goiás é um Chile; Bahia, uma Colômbia; Minas, uma França; Pará, uma Espanha – e assim por diante. Mas toda a mídia rende loas ao eixo Rio – São Paulo, em prejuízo dos demais. Nos Estados onde o respeito à produção autóctone existe (Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas, Bahia...) os artistas locais ainda têm mérito em casa, mas entre nós a coisa é triste!

Esta semana, conversando com duas jornalistas – uma já experiente, beirando 40 anos, e a outra recém formada, com prováveis 22 anos – constatei que quase nada sabem dos escritores locais, muito pouco dos nossos músicos de MPB e de Rock, mas discorrem com riqueza de detalhes sobre a produção e a vida pessoal de artistas norte-americanos e ingleses, inclusive sobre alguns de quem jamais ouvi falar.

Exceção: ambas me conhecem bem (uma porque eu vi nascer e crescer; a outra por ter trabalhado comigo), mas de dez membros da Academia Goiana de Letras que lhes citei – inclusive alguns que detêm dezenas de prêmios nacionais e elevada atuação nas letras locais – nenhuma delas conhecia ao menos dois. E nas artes plásticas? E no cartum? E o riquíssimo meio de produção de MPB em Goiás? Dois ou três nomes, apenas...

Em contrapartida, ambas – que juram não curtir o sertanejo moderno – serão capazes de dizer até mesmo o número das botas dos cantantes dos superxous que as emissoras de tevê e os cadernos bê dos jornais estampam em fotos estonteantes e manchetes estrondosas.

É triste conviver com esta realidade. E sequer podemos cobrar posturas do público ante nosso trabalho, pois não fazemos por merecer o conhecimento dos nossos estudantes. O consumidor de música em xous populares de dezenas de milhares de espectadores confunde-se com o consumidor de ecstasy (é assim que se escreve?). E pessoas com tal perfil passam longe dos livros, dos teatros e da intenção de ostentar na parede da sala ou do quarto uma tela de Roos ou de Alexandre Liah.

O colega da Rádio CBN (de  São Paulo) deve praticar algum esporte; e ele não se destacou como atleta, mas sobrevive com dignidade como   comentarista esportivo. Ele jamais erguerá a bandeira das artes, como faço agora. Só que a diferença entre nós será sempre esta... Eu estou a comentar o que ouvi dele; ele, porém, jamais lerá o que escrevo. Sobretudo um texto como este, no qual enfatizo o descaso das autoridades, da mídia e do público para com as letras, as artes, a dramaturgia e a música – essas artes que transformam pessoas e mudam regimes, como já o fizeram nas décadas de 1960, 70 e 80.


* * *

17 comentários:

Sueli Soares disse...

Mais uma vez, o que não é novidade, seu trabalho me prendeu. Se o jornalista da CBN lerá ou não o que acabei de ler não tem importância, pois muitos dos que também não ouviram o comentário dele possivelmente estarão avaliando sua crônica, inclusive as colegas citadas. Penso que cobrar posturas seria o mesmo que impor nossos valores a gerações que nos sucedem (já é a terceira). Precisamos nos conscientizar de que as informações estão correndo tão rápido quanto, o que não significa evolução, como a concebemos. Despertar interesse é uma tarefa árdua e o imediatismo assustador.

Guido Heleno disse...

Pois é, Aquino. Isso tudo porque no ano que vem vamos ter Jogos Olímpicos no Brasil pela primeira vez.
Sabe bem que nossos colegas jornalistas estão mais atrelados, por assim dizer, ao que querem que seja dito e divulgado na opinião de seus patrões. Lembre-se que uma jornalista, se não me engano da Folha, foi demitida há meses porque declarou que iria votar na Dilma.
Bela e oportuna crônica.
Bom domingo

Zanilda Freitas disse...

Você sempre surpreendendo seus leitores com assuntos polêmicos e atuais. Infelizmente é uma realidade nua e crua , a "dissolução" da cultura brasileira em função da TV e os nossos aparelhinhos velozes. Eu mesma, tenho alguns poemas que gostaria de publicar , mas nao sei o caminho das pedras . Parabéns pelo tema magistralmente exposto!

José Fernandes disse...

Dom Luiz De Aquino Alves Neto, fantástica, a sua crônica. Falou o que muitos de nós, escritores, gostaríamos de galar. Parabéns.

Caroline Santana disse...

Fantástica e impressionante. A única palavra que me vem à cabeça é valorização.

José Silva disse...

Muito boa a sua crônica Luiz, como sempre...

Heloisa Curado disse...

Parabéns! Também percebo a falta de informação de jornalistas. Alienados no modelo americano q não é nossa realidade. Aqui é Brasil. Vamos divulgar e valorizar nossa terra. Nossas tradições. Nossos artistas.

Nonatto Coelho de Oliveira disse...

Pertinente artigo de meu amigo Luiz de Aquino hoje no Diário da Manhã...,Quero comentar que no quesito às Artes Plásticas no Brasil ainda não compreendemos nem sequer o que aconteceu na Semana de 1922 quando uns grupos de Aloprados burgueses quiseram colocar a MODERNIDADE no nosso sangue de maneira compulsória... O Advento da Bienal de São Paulo criada em 1951 que trouxe para o Brasil a vanguarda artística ocidental pós segunda guerra mundial nunca foi estudada nas nossas escolas com a devida atenção e está desprestigiada com o surgimento das Feiras de Arte atualmente em moda no mundo inteiro ; o MASP criado em 1957 por Assis Chatobriand, considerado o mais importante museu de Arte da América Latina pouco se é difundido nos compêndios Escolares...Quando se trata de nosso Estado a Arte Moderna e contemporânea que começou a surgir na Década de 50 por aqui, que a meu ver teve seu Boom na década de 80 incentivado pela solitária paixão de Celia Câmara, se diluiu na atualidade entre Curadores vazios que só sabem enxergar o que de pior tem na vertente internacional da Arte, ou no quesito ao minguado mercado (se é que ele existe) está nas mãos de uns poucos gatos pingados arquitetos decoradores de conhecimentos epidérmicos a respeito da Arte atual e local; as Escolas (publicas ou particulares) a nível e Brasil tem uma deficiência enorme de Arte Educadores, e tantas outras moléstias sociais vão atrasando a vida artística por aqui...e por ai vamos nós...

Rosy Cardoso disse...

Parabéns Grande Luiz Luiz De Aquino Alves Neto, estou com vc em todas as afirmativas,inclusive ler nos alimenta e cada artigo mesmo em nossa consciência é como a sobremesa que nos extasia nos conhecimentos e nos fortalece em poder defender ou ao menos levantar apenas uma Bandeira. Adoro ler vc. Obrigada.

Di Magalhães disse...


Parabéns! nobre poeta Luiz de Aquino, EXCELENTE ARTIGO...DIRECIONADO A CLASSE ARÍSTICA...

Jô Sampaio disse...

Luiz de Aquino, suas crônicas e a Oficina Poética fazem parte das minhas manhãs domingueiras. Vc. dá um toque especial a temas já bem comentados e atuais. A de hoje então, me agradou muito.Vocês dois estão no meu café da manhã de todos os domingos. Café com sabor de pena poética e ruídos de oficina lírica. Há melhor?

Mara Narciso disse...

Pura verdade, aí e aqui, Luiz. É preciso implorar por cinquenta, por cem reais, para se ter um apoio à cultura, a um Clube de Leitura, por exemplo. Muito se pede e nada se dá. Falando disso, pelo menos reduz parte da nossa culpa, pois no silêncio e conformismo, não sairemos do lugar. Faço coro aos seus queixumes. Ainda um pequeno passo para ser ouvido, mas já é um passo.

Ana Maria Taveira Miguel disse...

Parabéns, Luiz deAquino, pelo excelente artigo, uma aula, na qual muito aprendi. De tudo que li e, como consequência ficou nas minhas reflexões, o que sempre me intrigou: o artista, seja ele escritor, pintor, musicista, escultor etc. não consegue sobreviver do seu trabalho, e é obrigado a transformá-lo em apenas um bico, sendo obrigado a trabalhar de várias outras formas para se manter e à própria família. Os goianos que se mantiveram com a literatura talvez não possam ser contados pelos dedos da mão. E os de fora , também. Enfim, que possamos continuar nos enriquecendo com o que os amigos vão nos oferendo de novos conhecimentos.

Edson Luiz de Almeida disse...

Caro Luiz De Aquino Alves Neto, acho que você foi extremamente feliz em seu artigo. Há, até onde posso perceber, uma desinformação generalizada, até mesmo entre jornalistas, a respeito da nossa produção cultural regional e das nossas tradições. E essa desinformação rima com desvalorização. O financiamento estatal e privado para nossa produção é incipiente e - sobretudo, no que se refere às grandes empresas públicas - parece, muitas vezes, obedecer a critérios e interesses políticos. Parabéns aos artistas e amigo(a)s que se manifestaram nesse espaço. Vamos defender e valorizar nossos artistas de todas as áreas, escritores, produtores culturais.

Gomes de Souza disse...

O Luiz sabe das coisas...

Clara Dawn disse...

Gostei, Luiz. Bravo!

disse...

Azar do jornalista da CBN que não leu este texto. Sorte a nossa hehehe.