Dra. Raquel Pusch, a palestrante sobre este delicado tema. |
Boas
maneiras para más notícias
Na programação
de palestras que visam a, cada vez mais, humanizar o atendimento no Hospital de
Urgências de Goiânia, a psicóloga Raquel Pusch, de Curitiba, proferiu palestra,
dia 28 passado, sobre um tema intrigante e muito interessante – Boas maneiras de
se dar más notícias. O evento integrou também o calendário comemorativo do Dia
do Psicólogo, 27 de agosto.
O auditório do
Hospital foi pequeno para a demanda. A plateia, predominantemente de psicólogos
e alguns estagiários e residentes, formava-se também de enfermeiros, os médicos
Dr. Luciano Leão (Coordenador de Transplantes da SES-GO), Dr. Ciro Ricardo (Diretor-Geral
do HUGO), Dr. Luiz Fernando Martins (Diretor de Ensino e Pesquisa da Unidade) e
Dr. José Mário Teles, Superintendente Técnico da Gerir (a OS que administra o
HUGO). E, ainda, dois jornalistas para registrar a explanação.
Aprendi, há
anos, que não é surpresa nos depararmos com um resultado muito eficaz nas
palestras proferidas pelo pessoal de Saúde, e a Dra. Raquel Pusch não perde
neste quesito – muito pelo contrário! Clareza e objetividade, um discurso
didático e forte, cheio de conceitos muito bem fundamentados – inclusive com um
fundo filosófico indiscutível – absorveu os 60 minutos dessa preleção, e em
momento algum se abordou qualquer má notícia, como poder-se-ia esperar.
O óbvio, pois,
foi deixado de lado. Alguém que vem ou é trazido a uma unidade hospitalar de
urgência e emergência não pensava, ao amanhecer aquele dia, que estaria naquela
situação, isto é, sob cuidados de uma equipe de emergência. O mesmo se dá com
amigos e familiares. Os procedimentos exigidos são altamente variáveis e
chega-se a um momento em que há de acontecer a má notícia, seja ela de sequelas
prolongadas ou irreversíveis e, pior ainda, os casos de morte encefálica ou o
óbito.
O que a Dra.
Raquel Pusch não abordou foi o momento evidente de se contar ao paciente que
ele poderá sofrer uma amputação, que ficará sem parte do corpo ou privado de
algum dos sentidos, ou imobilizado total ou parcialmente, que o tratamento a
seguir exigirá meses ou anos de muito exercício e fisioterapia, entre outras
dificuldades – coisas difíceis de se dizerem em atenção ao direito que o paciente
tem de saber de si mesmo. Essas notícias são também para as famílias e os
amigos. E para estes há ainda a questão da morte encefálica e a do desfecho
final. E há o instante constrangedor de se sugerir aos familiares a doação de
órgãos.
Raquel Pusch,
autora de uma obra muito especial como Manual:
Rotinas de Humanização em Medicina Intensiva (entre tantos feitos de realce
em 27 anos de profissão), nada exemplificou, não citou momentos complicados em
especial, não causou suspense. Ela falou da necessidade que se tem de ser
humano em todos os instantes, de considerar o sofrer, as dores de pacientes e
familiares, de amigos e de tantos os que integram o âmbito das relações dos
pacientes.
Ao término, e
com o propósito de acrescentar – como sempre fazemos – algumas respostas extras
à gravação da palestra, perguntei-lhe: “É fácil dar más notícias com boas
maneiras?”. E ela, ratificando a postura e os princípios que norteiam seu
proceder funcional e profissional, respondeu-me com uma frase definitiva sobre
isso, mas só depois de alguns segundos foi que sintetizou – “Não, nunca é fácil
dar más notícias”.
E entendemos,
por resumo ou conceituação, que atender em emergência implica em praticar a
humanização em todos os instantes, levando em conta que nossas palavras são
menos de 10% do processo de comunicação – pois nosso corpo se expressa muito
mais, nosso olhar, nossa voz e nossos gestos constituem-se de 90% desse
processo.
E finalizo
explicando por que me referi aos jornalistas cobrindo a palestra: nós tivemos
uma aula especial de comunicação, daquelas que, em muitos casos, complementam o
nosso aprendizado.
***
Luiz de
Aquino, jornalista e escritor, é membro da Academia Goiana de Letras.
7 comentários:
Ótimo texto, poeta-jornalista.
Realmente Aquino, dar más notícias de maneira delicada é difícil. Fez-me lembrar daquela piada antiga do sargento que recebeu a notícia que a mãe de um dos soldados havia falecido. Ele enfileirou o batalhão e disse: Quem tiver mãe viva, dê um passo à frente. E avisou: soldado Tomás, você, não.
Realmente, Aquino, dar más notícias de maneira delicada é difícil. Fez-me lembrar daquela piada antiga do sargento que recebeu a notícia que a mãe de um dos soldados havia falecido. Ele enfileirou o batalhão e disse: "Quem tiver mãe viva, dê um passo à frente". E avisou: "Soldado Tomás! Você, não!".
Muito bom! Aliás, excelente! Você é o cara!
Há dores que palavras não expressam. Humanizar informações sobre a vida requer uma sensibilidade que, infelizmente, muitos estão perdendo. Um simples telefonema dói mais que uma punhalada, quando olhos e braços são essenciais. Acho que não preciso dizer mais nada!
Uma mulher consultou-se comigo, e devido a um nódulo na tireoide, foi submetida a uma punção biópsia. Morava fora e me telefonou, isso já há alguns anos. Vou ler o resultado para você: carcinoma papilar da tireoide. Isso é câncer?
O que você responderia, Luiz? Hesitei, mas diante da premência da pergunta, eu disse: é.
Nunca mais a vi, pois desligou o telefone sem se despedir e desapareceu. Teria sido melhor dizer que não? Ou ainda, que viesse ao consultório para eu responder pessoalmente? Qualquer resposta seria péssima. A vida nos reserva momentos dificílimos, seja para boas ou más maneiras.
Beleza de síntese, Luiz... realmente, o tom da comunicação vai além das palavras. Trabalhei sempre na área da saúde, e como assistente social vivi situações como as abordadas.
Parabéns e abraços
Mirian
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