Um outro eu
que não o vivente que eu tenho sido na vida
grita e exige
que eu aproveite melhor o meu tempo, a
tinta e o
papel que estruo, e ponha mais uma pedrinha nos
alicerces da
obra que os bons estão labutando por
construir.
Daqui do alto
da Macambira despejo minha alma pelos
telhados de
Goiânia e quanta angústia me abafa quando
admito as
tragédias ocultas que há por ai. Tanta coisa boa
que os homens
fizeram e tanta miséria que uns tantos
maus fazem.
Carmo
Bernardes
Poderia, se preciso fosse, resumir as
andanças de Carmo Bernardes pela literatura e pelos dias, assim: contista,
romancista, cronista, cantador do sertão, de seus rios, chãos estriados, chuvas,
estiagens, mitos e folclore. Com a natureza e o homem sertanejo arraigados em
seu fazer criativo, poetizou, em sua prosa fecundada pela terra, a fauna, a
flora e o Araguaia. O confronto velado
ou explícito do homem com o bicho, da natureza com os parâmetros humanos, do
sertão com a realidade urbana, sempre, o tom mais vibrante de sua escritura.
Legítimo ‘contador de causos’, conhecedor das superstições e crenças do sertão,
Carmo Bernardes, sob o enfoque da linguagem jornalística, deu um caráter
crítico e denunciativo às suas crônicas; pelas nuanças poéticas, exalta a
natureza, os hábitos do homem simples, simplório, execra a devastação das matas
e dos animais e expõe as feridas que a sanha do homem abre na natureza. Por
tudo isso, sua obra é um misto de esperança e desalento.
Mas essa superficialidade não seria justa com
Carmo e suas circunstâncias pessoais e literárias. Então, precisava, por sua importância,
espichar minhas considerações, espionando bem mais o mundo carmo-bernardiano.
Meu
objetivo é tentar imiscuir-me nos rastos de Carmo Bernardes. O Carmo Bernardes do
sertão, o Carmo Bernardes gente, o Carmo Bernardes homem, o Carmo Bernardes compromissado
com o meio ambiente, o Carmo Bernardes exortador dos costumes e valores,
reivindicador da dignidade sertaneja, sempre alerta em relação aos problemas do
Brasil, às necessidades de reformas, inclusive, a Agrária, o Carmo Bernardes, mistura
de carmos e carmas, literato timbrado como regionalista, por obra e graça da
influência de suas raízes, de sua sensibilidade de matuto, de seu olhar
visionário, revestido de peculiaridades. E o Carmo Bernardes cronista deu-me o
tom mais forte para pincelar minha ousadia e perseguir seus rastos,
especialmente, na crônica.
Falar sobre o mineirano (mistura de mineiro
com goiano) Carmo Bernardes da Costa, o Carmo Bernardes, o Carmo xará de N.
Sra. Do Carmo, é, antes de tudo, embrenhar-se pelo sertão, e deixar-se enredar pela
voz do trabalhador da roça, o homem rude, de mãos e pés calosos e rachados. Uma
voz emanada do solo sertanejo e palavreada na boca do matuto, da gente do campo,
de Carmo Bernardes, que só deixou o mato aos 30 anos.
No início da adolescência, ele se enfronhou
em aprendiz de artesão, artesão da madeira, por influência do pai, exímio
carpinteiro da zona rural, que se guiou, apenas, pelo dom e pela intuição, para
exercer tal ofício. Carmo, então, herdeiro do dom paterno, aprimorou-o para a
arte de carpintejar. Tanto que, ainda na
adolescência, coadjuvou o pai na construção de currais, carros de bois e armação
para as casas, o que muito o orgulhou vida afora. A dupla ganhou fama lá e
acolá. Essa, entretanto, foi, apenas, uma das profissões beliscadas. Carmo,
inquieto e sempre à procura de novidades transformadoras, foi pedreiro, boiadeiro,
carreiro, tocador, cantador, pintor de paredes e protético. Ah! e vendedor de
túmulos!
Nascido na Fazenda Santa Rita, propriedade de
seus avós, em Patos de Minas, no século passado, 2 de dezembro, portanto, há
cem anos, quase no exício da primavera, era filho de mãe tecedeira, e não
tecelã, como fazia questão de explicar: “Tecelã é operária de fábrica. Minha mãe
trabalhava em casa, por conta própria. Plantava o algodão, descaroçava, fiava,
tingia ou alvejava a linha, tecia e costurava a roupa. Tecedeira, portanto”.
Os pais, sem escolaridade alguma; todavia, o
gosto pela leitura foi instigado, ainda em Patos de Minas, pela mãe, dona
Sinhana, que lia muito, por prazer e por avidez de conhecimento. Dizia Carmo
que o avô, raizeiro, era o dono dos livros; ele os adquiria, muitos, de
medicina, pois precisava lê-los para praticar o charlatanismo, já que produzia
e prescrevia raizadas e garrafadas para os males dos cafuçus precisados.
Carmo Bernardes e a mãe liam juntos e
trocavam impressões sobre a leitura. Ela,
com a sabedoria apreendida nas lições da vida, injuriava-se com a literatura
que desrespeitava o povo da roça. Ele a endossava, pois também sentia, através
de sua ótica crítica, embora ainda um adolescente, que escritores ilustrados,
oriundos da zona urbana, tratavam o homem do mato, o caipira, chistosamente, como
se seres de outra matéria, ou “bichos” falantes. Uma literatura de conteúdo
errôneo, carente de informações reais, assim a entendiam mãe e filho, e lamentavam
tamanho desacerto. Carmo Bernardes carregou essa mágoa sempre. E mostrou-a,
ainda viva, em entrevista ao escritor italiano, Giovanni Ricciardi: “Érico
Veríssimo chegou a confessar, na obra Solo de clarineta, que, até um
determinado período da vida, ele não emprestava ao trabalhador da roça, o homem
rural, rústico, nem raciocínio”.
Aos
seis anos, migrou com a família para Formosa, e deixou, para trás, a infância e
a adolescência; em 1927, chegou a Anápolis, e, anos adiante, descobriu-se com o
dom do jornalismo; ousado, assinou artigos no pequeno jornal, A Luta, e na Revista
Imprensa; nessa ocasião, acumulou as funções de tipógrafo, editor e repórter.
Ah! e distribuidor de jornal. Em 1959, fez pouso definitivo em Goiânia; seu
objetivo primeiro, ser funcionário público, o que, realmente, aconteceu; porém,
cinco anos depois, denunciado como subversivo/comunista, perdeu o emprego na
CELG e rumou para o jornalismo, no Jornal Cinco de Março, órgão contestador e
muito visado. Carmo destacou-se pela elaboração dos textos e pela correção
gramatical, o que, anos depois, despertou o interesse do jornal O Popular, e
lá, escreveu até o resto da vida.
Sua
inserção na carreira literária, em 1966, trouxe à luz o livro Vida Mundo,
com 15 contos. Nele, o passado abarca suas
estripulias de caçador, de pescador, de bravo homem do sertão, que não teme
bicho, mas pela-se de medo de assombração; o homem em conjunção com a natureza,
o mundo de mato e de trabalho, também do Carmo, tudo isso desabrolha, nas
pequenas narrativas, materializadas por suas mãos laboriosas e mente
sempre em ebulição criativa, primeiro no papel, depois na fiel máquina de
escrever, produzindo narrativas ricas e tocantes, que vão da densidade à
delicadeza, da tristeza à ira, do humor ao dramático, da dor de viver, à morte
libertária.
Carmo Bernardes, autodidata, estudioso,
pesquisador, curioso, dono de uma cultura universal, sem atavios academicistas
(não completou o curso ginasial), adquirida nas leituras, nas vivências e
convivências com o homem roceiro, com o homem culto, com os ensinamentos do
cotidiano, em suas buscas e achados; com a maior naturalidade, passava da
linguagem coloquial, campeira, à linguagem culta, com um estilo elegante que se
destacava pelo respeito às normas gramaticais (queimou quase toda a 1ª edição
de Jângala
– complexo do Araguaia, devido aos erros nela contidos). Para Carmo
Bernardes, duas linguagens respeitáveis: a culta e a sertaneja, cada qual no
espaço que lhes concedem as circunstâncias.
Em toda a sua obra, a palavra é manejada com
acuro, com fluidez e certo ludismo, o que dinamiza e apresa a atenção, pois a
palavra recebe espaço, movimento e vida, na medida certa da contextura. Não
economizava figuras de estilo como a hipérbole, a sinestesia e as divertidas
catacreses. Observador, captou os meandros da alma do homem sertanejo,
conhecedor que era de sua natureza. Como um fotógrafo, retratou o interior
goiano, as belezas do Cerrado, do sertão da cabocla e do tal chapéu atolado. E
indignava-se com a falta de percepção do próprio homem da terra para essas
lindezas privilegiadas por tanta exuberância natural, que tanto o maravilhavam.
Carmo tinha razão: só os forasteiros deslumbravam-se com toda aquela riqueza de
cores, de sons, de voejos, de cantoria de águas. Os nativos só se focavam nas
plantas medicinais e no trabalho duro, sob sóis de cristas de lavas que os
ensopavam.
Carmo Bernardes questionador, cutucador,
transformador, desejoso de um mundo sem desigualdades e sem injustiças sociais.
Se esse mundo não fosse modificado, ele o faria, como escritor, sonhava, na
inocência do adolescente, embora adolescente possuidor de uma consciência
cidadã revoltada com a vida miserável do homem rural, pois já percebia a
existência de um Brasil partido, com fronteiras desumanamente demarcadas: o
Brasil urbano e o Brasil rural, que instituía a intrigante distância e desconhecimento
recíproco entre ambos. Daí, sua vontade de escrever para apontar e corrigir as
discrepâncias que tisnavam a realidade; na concepção carmo-bernardiana, “a
cultura legítima do povo é aquela que está no povo, que vem do povo”. E,
como arremate: “Classe dominante, burguesia trabalham essa cultura e não, criam cultura”.
Carmo
Bernardes de tantas faces: pescador, caçador (“não gostava de matar ser
vivente à-toa, caçava porque gostava de comer arroz com passarinho”. Realmente,
um trivial prato da culinária do sertão); Carmo Bernardes ativista ecológico,
amante e defensor da fauna, da flora, do Cerrado, dos rios, em especial, do
majestoso Araguaia; Carmo Bernardes subversivo, comunista, perseguido pela
Ditadura (nessa época, afirmava: “Falar, agora, é um risco. Mas é um
testemunho necessário”), fugitivo, relegado à clandestinidade,
refugiado na Ilha do Bananal. Carmo Bernardes daquela voz telúrica, palavreada
na boca do matuto, e cravada em sua voz literária. Carmo Bernardes escritor de
variadas experiências e convivências e que, como disse a crítica Nelly Alves de
Almeida, integrou o grupo que “renovou a literatura brasileira, com sua obra
personalística”.
Mas Carmo, sempre que o momento se fazia
propício, tinha um desabafo, com panca de protesto, na agulha da língua. E
Giovanni Ricciardi, mais uma vez, foi todo ouvidos quando Carmo lhe disse que
não “criava
cultura”, que sua literatura, que custou demais da conta a ser
reconhecida, era cunhada no que viu, comeu, partilhou, no sentimento do povo
que trabalhava duro e sofria muito. E, sem meias palavras ou digressões, foi
categórico: “A literatura que se fez em Goiás até mim, era literatura de cúpula.
Alguns regionalistas, mesmo talentosos, como Bernardo Élis, não tinham nenhuma
vivência do mundo rural, não sabiam nada, não conheciam o segundo Brasil,
então, a obra deles é eivada de informações errôneas sobre a vida e as coisas
da natureza. E era esse o móvel que me impulsionou a fazer literatura: corrigir
essas distorções. Minha literatura nem era considerada, passei muito tempo
assim no escanteio, jogado pra lá, sem que me considerassem literato, chegaram
a escrever que minha literatura era literatura de caipira, até que pude sair e
minha literatura ser reconhecida lá fora, primeiro no Rio de Janeiro”.
O
Carmo Bernardes cronista, cujo exercício da crônica incitava-o a praticá-lo com
entusiasmo, quase como um deleite. Eram muitas, escritas no período de 1966 a
1969, várias já publicadas em jornais; reuni-las em livro, mais que uma
sugestão, uma decisão importante, tomada pelo amigo, editor e livreiro, Paulo
Araújo, quando Carmo protegia-se dos rancores da Ditadura, em seu refúgio, às
margens do Rio Araguaia, carente do aconchego familiar e carente de saúde. Ainda
no prelo, os livros, Rememórias (109 crônicas, 1968), e Rememórias
II (23 crônicas e dois contos, 1969), foram vendidos e o dinheiro
conseguido, repassado ao seu autor.
Essas obras expõem o dia a dia vivido e
revivido por Carmo, também em Goiânia, canalizam lembranças sempre acordadas, e
forjam uma realidade que funde passado e presente, legado da própria realidade
do autor. Na Crônica 80, de Rememórias, com seu jeitão
espontâneo e o linguajar meio tosco do homem da roça, conta: “Em
1928 tiramos uma boiada das beiras de Anápolis e andamos até Bonfim. O velho
inclinou no lugar, de volta a Formosa, arribou os cacarecos no lombo dos
burros, viemos dar o tom no Capoeirão, hoje, Damolândia. Não quis mais lidar
com gado, retornou a sua carpintaria, e eu rente. Data daí o meu embarque na
leitura até o empazinamento. Panhei a lombriga do jornalismo em 1940 quando fui
agente recenseador”.
Mesclando
contos às crônicas, Quadra da Cheia: textos de Goiás, seu penúltimo livro, traz um
relato interessante do autor, que ostenta um certo orgulho de si, como se
vaticinasse um futuro mais próspero, na crônica Cafuçu na cidade: “Saí
da roça para a cidade numa época ainda em que tudo era bem mais fácil. Nos
últimos anos da Guerra. 1940, corria muito dinheiro e mesmo eu sendo um cafuçu
dos legítimos, tinha muita instrução em comparação com a média dos roceiros”. E
dizia, de forma simples e direta, que veio para a cidade porque escrevia
“melhor que os de lá”. Selva – bichos e gente, a última obra de
Carmo Bernardes, publicada postumamente, em 2003, mais um livro de crônicas. Nele,
destacam-se os bichos; os humanos atuam como personagens secundários; e, em tom
zombeteiro, critica os que desprezam o linguajar simples da zona rural, os que
se definem como puristas da língua, ignorando a língua do povo, seu verdadeiro
dono.
É,
o capiau Carmo Bernardes chegou à cidade grande, com seu ar despretensioso, mas
convicto do que queria; matutou aqui e ali, sentiu o desejo de mudança, atraído
pelo toque da modernidade, e desatou todo o aglomerado de inspiração e
criatividade (que, diga-se, jurava não ter), estocado durante décadas, que
construiu a história humana e literária desse regionalista mineirano do pé
rachado, imortal da Academia Goiana de Letras, ganhador do importante prêmio ‘Casa
de las Americas’, de Cuba, em 1991, com o livro La resurreccion de un cazador de
gatos, conjunto de contos selecionados pelo próprio Carmo Bernardes, nos livros
Vida
Mundo (1966), Reçaga (1972) e Idas e vindas (1977), além
de dois contos inéditos.
O roceiro escrevinhador, Carmo Bernardes, desbancou a arrogância dos
escribas da cidade grande, e, numa linguagem vibrante, escreveu o famoso
romance Jurubatuba, em que a poesia emposta a voz, dá cor, graça,
beleza, humores e, ainda mais, magnetismo ao campo, evidenciando imagens
marcantes que contrastam com a vida de sombras do sertanejo. Um duelo entre a
fantasia e a realidade. Uma parceria entre a poesia e a desolação. Uma história de herói conquistador, incauto e
um tanto patusco. Gilberto
Mendonça Teles diz: “Jurubatuba é portador de uma linguagem que lembra
um certo preciosismo de Carvalho Ramos, o aspecto arcaizante de Guimarães Rosa
ou a beleza vernácula de Graciliano Ramos. Mas é acima de tudo a linguagem de
Carmo Bernardes. É o seu estilo”.
O mineiro goiano nunca abandonou seus
costumes, nem o acervo cultural do sertão, onde ainda se perpetuam ditos
populares, lendas, crendices, manias, superstições, características do estilo sertanejo
do Brasil Central. Mesmo morando na capital de Goiás, jamais apagou as marcas
de capiau que sua origem lhe entranhou. Sempre o mesmo Carmo, na simplicidade
dos gestos, na singeleza do linguajar, no caminhar displicente, no trajar
despojado. Simplório, mas não, bronco. E o calor do cumprimento aos amigos,
conhecidos e desconhecidos, o abraço sempre festivo, o riso acolhedor, sempre a
sorrir boas-vindas? A ironia, às vezes, mordaz, por outras, como só a sabedoria
popular é capaz de sutilizar, sem escondê-la, ao contrário, escancarando-a na
própria sutileza, outra marca do Carmo.
Na cidade, apreciava os bailes, gostava das
paqueras, dos amores cheios de promessas, das promessas cheias de vontades, das
mulheres cheias de alegorias e acolchoamentos físicos que atiçavam seu
assanhamento. Era muito saidinho com as mulheres.
Se
na cidade, ou na roça, não dispensava as conversas com passantes, conhecidos,
amigos; de tal gosto, não prescindia, e sempre dava um jeito, como dizia, de bisbilhotar
um pouquinho mais sobre isso ou aquilo, aquele ou aqueloutro, pois se
preocupava sobremaneira com o homem sofrido também da cidade, com a vida difícil
e explorada da comunidade rural, vida imposta pela precariedade e insalubridade
das matas e cercanias do Mato Grosso Goiano, onde doenças dizimavam seus
habitantes, à vista dos poderosos, cujo olhar, mais grosso que o mato,
condenava-os a uma condição de iminente perigo, pois o risco de morte era o
vizinho mais próximo deles.
Entretanto, as folias nas fazendas, onde
rolava aquela cachaça supimpa, onde a alegria peralteava sem cerimônia, e a
música instigava os foliões à dança, salvavam, temporariamente, esse
acabrunhamento de Carmo, que não dançava, porém, divertia-se a valer, feito
criança em um mundo de cores e movimentos.
Em minha leitura, isenta de arquétipos
técnicos ou críticos, já que nunca fui crítica, nem amadora, nem de ofício,
apenas, leitora, vi (como, naturalmente, qualquer leitor atento viu), com
nitidez, que, nos contos, Carmo deixa impressos o matiz e o formato do
tradicional contador de causos, com enfoques na rotina do roceiro, também
partilhada por ele, em suas vivências, idas e vindas ao sertão, e, também, nos flagrantes
do cotidiano citadino. Nas crônicas, marcas do seu engajamento político, das
denúncias alusivas à condição humana do trabalhador rude, da destruição da
natureza, do desrespeito ao meio ambiente (destruição de matas, matanças de
animais), dos caminhos e atalhos das transformações em vigência ou iminentes em
terras goianas. Nos romances, toda essa
realidade, travestida de ficção, embora sem nunca perder o tom de veracidade.
Dezoito livros publicados. Uma obra toda de
cunho humanístico, que aborda o confronto do homem com seus conflitos, que
reproduz os hábitos, falares, mitos e tradições do sertanejo, que tem raízes na
infância e adolescência do escritor, histórias, na maioria, encenadas no
sertão, onde o autor viveu, universalizada por sua ampla visão de mundo, sempre
incomodado com os intrincados da vida, sempre buscando descobrir seu genuíno
sentido, e, permanentemente, atento às próprias transformações interiores, e às
exteriores, preocupado com os grandes desafios que circundavam o mundo, o mundo
do progresso, das transformações, o mundo que ele sonhou, um dia, no limiar da
adolescência, melhorar.
Carmo deu um jeito de arranjar uma Macambira
no céu, construiu uma casinha modesta de madeira, pintou-a de verde, e, no dia
25 de abril de 1996, mudou-se para lá, deixando Goiânia sem seu ilustre filho
adotivo. Intuí, de pronto, que ele queria integrar a confraria das estrelas, na
copa do sem-fim, para ratificar sua imortalidade. E não duvidei que, como quem
nada queria, achou um sertão celestial e, nele, “o cotovelo do rio”, “a pestana
do mato”, uma caçada, alguma pescaria... E, creio, já tocou piston, viola,
saxofone, participou de bandas, compôs e cantou modinhas, puxou conversa com os
flutuantes e xeretou-lhes a vida. Ah! e mesmo que eu tente “lacrar o beiço”,
desconfio que já se engraçou por alguma camponesa estelar.
RIO CRISTALINO
Descobridor
do sertão de Goiás,
Minerador
das antigas gerais,
Carmo,
filho de Goiás, mineiro de Goiás,
Cascos
de boiada levantando poeira
no meu
coração. E o coração leva
tempo
demais, e a solidão castigando
os
quintais, Carmo saudades demais,
te
esquecer nunca mais, Rio Cristalino
esperando
a chegada do seu caminhão.
Quando
o galo cantar, deixa o barco correr,
peixe
bom pra pescar, te vejo feliz,
Natureza
no olhar, voa que nem passarinho.
Letra
de Nars Chaul e Isanulfo Cordeiro, música de Fernando Perillo.
Leda Selma, presidente da Academia Goiana de Letras. |
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