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segunda-feira, novembro 30, 2015

Cartola,35 anos após!

Hoje, 30 de novembro, faz 35 anos da morte de Angenor de Oliveira, o Cartola, um dos fundadores e autor do nome e das cores da Mangueira, a escola-de-samba símbolo. Transcrevo, sem licença do autor, a crônica do poeta Guido Heleno (as fotos, colhi-as na Internet).



E o bumbo bate por Cartola

Cartola mesmo disse que quem gosta de homenagem póstuma é estátua e que ele queria continuar vivo, brigando pela nossa música. Essa declaração foi registrada em matéria da Revista Manchete de 1977, três anos antes da morte desse que foi um de nossos maiores compositores. Amanhã, 30 de novembro, faz 35 anos que Cartola se foi. Sei que sobre ele fizeram filme, especiais de televisão e publicaram-se reportagens em jornais e revistas. Mas sei também que, apesar da grandeza de sua música, Cartola vai deixando de ser comentado, mencionado. Mas como ele mesmo manifestou, quem gosta de homenagem póstuma é estátua. O melhor é que a música de Cartola continua viva e forte.
Esta frase de Cartola ganha uma força maior quando se sabe que, fazendo música desde rapazinho, só aos 65 anos conseguiu gravar seu primeiro LP. E foram quatro ao todo. Mas seu nome como autor de belas músicas já estava registrado em gravações de Mario Reis, Francisco Alves, Carmem Miranda, Clementina de Jesus, Araci de Almeida, Isaura Garcia, Eliseth Cardoso, Clara Nunes, Nelson Gonçalves e tantos outros. E como Cartola foi importante para o sucesso de tantos. Paulinho da Viola, até então um bancário de nome Paulo César Batista de Faria, lançou-se na vida artística no Zicartola, onde ganhou seu primeiro cachê, além do nome artístico que o consagrou. O nome do restaurante Zicartola era uma fusão do apelido e nome artístico do compositor com o da sua mulher, Dona Zica.
Vejo Cartola também como um grande batalhador. Se compositor e cantor não o sustentava, ia à luta. Trabalhou de pedreiro, tipógrafo e em posto de gasolina. Mesmo já com mais de 50, lavou carros e chegou a trabalhar na portaria de um edifício em Ipanema. Como empreendedor, foi um sucesso em termos artísticos, já que o Zicartola, enquanto durou, foi palco de animadas reuniões de sambistas e pessoal da nascente Bossa Nova, como Nara Leão, Carlos Lira etc. Mesmo sendo Dona Zica uma cozinheira de mão cheia, o casal saiu de mãos vazias. O Zicartola passava por sérios problemas administrativos e tiveram que transferir o restaurante para Jackson do Pandeiro. Mas a vida continuou.
Só nos últimos sete anos de vida Angenor de Oliveira – ela acreditava que o nome dele fosse Agenor, mas ao se casar viu que em seu registro de nascimento haviam colocado um “n” indevido – o Cartola, vivenciou um pouco de fama e sentiu o gosto do sucesso. Até comprou um carro. Um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, o que escolheu o nome e sugeriu as cores verde e rosa, comprou uma casa em Jacarepaguá. Precisa de sossego, de um pouco mais de tranquilidade para seus últimos dias. E continuou fazendo shows, compondo. Esmorecimento não fazia parte de seu dicionário.
Não preciso falar da qualidade e da beleza das músicas de Cartola, tanto as que fez sozinho como as que foram frutos de parcerias. E teve parceiros dos bons, amigos do peito. Noel Rosa, Carlos Cachaça, Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Nuno Veloso, Delmo Castello, Zé da Zilda, Nelson Cavaquinho, Heitor dos Prazeres etc. Carlos Cachaça foi seu parceiro de vida toda, o primeiro ainda na juventude e o único em momentos de doenças e privações de Cartola.
Dona Zica e Cartola, na Missa  pelos 70 anos do sambista.
Uma das músicas das mais notórias músicas de Cartola – As rosas não falam – foi composição só dele, por inspiração de sua companheira desde l961 e até o final de sua vida: Dona Zica. A ideia surgiu após comentário de Zica que, após abrir a janela da casa viu que no jardim a roseira já estava florida em tão pouco tempo. Chamou Cartola para ver e, ainda admirada, perguntou por que as rosas haviam crescido tão rapidamente. Cartola disse que não sabia, já que as rosas não falam. Aquela frase ficou na cabeça do compositor que, poucos dias depois a concluiu e a ofereceu à mulher, como um presente de aniversário.
Destaco Cartola também pela sua memorável interpretação da música Preciso me encontrar, do compositor Candeia. É tão marcante esta gravação que, em vários sites, atribuem a Cartola a autoria da música que é, na verdade, do amigo Candeia. Os arranjos para esta música, a maneira de Cartola interpretá-la e a beleza da composição enquanto uma mensagem filosófica fazem com que eu não me canse de ouvi-la: https://www.youtube.com/watch?v=HkW2b0w8bUg
Trinta e cinco anos sem Cartola. Resta-nos sua música e fica também a certeza de que foi um dos maiores dos nossos compositores. Por isso merece ser lembrado, relembrado, ouvido. Por isso retrocedo-me àquele 1980. Tento relembrar daquele dia, da cerimônia de sepultamento de Cartola mostrada em telejornais. Imagens que ganham vida.  Uma semana antes de sua morte, Cartola pediu a familiares que, em seu sepultamento o Waldemiro, ritmista da Estação Primeira da Mangueira, tocasse o bumbo. E isso foi feito. E mesmo que as rosas não falassem, naquele dia sei que disseram um muito obrigado por Cartola ter existido:  https://www.youtube.com/watch?v=V02Zbg-k7PE.

*****

Guido Heleno é goiano de Anápolis, pioneiro de Brasilia e vive atualmente em Porto Alegre.

Um comentário:

Mara Narciso disse...

Ah Cartola, as rosas não falam, mas você foi grande, imortalizou as rosas.