Hoje, 30 de novembro, faz 35 anos da morte de
Angenor de Oliveira, o Cartola, um dos fundadores e autor do nome e das cores da
Mangueira, a escola-de-samba símbolo. Transcrevo, sem licença do autor, a
crônica do poeta Guido Heleno (as fotos, colhi-as na Internet).
E o
bumbo bate por Cartola
Cartola mesmo disse que quem gosta de
homenagem póstuma é estátua e que ele queria continuar vivo, brigando pela
nossa música. Essa declaração foi registrada em matéria da Revista Manchete de
1977, três anos antes da morte desse que foi um de nossos maiores compositores.
Amanhã, 30 de novembro, faz 35 anos que Cartola se foi. Sei que sobre ele
fizeram filme, especiais de televisão e publicaram-se reportagens em jornais e revistas.
Mas sei também que, apesar da grandeza de sua música, Cartola vai deixando de
ser comentado, mencionado. Mas como ele mesmo manifestou, quem gosta de
homenagem póstuma é estátua. O melhor é que a música de Cartola continua viva e
forte.
Esta frase de Cartola ganha uma força
maior quando se sabe que, fazendo música desde rapazinho, só aos 65 anos
conseguiu gravar seu primeiro LP. E foram quatro ao todo. Mas seu nome como
autor de belas músicas já estava registrado em gravações de Mario Reis,
Francisco Alves, Carmem Miranda, Clementina de Jesus, Araci de Almeida, Isaura
Garcia, Eliseth Cardoso, Clara Nunes, Nelson Gonçalves e tantos outros. E como Cartola
foi importante para o sucesso de tantos. Paulinho da Viola, até então um
bancário de nome Paulo César Batista de Faria, lançou-se na vida artística no
Zicartola, onde ganhou seu primeiro cachê, além do nome artístico que o
consagrou. O nome do restaurante Zicartola era uma fusão do apelido e nome
artístico do compositor com o da sua mulher, Dona Zica.
Vejo Cartola também como um grande
batalhador. Se compositor e cantor não o sustentava, ia à luta. Trabalhou de
pedreiro, tipógrafo e em posto de gasolina. Mesmo já com mais de 50, lavou
carros e chegou a trabalhar na portaria de um edifício em Ipanema. Como
empreendedor, foi um sucesso em termos artísticos, já que o Zicartola, enquanto
durou, foi palco de animadas reuniões de sambistas e pessoal da nascente Bossa
Nova, como Nara Leão, Carlos Lira etc. Mesmo sendo Dona Zica uma cozinheira de
mão cheia, o casal saiu de mãos vazias. O Zicartola passava por sérios
problemas administrativos e tiveram que transferir o restaurante para Jackson
do Pandeiro. Mas a vida continuou.
Só nos últimos sete anos de vida Angenor
de Oliveira – ela acreditava que o nome dele fosse Agenor, mas ao se casar viu
que em seu registro de nascimento haviam colocado um “n” indevido – o Cartola,
vivenciou um pouco de fama e sentiu o gosto do sucesso. Até comprou um carro.
Um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, o que escolheu o nome e
sugeriu as cores verde e rosa, comprou uma casa em Jacarepaguá. Precisa de sossego,
de um pouco mais de tranquilidade para seus últimos dias. E continuou fazendo
shows, compondo. Esmorecimento não fazia parte de seu dicionário.
Não preciso falar da qualidade e da
beleza das músicas de Cartola, tanto as que fez sozinho como as que foram
frutos de parcerias. E teve parceiros dos bons, amigos do peito. Noel Rosa,
Carlos Cachaça, Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Nuno Veloso, Delmo
Castello, Zé da Zilda, Nelson Cavaquinho, Heitor dos Prazeres etc. Carlos
Cachaça foi seu parceiro de vida toda, o primeiro ainda na juventude e o único
em momentos de doenças e privações de Cartola.
Dona Zica e Cartola, na Missa pelos 70 anos do sambista. |
Uma das músicas das mais notórias
músicas de Cartola – As rosas não falam – foi composição só dele, por
inspiração de sua companheira desde l961 e até o final de sua vida: Dona Zica.
A ideia surgiu após comentário de Zica que, após abrir a janela da casa viu que
no jardim a roseira já estava florida em tão pouco tempo. Chamou Cartola para
ver e, ainda admirada, perguntou por que as rosas haviam crescido tão
rapidamente. Cartola disse que não sabia, já que as rosas não falam. Aquela
frase ficou na cabeça do compositor que, poucos dias depois a concluiu e a
ofereceu à mulher, como um presente de aniversário.
Destaco Cartola também pela sua
memorável interpretação da música Preciso me encontrar, do compositor Candeia.
É tão marcante esta gravação que, em vários sites, atribuem a Cartola a autoria
da música que é, na verdade, do amigo Candeia. Os arranjos para esta música, a
maneira de Cartola interpretá-la e a beleza da composição enquanto uma mensagem
filosófica fazem com que eu não me canse de ouvi-la: https://www.youtube.com/watch? v=HkW2b0w8bUg
Trinta e cinco anos sem Cartola. Resta-nos
sua música e fica também a certeza de que foi um dos maiores dos nossos
compositores. Por isso merece ser lembrado, relembrado, ouvido. Por isso
retrocedo-me àquele 1980. Tento relembrar daquele dia, da cerimônia de
sepultamento de Cartola mostrada em telejornais. Imagens que ganham vida. Uma
semana antes de sua morte, Cartola pediu a familiares que, em seu sepultamento
o Waldemiro, ritmista da Estação Primeira da Mangueira, tocasse o bumbo. E isso
foi feito. E mesmo que as rosas não falassem, naquele dia sei que disseram um
muito obrigado por Cartola ter existido: https://www.youtube.com/watch?v=V02Zbg-k7PE.
*****
Guido Heleno é goiano de Anápolis, pioneiro de Brasilia e
vive atualmente em Porto Alegre.
Um comentário:
Ah Cartola, as rosas não falam, mas você foi grande, imortalizou as rosas.
Postar um comentário