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sexta-feira, janeiro 30, 2015

José J. Veiga, ano 100

José Veiga e eu na Barraca do Escritor Goiano, na Feira Hippie, em 1982.






José J. Veiga, ano 100


Era uma manhã comum de sábado. E era abril, em 1978. Desde alguns meses antes, eu tinha montado, com o sonho e a esperança de publicar, o que sabia ser o meu primeiro livro – um livrinho de contos. E eram os anos do governo do general Geysel, o que falava em distensão gradual e lenta...


Pois era manhã, possivelmente dez horas, quando chegamos à casa de Dona Geny, no Largo do Rosário (Pirenópolis), Luiz Antônio Godinho e eu. Batemos à porta, Esdras nos atendeu e abriu a porta, tal como sempre nos abria o sorriso e o coração de boa amiga. Dissemos que queríamos visitar José Veiga e ele surgiu, silencioso e tímido. Luiz Antônio cuidou de nos apresentar.


Intimidei-me também ante a timidez do famoso contista. E falei com cuidado que a ousadia de invadir sua paz naquela manhã de sol e azul tinha a ver com o meu propósito de fazer um livro...


– Ah! Você também é escritor? – perguntou-me em tom de surpresa enquanto, num breve salto, punha-se de pé e nos deixava.


Olhei para Esdras e Luiz Antônio, nenhum de nós entendeu... E eis que volta José Veiga, trazendo nas mãos dois livros e uma caneta. A mim ofertou Cavalinhos de Platiplanto e ao Luiz Antônio, Sombra de Reis Barbudos. E abriu-se de falas, motivando-me a providenciar logo a publicação dos meus contos.


Ele era assim. Tímido em princípio, mas capaz de quebrar o gelo ao primeiro sinal de afinidade. Cheio de bons conselhos – mas não era fácil arrancar isso dele, não... E cheio de ótimas histórias vividas, que ele só contava quando se sentia à vontade com o parceiro de conversa.

Foi nesse quadro e nesse clima que contou-me, dentre outras coisas, de quando viajava de Goiás (a velha capital) para Leopoldo de Bulhões, onde pegou o trem para o Rio de Janeiro e, ao longe, erguia-se uma nuvem de poeira – o pó vermelho que, anos depois, daria nome ao romance de Eli Brasiliense (o primeiro romance ambientado em Goiânia).

– Ali vai ser a nova capital – disse-lhe o chofer do automóvel especialmente contratado para conduzi-lo à “ponta da linha”, que era a estação de Leopoldo de Bulhões, em 1935.
Antes da morte de José Veiga, em setembro de 1999, a Rodovia Corumbá-Pirenópolis recebeu o nome do escritor.

Sob esse mesmo humor, contava-me de um figurão nos governos de Pedro Ludovico. O funcionário, digno e cônscio, exemplar cidadão e pai de família, morador na Rua 16, no centro de Goiânia, fora dos primeiros a adquirir um automóvel, lá pelos anos 40 ou 50. Acordava cedo e começava a se arrumar, enquanto a mulher lhe preparava o café a ser tomado com os filhos que seguiriam para as escolas. E tinha sempre tempo para ir à garagem, pegar o espanador colorido que ficava dependurado sob o espelho retrovisor interno, remover toda a poeira da pintura escura do Mercury (ou Buick, ou outro modelo) e, após o café, seguir a pé para a repartição.

Veiga gostava também de lembrar os tempos de Londres, os passeios a pé, em ônibus ou trem pela cidade e pelas cercanias. E gostava de metrô, no Rio – morava bem perto de uma estação, na Glória. De seu apartamento, no último andar de um antigo edifício na Praça Paris, desfrutava de uma das mais belas paisagens do Rio, com a Marina da Glória, o Monumento aos Pracinhas, o Aeroporto Santos Dumont e, ao fundo, Niterói, além da barra da Guanabara.

Em 2007, o SESC de Goiás recebeu em doação o acervo literário de José J. Veiga e instalou-o com dignidade na Biblioteca Central, na Rua 15 (Centro, Goiânia).
Numa de minhas últimas visitas a ele, vislumbrei aquela vista e comentei, com euforia, a delícia que era morar ali. Ao seu modo brincalhão e provocador, sintetizou:

– O apartamento ao lado está vazio.

Nesta segunda-feira, dia 2 de fevereiro, José J. Veiga completa 100 anos de vida e imortalidade.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


quarta-feira, janeiro 28, 2015

Acinte à liberdade

Acinte à liberdade


Vejam a página especial "Jorge Braga vs Censura" em   https://www.facebook.com/pages/Jorge-Braga-vs-Censura/1526336870988696?fref=ts



A pirracinha exercida pelo prefeito de Goiânia contra o cartunista Jorge Braga ganhou corpo além do piti. O alcaide, que se projetou por ser vice de Iris Rezende Machado, assumindo a cadeira quando o titular renunciou, sob o guarda-chuva do grande líder, elegeu-se em mandato próprio. Foi o que bastou para que, uma vez no tablado, se sentisse a Estátua da Liberdade. Ou o Cristo Redentor.

O sucesso subiu-lhe tanto que passou a desconhecer pessoas a quem chamava pelo nome – como eu (certamente, dirá que nunca me viu nem ouvir falar em mim, e isso não me surpreende). Arrogante, ou petulante, exige desculpas por ter sido chamado de Sargento Garcia pelo chargista de O Popular. E daí? Seu sobrenome é Garcia, sua origem é espanhola e ele tem, sim, postura de sargento de caricatura – menos simpático que o Sargento Tainha de um gibi fora de circulação, o Recruta Zero, mas de fato mais próximo do eterno inimigo do Zorro.

Foi muito infeliz o prefeito com mais esse rompante de autoridade. Aceitasse a crítica ou a piada e tudo seria passado antes das seis da tarde – hora em que os boêmios costumam deixar os afazeres da sobrevivência para, de fato, viverem. Jorge Braga é um boêmio, eu sei bem. Já dividimos milhares de horas de bares e bate-papo, somos parceiros desde o meu livro de estreia, há quase 40 anos, acompanhei-o em várias de suas publicações, como revisor e autor de textos, ele compartilhava a minha família – não me refiro à que constitui, mas a de minha origem – a ponto de ter cama cativa na casa de meus pais.

Centenas de manifestações favoráveis ao desenhista vieram de todos os cantos do Brasil. Somente em Goiás ele foi discretamente tachado por alguns colegas como sectário ou algo parecido, pois (como disse o prefeito) ele poupa o governador de Goiás. Mas um dos que assim o qualificaram ressaltou ser este um direito dele – fazer escolhas. Concordo.

Jorge Braga desfruta de um prestígio invejável, para muitos. Tem a simpatia e o apoio de Ziraldo, que o trata como filho. Várias vezes trouxe o autor do Menino Maluquinho a Goiás, como também trouxe aqui Paulo Caruso, Ique, Luiz Fernando Veríssimo, Gougon, Jaguar e o saudoso e muito querido Henfil. Conheci todos esses ídolos do cartum e da inteligência nacional, pessoas que – mesmo professando ideologias diferentes – tiveram em comum a luta pela independência, pela liberdade de expressão e pelo fim do arbítrio que manchou nossa história por mais de vinte anos.

Além das pessoas do traço, muitos da música, das letras, das artes plásticas, do teatro etc. e tal pugnaram sistematicamente pela volta à democracia. E muitos são os que, ocultados sob as saias de suas mães e o rigor de seus pais que não queriam seus filhos envolvidos com comunistas, surgiram depois de “o dia raiar / sem lhe pedir licença” – como cantou Chico Buarque – apareceram do nada e posam de democratas.

Só que estes democratas de improviso, sem formação ao rigor do arbítrio (democratas de ouvir-dizer) alcançaram posições de destaque e agem como quem busca o poder tal como (repito) ouviram dizer que era, no tempo dos coturnos.

Um dos que lutaram por esta liberdade democrática é o poeta Brasigóis Felício, de quem colhi um pequeno e versátil texto,  feito agora há pouco. Leiam:

Político implicar com ou perseguir humoristas e chargistas, cercear o riso, obstruir a alegria da sátira, e a necessidade da crítica é uma fria sem tamanho. Insofismável demonstração de intolerância e burrice. Quanto à crônica, gênero esnobado por quem não consegue praticá-lo com mínima competência e sensibilidade, é como a poesia: ninguém tem necessidade, não tem utilidade alguma, mas os leitores inteligentes não conseguem passar uma visita costumeira a este parnaso inefável onde jornalismo e poesia dão um biscoito fino para manhãs ou tardes”.

E, como Vinícius de Morais, dou os trâmites por findos (em O Dia da Criação).

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, janeiro 23, 2015

Quatro escribas centenários



Espaço José J. Veiga, na Biblioteca Central do SESC: eu e Lucas com obusto de Veiga e a placa dos quais me orgulho 


Quatro escribas centenários



Enfim, e sob o silêncio das entidades e instituições locais, bem como da mídia (como anda desmemoriada a mídia!), começamos 2015, o ano que marca os 100 anos de nascimento de José J. Veiga (2 de fevereiro), Eli Brasiliense (18 de abril), Bernardo Élis (15 de novembro) e Carmo Bernardes (2 de dezembro).


O mais goiano dos mineiros: Carmo Bernardes.
Esses goianos (um deles, nascido em Minas, radicou-se com a família em terras nossas aos quatro anos de idade: o “patureba” Carmo) destacaram-se a partir da década de 40 como escritores de realce. Carmo foi o mais completo dos nossos regionalistas, considerando-se a riqueza e exatidão de seu vocabulário roceiro. Foi premiado com o prêmio Casa de Las Américas, em Cuba.

Veiga e Bernardo nasceram em Corumbá de Goiás. Veiga, numa fazenda bem próxima de Pirenópolis, o que faz com que a vetusta Meia-Ponte o tenha também por filho, e Bernardo na cidade que sempre me lembra um presépio. Sobre ambos, o escritor José Mendonça Teles perguntou a Bernardo Élis quando suas infâncias se cruzaram na minúscula Corumb. Bernardo respondeu de modo pitoresco: “Nunca-não, ele morava na rua-de-baixo”. Curiosamente, a citada rua-de-baixo dá frente para a Praça da Igreja e a rua-de-cima era a primeira paralela, isto é, a casa de Bernardo ficava na mesma quadra, quase que os quintais se dividissem pelo mesmo muro.

Eu e Eli, entrega do Troféu Tiokô, em 1998;

Eli Brasiliense (autor de Pium, romance sobre o garimpo do pequeno povoado de sua Porto Nacional) teve o privilégio de uma boa base escolar – coisa que, parece-me, era comum nas poucas escolas do antigo Norte de Goiás, graças à ação educacional dos padres católicos. Migrou para o Sul do Estado, suponho que sob o chamamento da construção da nova capital. Viveu uns tempos em Pirenópolis, onde teve uma tipografia. Contava-me meu pai que teve com Eli o seu primeiro emprego, como aprendiz na pequena indústria. Em Pirenópolis se casou (era concunhado do saudoso professor Gomes Filho e grandes amigos). Seu livro Chão Vermelho é tido como o primeiro romance ambientado em Goiânia.




Bernardo Elis

Bernardo já desfrutava do respeito da sociedade quando, no mandato do primeiro prefeito de Goiânia, escreveu Ermos e Gerais, que estreou a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, mantida desde então pela Prefeitura de Goiânia. Seu pai, Erico (a pronúncia é paroxítona, ao contrário de seu parônimo Érico Veríssimo), também foi escritor e membro da Academia Goiana de Letras. Bernardo foi membro efetivo da Academia Brasileira de Letras.

José J. Veiga e eu, na Barraca do Escritor (Feira Hippie, em 1982)
Deixei por último o aniversariante do próximo dia 2, José J. Veiga. Aos vinte anos, ele se mudou da Cidade de Goiás, ainda capital do Estado, para o Rio de Janeiro. De lá, viajou a Londres, onde viveu a segunda metade da década de 40. Voltando ao Brasil, casou-se com a Sra. Clérida, ao lado de quem faleceu em 1999, quase meio século depois. Estreou em livro com Cavalinhos de Platiplanto, em 1959. Grande contista, aventurou-se também no romance e foi traduzido em dezenas de países (em breve, será publicado na Holanda). A Companhia das Letras, que detém o direito de publicação de sua obra, anuncia novas edições a partir deste ano, festejando o centenário. 

Por iniciativa pessoal minha, o acervo literário de José J. Veiga foi doado ao SESC de Goiás e, graças ao senso de determinação e sensibilidade do diretor geral Giuglio Cysneiros, encontra-se dignamente instalado na Biblioteca Central, na Rua 15, em Goiânia.

Pois bem: desde meados do ano passado, tenho escrito sobre estes quatro grandes das nossas letras, tentando sensibilizar instituições e entidades, autoridades e líderes do ambiente cultural e educacional, mas sem êxito. Parece-me que a memória brasileira está mesmo condenada ao esquecimento. Até onde sei, somente o SESC prepara uma solenidade para meados de março, em torno de José J. Veiga, sem, contudo, participação mais destacada dos locais. Mas, é certo, cada um de nós festejará o autor de Sombra de Reis Barbudos na plenitude de nossos corações.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



quinta-feira, janeiro 22, 2015

Fazendo o mal sem saber a quem

Memorável: Luiz de Aquino JOSÉ FERNANDES, Antônio Olinto (da ABL), Coelho Vaz e Beth Almeida, na Academia Goiana de Letras. (Do meu arquivo)

Fazendo o mal sem saber a quem

Faço um esforço terrível para poupar críticas, mas nem sempre é possível. Assusta-me saber que um trabalhador brasileiro que ganhe um pouquinho mais de dois salários-mínimos integra o “clube fechado dos pagadores de Imposto de Renda”, como o definia o coronel Jarbas Passarinho no tempo dos milicos. Lembro-me bem do militar (então já na reserva) contar que, como coronel do Exército, não pagava porque tinha lá tantos filhos; mas como ministrou ingressou no tal clube.
Agora, com salário mínimo perto de 800 reais, basta alguém ganhar R$ 1.780,00 e algumas moedas para ser tributado. O Congresso tentou aliviar a carga, elevando o piso para uns 130,00 reais a mais; foi quando o “novo” ministro da Fazenda festejou, quietinho, o veto da presidente: a preservação do velho teto assegura uns sete bilhões e algumas querelas (querelas de milhões) na “burra” do Leão.
Só não digo que é melhor deixar pra lá porque não dá! Temos, sim, de espernear... A mesa de reuniões continua com 39 cadeiras de ministros. Os salários são altos naquele status; os magistrados e procuradores, destacados também com salários-teto, ganham ainda os auxílios vários: moradia, livros, trajes e possivelmente outros itens menos enfáticos.
Enquanto isso, um cidadão das minhas relações com o nome pequenino de José Fernandes mofou por umas duas semanas num leito de hospital. O cardiologista o salvou da crise de batimentos baixíssimos e recomendou um dispositivo moderno, como que um marcapasso cardíaco de nova geração.
Tudo bem. Aliás, estaria tudo bem, se os procedimentos recomendados fossem cumpridos. Só que o meu amigo José tem um plano de saúde. Privado – diga-se de passagem. E poderoso (com cobertura em todo o país). José é pessoa de origem humilde, filho de lavrador do sul de Minas; criou-se junto ao pai, na roça, até o momento de “continuar os estudos”, isto é, ingressar no ginasial.
Família muito pobre. Menino estudioso, curioso e dedicado. Um padre amigo orientou-o e ele foi cursar um seminário. Quase se ordenou padre. Fez-se professor de Língua Portuguesa e Literatura, cursou de tudo, fez algumas especializações, mestrado e doutorado. Mas quando chegou a esse ponto já havia deixado Minas, estudou – até a graduação – em Curitiba, fez-se professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Veio parar em Goiás, na UFG. Poeta e critico literário, autor de muitos livros, foi acolhido como membro efetivo da Academia Goiana de Letras e foi seu presidente por duas vezes.
Também por duas vezes o tal poderoso plano de saúde “errou” ao transcrever o código do aparelhinho que regularia o coração do meu amigo. O paciente, com isso, teve momentos de altos e baixos, até que outro acadêmico – Iuri Godinho, jornalista, editor e escritor e nosso confrade na AGL – resolveu visitar a sede do tal plano e dizer quem era o paciente de nome tão simples.
Miraculosamente, o código foi corrigido.
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Esta história é uma das que decepciona o brasileiro – mas é uma das que faz de vítimas pessoas de classe média, dessas que não escapam do Imposto de Renda, que contribui com a Previdência Social e com os tais planos de saúde – portanto, sem SUS, sem CAIS, sem UPA e outras siglas do complexo sistema público.
E se não fosse a famosa “carteirada”, meu amigo poderia ter morrido por desídia de algum funcionário do plano... Ou mesmo de algum médico de visão mercantilista (tão comuns nessas empresas). E pensar que o Professor Doutor José Fernandes, poeta e contista, crítico e mestre de tantos notáveis, só foi atendido após tal procedimento que, considerado anti-ético, torna-se pedra-de-toque para salvar vidas (ele foi operado e passa bem. Valeu, Iuri Godinho!).

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. 

domingo, janeiro 18, 2015

Uma nação anti-artes

Uma nação anti-artes


A atleta Taís Souza, uma glória do nosso mundo esportivo – especialmente no sofisticado meio dos esportes olímpicos – ficou tetraplégica em virtude de um grave acidente que comoveu todo a nação. O veterano país do futebol descobriu que poderia ser bom também no automobilismo, no vôlei, no basquete e, mais recentemente, na ginástica olímpica, na natação, no judô e nas velas, mas continuamos sendo, nesse particular, uma potência emergente.

Ao comentar a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de uma pensão no valor máximo do teto da Previdência Social para a jovem desportista, um jornalista da CBN fez críticas e teceu ironias às autoridades políticas pelo descaso com que tratam o esporte brasileiro de todos os gêneros. Um clamor emocionante, na verdade, mas discricionário. O coleguinha jornalista omitiu, por intenção ou ignorância, um mal de igual ou pior teor, que é o descaso do Brasil para com os escritores (poetas e ficcionistas), os músicos que não conseguiram romper a tensão superficial do xou-biz, os artistas plásticos que lutam por vender um quadro para quitar a conta do armazém e comprar mais tintas e pincéis etc.

O Brasil investe e retribui na sub-arte. Endeusa uns raros poetas em cada década – com ênfase para os que despertaram o interesse de algum poderoso do complexo sistema de comunicação de massas (Cora Coralina, Ariano Suassuna, Manuel de Barros e... E.. E... Quem mais mesmo?). A imensidão territorial faz deste país um continente: Goiás é um Chile; Bahia, uma Colômbia; Minas, uma França; Pará, uma Espanha – e assim por diante. Mas toda a mídia rende loas ao eixo Rio – São Paulo, em prejuízo dos demais. Nos Estados onde o respeito à produção autóctone existe (Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas, Bahia...) os artistas locais ainda têm mérito em casa, mas entre nós a coisa é triste!

Esta semana, conversando com duas jornalistas – uma já experiente, beirando 40 anos, e a outra recém formada, com prováveis 22 anos – constatei que quase nada sabem dos escritores locais, muito pouco dos nossos músicos de MPB e de Rock, mas discorrem com riqueza de detalhes sobre a produção e a vida pessoal de artistas norte-americanos e ingleses, inclusive sobre alguns de quem jamais ouvi falar.

Exceção: ambas me conhecem bem (uma porque eu vi nascer e crescer; a outra por ter trabalhado comigo), mas de dez membros da Academia Goiana de Letras que lhes citei – inclusive alguns que detêm dezenas de prêmios nacionais e elevada atuação nas letras locais – nenhuma delas conhecia ao menos dois. E nas artes plásticas? E no cartum? E o riquíssimo meio de produção de MPB em Goiás? Dois ou três nomes, apenas...

Em contrapartida, ambas – que juram não curtir o sertanejo moderno – serão capazes de dizer até mesmo o número das botas dos cantantes dos superxous que as emissoras de tevê e os cadernos bê dos jornais estampam em fotos estonteantes e manchetes estrondosas.

É triste conviver com esta realidade. E sequer podemos cobrar posturas do público ante nosso trabalho, pois não fazemos por merecer o conhecimento dos nossos estudantes. O consumidor de música em xous populares de dezenas de milhares de espectadores confunde-se com o consumidor de ecstasy (é assim que se escreve?). E pessoas com tal perfil passam longe dos livros, dos teatros e da intenção de ostentar na parede da sala ou do quarto uma tela de Roos ou de Alexandre Liah.

O colega da Rádio CBN (de  São Paulo) deve praticar algum esporte; e ele não se destacou como atleta, mas sobrevive com dignidade como   comentarista esportivo. Ele jamais erguerá a bandeira das artes, como faço agora. Só que a diferença entre nós será sempre esta... Eu estou a comentar o que ouvi dele; ele, porém, jamais lerá o que escrevo. Sobretudo um texto como este, no qual enfatizo o descaso das autoridades, da mídia e do público para com as letras, as artes, a dramaturgia e a música – essas artes que transformam pessoas e mudam regimes, como já o fizeram nas décadas de 1960, 70 e 80.


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quarta-feira, janeiro 14, 2015

Falta finesse

Dezembro, 2008: a Prefeitura removeu 26 ipês que já floriam para plantar as palmeiras que agora desaparecem. Com meu filho Lucas e amigos ambientalistas, participei dessa ação, fincando no local 26 cruzes brancas.

Falta finesse

Uma das mais belas vias de Goiânia é a Avenida 85, especialmente no trecho que vai de seu cruzamento com a Avenida D (popularmente conhecido como Praça do Ratinho) até o seu final, no sopé da Serrinha, ainda que chamada, desde a T-63, de S-1. O canteiro central ajardinado (já foi florido, por iniciativa do prefeito Nion Albernaz e sob o talento do saudoso Ailton Lelis) ostentou ipês que floriam lindamente prenunciando a Primavera, mas o autoritarismo de quem vinha das forjas da ditadura impôs sua troca por palmeiras imperiais.

Ainda assim, a avenida era linda.

Era, até a última quinta-feira. A ausência de arquitetos urbanistas nos quadros da Prefeitura – ou, o que me parece mais verossímil, o impedimento que lhes impõe o aprendiz de títere que reina hoje no Paço Venerando de Freitas – resulta nisso – uma vez mais, o visual da cidade é violentado. O pretexto é encurtar o tempo dos ônibus, com corredores especiais. Acho que o uso da trena poderia ter salvo as palmeiras, mas a autoridade truculenta tem prazer em tomar medidas radicais antipáticas.

Isso aconteceu uma vez, lá por 1980, na Avenida 84. E a desculpa era a mesma – estabelecer corredor exclusivo para os ônibus. Nestes 35 anos, o que melhorou no transporte coletivo de Goiânia? Abrem-se os corredores exclusivos, mas cadê os ônibus? Os poucos circulantes só transitam superlotados, numa evidência de mau planejamento e prática de usura pelas empresas permissionárias, que só liberam ônibus para que saiam muito cheios dos pontos iniciais.

 Mudo de cena: saio da Avenida 85 e ponho atenção nas falas dos coleguinhas do rádio e da tevê.

Tenho pregado, há anos, que a reforma do Ensino Médio exige fortalecimento da base Fundamental. Falta um pouco do que chamaríamos de "academicismo", os meninos precisam saber mais de música, de poesia e de arte, sobretudo História da Arte, e de uma base de Filosofia. Cansei de ouvir, na Globo e na CBN, ilustres e bem remunerados jornalistas pronunciarem "Charliê"; uns dois dias depois notei que falavam como se as duas palavras – Charlie Hebdo – fossem Charliê Bidô.

Não bastasse isso, os profissionais da dita "imprensa falada e televisada" (morro de rir!) não buscam minimizar seus sotaques de origem; no rádio e na tevê, há que se minimizar o R dito operístico dos paulistanos e o S chiado dos cariocas; soam muito antipáticos aos ouvidos gerais.

Mas o que fazer? Uma tradutora a serviço da CBN, em tradução simultânea da fala do presidente francês mudou radicalmente toda a regência em português porque traduzia ao pé da letra o discurso de François Hollande. Sei que existem, no Brasil de hoje, cursos superiores de Tradução, mas como alguém se mete a tradutor se não conseguiu ainda aprender sequer o seu idioma pátrio? Não é preciso conhecermos línguas estrangeiras para detectar os erros de tradução em filmes e livros, mas dói demais ouvir alguém, em rede internacional, pronunciar um Português totalmente ininteligível.

Isso me incomoda tanto quanto os comentaristas gagos do rádio. Também sobre o atentado em Paris, ouvi, por longos minutos, um comentarista oficial de péssima voz e pronúncia pior ainda a interpor um prolongado "éééé" entre uma e outra palavra. E são muitos os âncoras que interpõem "aí" em suas falas, como uma "muleta" insuportável para o ouvinte mas, parece-me, estimulada pelos diretores.

A ignorância impõe, com truculência de ditadura, coisas assim: a valorização de profissionais mal formados ou mal dirigidos e medidas indevidas, impopulares, violentas na paisagem urbana em nome da manutenção da força de um mandatário sobre o qual o povo não omite o arrependimento por tê-lo elegido.

Felizmente, atingi aquele estágio da vida em que o senso crítico se tornou irreversível. Ao longo de quase 52 anos de morada aqui, pude me deleitar com uma das mais belas paisagens urbanas do país, ainda que nosso sítio seja desprovido de belezas naturais. Lamento que um filho da cidade seja o responsável pelo “enfeiamento” do que era belo.

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sábado, janeiro 10, 2015

Eu também sou Charlie

 Eu também sou Charlie


Serão os franceses de hoje constituídos da mesma essência e forjados na mesma têmpera dos de 1789? Há mais de 225 anos, o “bourgeois” saiu às ruas, indignado com a opressão e o cerceamento da liberdade. A massa, ignara mas unida, enfrentou os canos dos fuzis e as lâminas das baionetas, destruiu La Bastille e marcou a História com o canto de La Marseillese (a canção popular de Rouget de L’Isle tornou-se não somente o hino da nação francesa, mas o canto que se canta quando se quer evocar a liberdade).

Aquele movimento de rua na Paris do final do Século XVII marcou o fim da Idade Moderna – o mundo nunca mais foi o mesmo!

Muitas ditaduras aconteceram e acontecem ainda pelo mundo afora. Mas há sempre a semente da Liberdade plantada nas mentes dos inconformados. Os burgueses de 1889 juntaram-se aos intelectuais que sustentavam a luta em três pontos: Egalité, Fraternité et Liberté.

Muito se fala do comportamento dos franceses: pernósticos, preconceituosos, xenófobos... Será mesmo? Nós, brasileiros, repetimos um pouco do que marcou a formação do povo dos Estados Unidos – somos abertos à migração, somos mestiços física e culturalmente; os franceses, mesmo quando colonizadores, não migravam para os territórios colonizados e não se deixaram miscigenar, como acontece conosco.

O atentado à redação da revista Charlie Hebdo, na quarta-feira, dia 7, não seria surpresa. O estúpido fundamentalismo religioso pressupõe essa prática, os terroristas que se escudam no Islamismo cometem toda espécie de barbárie, o que vai de um atentado covarde como esse, em que se escolheram doze pessoas, entre jornalistas e policiais, e os ferem de morte, até o sequestro grupal de centenas de mulheres adolescentes para fins de abuso explícito e confesso.

O Islã não é isso. Líderes muçulmanos de várias regiões e até mesmo uma milenar universidade do Cairo (a segunda na história da humanidade) condena tais práticas, que se tornaram corriqueiras desde quando os aiatolás tomaram o poder no Irã. Esse fundamentalismo é o mesmo que leva alguns neopentecostais  de pouca leitura (ou muita leitura mal orientada) a quebrar imagens católicas ou a recusarem-se a empregar pessoas de “outras denominações”, ou ainda a pregar como doutrina que somente os “da nossa fé” são filhos de Deus e dignos de tal condição.

Ou seja: somos todos preconceituosos. Cristãos e muçulmanos precisam conhecer melhor o que os nossos símbolos espirituais ensinaram, em lugar de agir com ódio e violência “em nome de Deus”. Agora, este atentado na capital da França (o francês é o povo que melhor representa a Liberdade). Pelo mundo afora, matam-se jornalistas por noticiarem mazelas da política e da corrupção, da economia e da gestão pública mal versada, e, por último, até mesmo por contestarem práticas administrativas no meio desportivo!

Matam homens, não matam ideias. Matam os que se armam de lápis e pincéis, mas não matam a essência. A França desta semana repetiu a de julho de 1789. E toda a França ostentou um pequenino e expressivo cartaz: “Je suis Charlie” (Eu sou Carlinhos). E Charlie Hebdo (Semanário Carlinhos, numa tradução pra lá de livre) torna-se agora o símbolo da liberdade de expressão e da defesa da vida dos que atuam em comunicação pelo mundo agora, nas mais variadas linguagens.

Moi aussi, je suis Charlie!

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

quinta-feira, janeiro 08, 2015

Viver e aprender

Viver e aprender


Os coroas como eu, que vivo os últimos meses da casa dos sexagenários, vivem a repetir o quanto fomos doutrinados, em casa e nas escolas (grande parte também na Igreja, nas aulas de Catecismo), a respeitar os mais velhos a qualquer custo. É bem possível que a nossa estranheza aos tempos atuais provenha dos maus tratos que vimos acontecer com pessoas encanecidas e enrugadas, mas a minha estranheza recai no modo de educar que se instituiu na nação brasileira desde a década de 70 – aquela fase pós-revolução sexual etc.

Quando a isso, lembro-me sempre de uma amiga que, ao chegarmos à casa dos 40 anos, me ensinava: “Até os 40 anos, aprendemos com os mais velhos; daqui por diante, aprenderemos com os mais novos”.  Recordo sempre isso e costumo dizer isso aos jovens que me ouvem nas escolas e mesmo nas conversas informais – eu que tanto gosto de conversar com jovens e crianças! Mas preferi não restringir meu aprendizado: escolhi continuar aprendendo com os mais velhos e descobrir grandes ensinamentos entre os jovens.

Os professores entendem bem do que digo. Estes são os profissionais que mais se dedicam a aprender com seus alunos. Quem de nós não se surpreende com as “tiradas” das crianças em casa? Agora, imaginem essas frases e idéias manifestadas em um grupo de vinte, trinta ou mesmo de mais alunos, quase todos na mesma idade numa classe! A petizada (oba! A palavra em desuso despertou-se na minha memória...) é sempre muito criativa; os adolescentes, surpreendentes (e perigosos: costumam armar situações que exigem muito de seus pais, tios, avós e... professores!).

Mas entre os adultos de outros ofícios – como entre nós, jornalistas – o convívio num grupo é sempre uma oficina de novidades. Gosto de recordar meus tempos nas salas de aula e também nas redações dos jornais; e gosto muito de observar o “modus operandi” que marca os subgrupos. Ultimamente, quando a minha experiência de décadas na rotina da escrita se presta a colaborar, venho observando não apenas vícios de linguagem, mas surpreendentes modos de se interpretar velhos termos e nominar atos com palavras despertadas dos vastos vocabulários.

Mas o que mais me encanta é o que escapa à linguagem (a de hoje é muito mais pobre e despreocupada do que eu gostaria que fosse; mas sou fruto do meu tempo), são as práticas nos procedimentos da comunicação social – algo que vai um pouco além do meramente jornalístico (se é que o jornalismo possa ser dito “mero”). Refiro-me ao que nos dias de hoje, apelida-se de “comunicação setorial” – um modo especializado de se executar a comunicação, desenvolvendo não apenas notícias, mas auxiliando a clientela (colegas de ofício noutras estruturas do próprio segmento ou de veículos vários de comunicação) e, mais ainda, no desenvolvimento de procederes que auxiliam expressivamente nas campanhas sociais.

Nos últimos quase vinte meses, aprendi muito com Flávia Lélis, Patrícia, Iara Lourenço, Alzenar, Luciana Brites, Thiago Lagares,  Maycon, Thiago Vasconcelos, Daniela, Karine, Karina, a Kamilla, a Marina, Matheus, Helen, Éricka , Pascoal e Valdir, Brunno Lobo, Vitória, Kariun, Shysuo, Sabá, Mariana, Lívia, Lucas e Lucas...

Equipes assim, com unidade de propósitos e a colheita imediata de bons resultados, sabem que o segredo está na persistência da busca e na confiança oferecida aos companheiros. Algumas vezes, guardamos alguma ansiedade até o dia seguinte – mas como é comum festejarmos com sorrisos e olhares os bons resultados!

Esta é a equipe da Comunicação Setorial da Saúde, na Secretaria de Estado que teve os comandos de Antonio Faleiros e Halim Girade nos quatro anos do terceiro governo de Marconi Perillo. Ela dá boas-vindas ao secretário Leonardo Vilela, ciente de ter bem cumprido as missões que lhe foram confiadas.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


sexta-feira, janeiro 02, 2015

Por educadores na Educação

Por educadores na Educação


Eis que experimentamos estes primeiros dias de um novo ano, ainda a dizer Feliz Ano-Novo às pessoas e a fortalecer as esperanças. Estendemos o Natal, o Ano-Novo e a paciência até o Carnaval para, então, começar a atuar em 2015. Afinal, esperávamos começar 2014 após o Carnaval, mas havia a Copa do Mundo; levamos de 7 a 1 e tivemos de engolir os últimos jogos.

Quando pensávamos poder começar o ano, o que de fato começou foi o período das campanhas eleitorais. Somente em novembro começamos o ano (de dois meses), com notícias tristes e alarmantes da política e da Economia. E então chegamos às posses de presidente e governadores com a tradicional renovação das esperanças.

Economia em crise. Educação sob franca suspeita. Segurança a exigir movimento e providências em âmbito nacional. Saúde sob muita atenção, com a máquina pública incapaz de atender as demandas, mas concentrando em si a esperança dos que já notaram que o aparelhamento privado não consegue, também atender ao fluxo cada vez maior (e caro! Impraticável para quem precisar de tratamentos especiais), o que exige altos investimentos.

Segurança é que nem fome – não pode esperar. O mesmo se dá com a Saúde. Mas o berço das soluções reside na Educação, o estágio inevitável para que a sociedade do futuro alcance melhor qualidade dos profissionais de todas as áreas, tornando-a mais digna e legítima.

Os empenhos nacionais pelo respeito e valorização de alguns profissionais conduziram-nos a salários  altos – magistrados, procuradores, boa gama dos policiais civis e outros mais. Tal não se deu com os professores e uma avaliação dos valores pagos, agora e nos passado, informam-nos: naquele tempo em que o custo das famílias reduziam-se quase que somente à comida e vestuário, os professores andavam de terno e gravata e bem alimentavam a família; mas era só! Hoje...

Bem: no tempo (vivo repetindo isso, mas não me canso) em que a Pasta – em níveis federal e estaduais – chamava-se “da Educação e Saúde”, cabia somente aos médicos a titularidade do ministério e das secretarias. Após a divisão (1953), os médicos ficaram com a Saúde e para a Educação nomeava-se qualquer profissional – afinal, todos passaram por escolas, como alunos. Ora: a predominar tal raciocínio, qualquer pessoa com um grande volume de horas de voo, ainda que como turista, poderá ser ocupante do Comando da Aeronáutica, não é? Vai nessa!

Mas a presidente Dilma, em seu discurso de posse, declarou que o lema deste segundo governo é “Brasil, Pátria educadora”(a maiúscula em Pátria é por minha conta). Que seja! Este é um sonho que me persegue desde os meus primeiros anos escolares. Mas preocupa-me que seu ministro da Educação, o engenheiro civil Cid Gomes, entenda que professor ensina pelo prazer e não pelo salário. Essa é uma realidade constatada, Sr. Ministro! Mas há que se remunerar dignamente os mestres, sim! Ou o Sr., se fosse líder no Judiciário, diria o mesmo aos juízes e lhes reduziria os ganhos de contra-cheque, hem?

Feliz 2015, Brasil! (Não falei de Goiás por falta de espaço, mas não me faltará ocasião. Nem inspiração).



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