Conjecturas
na terça-feira gorda
Não
sei o que me vem, talvez seja a intenção de aproveitar as sensações do meu
carnaval em silêncio. Despertei-me cedo nesta terça-feira gorda e só percebi
diferente a dimensão do tempo crônico (sim, porque há o tempo climatológico) em
ócio, mas eu fiz do ócio uma disposição para ler, conversar e escrever.
A
origem da expressão “terça-feira gorda” está no francês, “mardi gras” – mas não
se limita à terça-feira, e sim ao período carnavalesco. Contudo, “mardi” é
terça-feira, sim. O Carnaval chegou ao Brasil no Século XVII e era muito
diferente de hoje, consistia apenas em se jogar coisas nas pessoas, como
farinha, pós diversos e ovos. É possível que a musicalidade, tão difundida
entre os povos latinos, tenha entrado naturalmente no costume, mas as fantasias
e as máscaras, estas devem ter vindo de Veneza.
Para
os franceses, pois, carnaval é “mardi gras”, e a cidade de Louisiania, na
América, pratica o “mardi gras” mais famoso sob esse nome (ainda que americana,
Louisiania foi construída pelos franceses – mas é uma cidade de fortíssima
presença negra e, por muitos, é considerada a “capita do blues”.
Grandes
centros urbanos como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Olinda e Salvador
marcam-se como expoentes no carnaval brasileiro. Muitas capitais ficam vazias,
com grande movimento pelas rodovias rumo às cidades do interior – coisa muito
comum aqui em Goiás. Algumas cidades descaracterizam o (antes) chamado “tríduo
momesco”, substituindo as marchinhas e os sambas pelo sertanejo contemporâneo –
um gênero que, ao contrário do que o nome sugere, nada tem com os sertões.
Ah!
Tríduo quer dizer três dias, porque tinha-se por período carnavalesco o
domingo, a segunda e a terça-feira (sempre gorda). Aos poucos, o sábado foi
incorporado e nas cidades do Nordeste, onde o turismo vem a ser responsável por
grande parcela do movimento comercial, a festa se estende por vários dias,
antes e depois do que o calendário civil especifica.
O
certo é que este último dia de carnaval, véspera da quarta-feira de Cinzas
(quando começa a Quaresma) foi muito diferente aqui no meu cantinho. Aqui a manhã tem o céu oculto de nuvens
desde o amanhecer. E agora, uma tênue garoa acinzenta ainda mais a paisagem, e
o telhado da varanda proporciona-me a visagem de goteiras rítmicas – não de
marcha ou samba, mas de valsa (e é carnaval!).
Lá fora, daqui a poucos minutos de automóvel, a
vida segue seu ritmo típico da pacata cidade numa terça... Ah, mas além de
terça-feira é feriado! A proximidade de Goiânia (apenas 30 km) faz de
Hidrolândia a referência de incontáveis fazendas e chácaras de moradores da
capital. Se vou à padaria ou à feira, se perambulo pelas pracinhas ou calçadas,
encontro conhecidos vários destes mais de 50 anos de vivência na escolaridade e
no trabalho.
E como é bom nos revermos!
Esses encontros, ainda que nos tragam sorrisos
de bem-estar por inesperados reencontros, ameniza-nos o mal-estar dos pequenos
conflitos – especialmente esses que decorrem de mal-entendidos em algumas falas
ou mesmo no choque de ideias nos propósitos de trabalho. Ou ainda nas
malfadadas decepções alcançadas, como pedras no caminho do amor de amigos ou de
romances (como as há!).
*****
Luiz de
Aquino é professor, jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
4 comentários:
Foi bom aprender tudo isso sobre a terça-feira de Carnaval. E de quebra, saber um pouquinho do seu viver em Hidrolândia.
Li sua crônica ontem mesmo. Como todas, permeada de grande sensibilidade e boas memórias.
Estarei vendo demais ou existe uma leve melancolia, atualmente no que escreve?
Acabei de ler. Muito bom sobre o "mardi-gras", que na França, somente em Nice é apresentado, nas ruas, mas só com carros alegóricos e gente "vestida"! Adoraria ir à Nova Orléans, ver não só o carnaval, mas também um enterro com blues!
Leio e me extasio da maestria de seus textos, versos. ....quando crescer quero ser assim como você!
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