Páginas

sábado, fevereiro 13, 2016

Conjecturas na terça-feira gorda



Conjecturas na terça-feira gorda


Não sei o que me vem, talvez seja a intenção de aproveitar as sensações do meu carnaval em silêncio. Despertei-me cedo nesta terça-feira gorda e só percebi diferente a dimensão do tempo crônico (sim, porque há o tempo climatológico) em ócio, mas eu fiz do ócio uma disposição para ler, conversar e escrever.

A origem da expressão “terça-feira gorda” está no francês, “mardi gras” – mas não se limita à terça-feira, e sim ao período carnavalesco. Contudo, “mardi” é terça-feira, sim. O Carnaval chegou ao Brasil no Século XVII e era muito diferente de hoje, consistia apenas em se jogar coisas nas pessoas, como farinha, pós diversos e ovos. É possível que a musicalidade, tão difundida entre os povos latinos, tenha entrado naturalmente no costume, mas as fantasias e as máscaras, estas devem ter vindo de Veneza.

Para os franceses, pois, carnaval é “mardi gras”, e a cidade de Louisiania, na América, pratica o “mardi gras” mais famoso sob esse nome (ainda que americana, Louisiania foi construída pelos franceses – mas é uma cidade de fortíssima presença negra e, por muitos, é considerada a “capita do blues”.

Grandes centros urbanos como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Olinda e Salvador marcam-se como expoentes no carnaval brasileiro. Muitas capitais ficam vazias, com grande movimento pelas rodovias rumo às cidades do interior – coisa muito comum aqui em Goiás. Algumas cidades descaracterizam o (antes) chamado “tríduo momesco”, substituindo as marchinhas e os sambas pelo sertanejo contemporâneo – um gênero que, ao contrário do que o nome sugere, nada tem com os sertões.

Ah! Tríduo quer dizer três dias, porque tinha-se por período carnavalesco o domingo, a segunda e a terça-feira (sempre gorda). Aos poucos, o sábado foi incorporado e nas cidades do Nordeste, onde o turismo vem a ser responsável por grande parcela do movimento comercial, a festa se estende por vários dias, antes e depois do que o calendário civil especifica.

O certo é que este último dia de carnaval, véspera da quarta-feira de Cinzas (quando começa a Quaresma) foi muito diferente aqui no meu cantinho. Aqui a manhã tem o céu oculto de nuvens desde o amanhecer. E agora, uma tênue garoa acinzenta ainda mais a paisagem, e o telhado da varanda proporciona-me a visagem de goteiras rítmicas – não de marcha ou samba, mas de valsa (e é carnaval!).

Lá fora, daqui a poucos minutos de automóvel, a vida segue seu ritmo típico da pacata cidade numa terça... Ah, mas além de terça-feira é feriado! A proximidade de Goiânia (apenas 30 km) faz de Hidrolândia a referência de incontáveis fazendas e chácaras de moradores da capital. Se vou à padaria ou à feira, se perambulo pelas pracinhas ou calçadas, encontro conhecidos vários destes mais de 50 anos de vivência na escolaridade e no trabalho.

E como é bom nos revermos!

Esses encontros, ainda que nos tragam sorrisos de bem-estar por inesperados reencontros, ameniza-nos o mal-estar dos pequenos conflitos – especialmente esses que decorrem de mal-entendidos em algumas falas ou mesmo no choque de ideias nos propósitos de trabalho. Ou ainda nas malfadadas decepções alcançadas, como pedras no caminho do amor de amigos ou de romances (como as há!).

*****


Luiz de Aquino é professor, jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

4 comentários:

Mara Narciso disse...

Foi bom aprender tudo isso sobre a terça-feira de Carnaval. E de quebra, saber um pouquinho do seu viver em Hidrolândia.

Ana Maria Taveira Miguel disse...

Li sua crônica ontem mesmo. Como todas, permeada de grande sensibilidade e boas memórias.
Estarei vendo demais ou existe uma leve melancolia, atualmente no que escreve?

Maria Lúcia Gigonzac disse...

Acabei de ler. Muito bom sobre o "mardi-gras", que na França, somente em Nice é apresentado, nas ruas, mas só com carros alegóricos e gente "vestida"! Adoraria ir à Nova Orléans, ver não só o carnaval, mas também um enterro com blues!

Rosy Cardoso disse...

Leio e me extasio da maestria de seus textos, versos. ....quando crescer quero ser assim como você!