Páginas

sábado, setembro 03, 2016

Bonita e só; é madrugada!

Bonita e só; é madrugada!


Helena é uma bela e jovem mulher. Filha de amigos, conheci-a nos primeiros anos de sua adolescência e há um bom tempo não nos falamos. Preparava-me, nesta manhã de sábado, para redigir minha crônica domingueira quando, pelo Facebook, saltou-me aos olhos o seguinte texto desabafo:

Imagine a cena: uma mulher, nos seus trinta e poucos, voltando pra casa, no carro dela, as quatro da manhã, de uma sexta (ou sábado). Qual o maior perigo que ela poderia enfrentar? Talvez um bêbado descontrolado furando sinal? Mas não. Não em Goiânia.
Aqui, ela tem que negar, veemente, que não quer sair com um desconhecido pra tomar uma no Caldos 24 horas, que a persegue pela T-9 quase inteira e que não aceita um não como resposta. Aqui, ela tem que temer, pois um 'homem' (e aqui vai entre aspas, porque, pra ela, esse homem não passa de um moleque) não admite que uma mulher NÃO QUER qualquer que seja a coisa que ele quer. Aqui, ela tem que dar uma desesperada básica, pois o cara supõe que uma mulher sozinha precisa, desculpe a expressão, de pica. Aqui, o ‘não’ não tem sentido e a vontade alheia não é respeitada. Aqui, infelizmente, a liberdade não é tão liberta assim.
Ah, vão dizer, o que uma mulher sozinha estava fazendo na rua uma hora dessas? Respondo: o que ela quiser!
E assim, perpetua-se a cultura do machismo, pois uma mulher sozinha TEM O DIREITO DE IR E VIR A HORA QUE ELA QUISER! Apenas precisamos de uma cultura em que ela possa se sentir tranquila e que não será assediada no exercício dessa liberdade, que é dela.
E não, não é da violência urbana que tenho medo, e sim da violência de gênero, que, infelizmente, viola muito o meu ser”.

***


Lamentavelmente, Helena, esse mal é nacional – passível de acontecer em qualquer cidade brasileira! Os desprovidos de boa índole veem aí não uma pessoa – mas uma caça desejosa de ser abatida.

É revoltante! Esse mesmo sujeito, noutro momento, é bem capaz de discutir questões sócio-políticas e econômicas, falar de moral e bons costumes e mostrar-se racional e respeitável entre os amigos, os conhecidos e seus familiares. Haverá ele de, numa situação similar (mas envolvendo sua irmã ou filha), se indignar com a afronta que um "imbecil" proporciona à mulher sozinha e haverá de "aliviar" o drama repreendendo a mulher perseguida com o que você, Helena, evidenciou – "O que você estava fazendo sozinha na rua a essa hora?".

É um delinquente! Ele está por um fio de cabelo para enquadrar-se entre os meliantes que agridem, assaltam, quebram vidraças ou, pior ainda, matam mulheres pelas ruas apenas por serem jovens e belas, como esse satânico Tiago que já acumula perto de 200 anos de condenação (e faltam cerca de 30 homicídios pelos quais ainda será julgado).

A questão não é de leis - estas existem, sim. O problema é a educação, a formação moral, o aprendizado em casa, que precisa ser refinado na escola e controlado pela sociedade. Esta, infelizmente, professa a defesa da liberdade indefinida, ou absoluta e ampla, o que leva um tipo desses a escudar-se no argumento de que "ele quer", então "pode fazer". Viver em sociedade implica a prática do respeito a todo tempo.

Se em lugar desse imbecil fosse um sujeito educado o bastante para oferecer-lhe um sorriso, um boa-noite (na madrugada não se diz bom-dia) e uma rosa, talvez um verso, e se se prontificasse a segui-la em caráter de proteção (se necessário), certamente brotaria daí uma amizade ou uma história romântica.

Mas isso, infelizmente, é para muito poucos.


*****


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

3 comentários:

Jô Sampaio disse...

Texto doutrinário e moralizante, gostei muito. Quando o homem está em plena força de sua macheza ou na efervescência hormonal, ele precisa mostrar a si mesmo o que lhe foi inculcado por outros como grandes "valores", dos quais o sexo é apenas um. Daí surgem várias consequências, inclusive o desrespeito a nós, mulheres. Meu Deus, como nos enojam certas investidas!

Rosy Cardoso disse...

O pavor cotidiano ao estarmos na rua se torna quase um desequilíbrio emocional, olhamos o indivíduo como "nosso próximo ",e somos; (mulheres), como presas....
Assim o temor se transforma em ridículo. ..mas sabemos pelo olhar. .mesmo que este seja o mêdo....mesmo assim como enfatiza no texto, ao relatamos um fato desta ordem,a pergunta é sempre a indagação de nossa culpa (feminina) :tipo: -O que fazias na rua, nesse lugar ? .Nesta hora, ou porque você foi?

Sueli Soares disse...

​Prefiro acreditar que a vítima estivesse com os vidros fechados, o ar ligado e ouvindo boa música, mudando o itinerário para Delegacia de Polícia mais próxima​ (conduta que já adotei, em situação parecida, às 23 horas, há alguns anos). Sei que nada justifica a abordagem do "imbecil", mas convenhamos que o risco era previsível. Sou mulher "pra lá de madura" e, por isso, desconfiada em relação a certos comportamentos. Não tecerei mais comentários.