
A Poesia e a dor
Luiz de Aquino
Bumba, o morro dos detritos
Estava no Rio de Janeiro há poucos meses, tinha dez ou onze anos. De Caldas Novas, trazia a lembrança de apenas uma grande cheia, quando o Córrego das Caldas avolumou-se e segurou em seu leito um automóvel que o atravessava... A ponte, de madeira, caíra uns dias antes e uma torrente inusitada, proveniente da retenção das águas por galhadas, fez parar o veículo. A família ocupante foi salva por uns ciganos acampados ali perto.
Ruas cheias, isso eu nunca vira. Afinal, a minha pequenina cidade estava, naquela época inteirinha na crista divisora das pequenas vertentes. E a rua cheia, para a minha descoberta, lá em Marechal Hermes, subúrbio da Central do Brasil, era a Jorge Schimidt, que cobre um pequeno caudal . Nunca entendi porque as prefeituras fazem ruas nas beiras dos córregos, canalizam-nos e depois os cobrem para que a Natureza, exigente, reclame seu espaço e dê vazão às tragédias.
Massa de lixo que virou usina de gás e chorume
Ando chorando demais, este ano. Minas e São Paulo, o Sul e Angra dos Reis, Nordeste e Baixada Fluminense, tanto Brasil mais sob a ação punitiva das chuvas e das cheias. Agora, a Belacap, como a chamávamos ao tempo de JK, é o alvo das ressacas do mar e do açoite das chuvas, ponto de convergência da quente umidade provinda da Amazônia e da massa fria que veio do Pólo Sul. Chuvas descomunais, ondas grandes e ameaçadoras, o chão encharcado, os morros de granito, a lama deslizante, o susto, a lágrima, a dor.
Agora, as chuvas molharam cenários da minha lembrança, chicoteando os ares e o chão, alagando tudo, obstruindo túneis e estradas, isolando bairros e praias, atravessando a grande ponte sobre a Baía de Guanabara. As águas tinham um acerto de contas com Niterói e redondezas. Dezenas de casas desmontadas e soterradas, vidas desaparecidas, sobreviventes e heróis apalermados, em choque.

Foi aí que veio a poesia, ou seja, a linguagem da alma humana. E veio de lá, do Rio de Janeiro, da lavra de poetisa Lilian Maial envia-me o seu pranto versejado:
Eu Tenho um Rio
eu tenho um rio que brota de dentro
e traz à tona o que foi sedimentar
tenho margens estreitas, correnteza furiosa
sem escolhas, apenas desaguar
invado e erodo, aliso cascalhos
até escorregar no limo do verbo
eu tenho um rio que leva as paredes
que se erguem em meio ao lixão da poesia
e soterra a palavra viva
eu tenho um rio de inundadas faces
e chovo poemas de sangue
eu tenho um Rio de Janeiro no peito estiado
e expio a falta da lembrança do teu rosto
Eu acabara de ver o noticiário, a lama preta no Morro do Bumba, em Niterói. Meus olhos já se habituaram às lágrimas ante a dor de tantos. Se já sentia aquele mal-estar que é a impotência ante o trágico, emocionou-me o poema de Lilian, e cuidei de lhe responder assim:
Lama e Lágrima
Brotava de mim um poema choroso,
de chuva de letras e lágrimas vírgulas.
Um veio de triste manchava meus olhos
à lama escura de um lixão esquecido.
Chorei plástico e lata, indefinido orgânico,
e fiz brotar o chorume na raiz das casas.
Eu não chorei um rio, mas o Rio de tantos
corações e janeiros, desde Sá e Araribóia.
Um rio de cá, o outro de lá e Itaipu.
Não era um céu, mas meus olhos; o verso,
um claro de lama e pedras sem verde.
E um rastro de sal na lama e na lágrima.
A bênção, Bumba (meu morro)!
Resgate: heroísmo e solidariedade
Ficam assim, nossos poemas, no modo que sugeriu Noel Rosa, em “feitio de oração”. Leiam-nos também, caso queiram, nesse endereço: http://recantodasletras.uol.com.br/duetos/2185711.
E queiram, ainda, emprestar seus gestos gentis de solidariedade, enviando o que for possível a cada um em auxílio às vítimas desse infortúnio.
Deus lhes pague!
Fale comigo: poetaluizdeaquino@gmail.com