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sábado, fevereiro 24, 2007

“Ah! Essa falsa cultura...”


“Ah! Essa falsa cultura...”



O título, tomo-o por empréstimo de Millôr Fernandes, o “escritor sem estilo”, no dizer dele mesmo.

É comum ouvirmos excrescências por aí afora. É que nós, pessoas comuns, temos a mania de dizer coisas que pensamos ser verdadeiras ou corretas até nos darmos conta de que a informação nos chegou por partes mínimas, ou tendenciosas. Mas os que detêm o poder de falar, a um só tempo, para milhões de pessoas, em som ou em palavras escritas, estes têm que se dar conta de que alguns cuidados são indispensáveis.

Achei, na Internet, uma página em que o escritor José J. Veiga (goiano de Corumbá de Goiás) era dado como nascido em Mato Grosso do Sul. Pois bem: Corumbá, a de MS, é mais conhecida, é referência histórica. Mas a nossa Corumbá de Goiás, pequenina e prosaica, bonita feito um presépio, tem importância literária: é berço de dois dos maiores contistas brasileiros: o próprio Veiga e Bernardo Elis. Cuidei rapidamente de informar, pedindo correção. Esse errinho é corriqueiro quando se trata de cidades homônimas em Estados diferentes.

Outro dia, num famoso programa de tevê, confirmei o que já sabia: nem sempre a fama equivale ao conhecimento. Numa só entrevista, festejada profissional da comunicação chamou o Código Penal de Constituição; logo depois, disse que a Guerra de Sucessão deu a Independência aos Estados Unidos (o nome certo é Guerra de Secessão); e, antes de fechar cinco minutos, a dona falou que alguns políticos agem em função de “interesses escuros” (ela queria dizer “escusos”).

Nada a estranhar: não há muitos dias, aquela senhora, embarcada num dos maiores transatlânticos da atualidade, não soube dizer que o “volante” dos antigos navios se chamava “timão”. E, noutra vez, disse que os jovens gaúchos, no passado “dançavam o minuano”. Ora: minuano é um vento forte que vem da Antártica, e não uma dança (minueto)...

Tive ocasião de comentar com outras pessoas que viram e ouviram essas aberrações. Há quem diga que o problema é de audição, pois os apresentadores de tevê usam um minúsculo ponto eletrônico, e o diretor costuma soprar sugestões que, nem sempre, o apresentador entende; mas à má audição daquela senhora temos de associar uma total ignorância. Mas os ganhos em pecúnia lhe chegam a milhões, pois, pelo visto, basta uma cara bonita e a coragem de se mostrar sem constrangimentos, pondo a nu o pouco aproveitamento das escolas e a falta de intimidade com os livros. E, na mesma roda de comentários, alguém não resistiu e comparou-a a jogadores de futebol. Mas estes, para ganharem muito dinheiro, têm de ter talento e competência profissional.

E então, pensando no futuro, observo crianças. Vejo alguns meninos e meninas em altos vôos, dominando palavras e textos, falando em ciências e informações gerais; e vejo outros, orgulhosamente exibindo boletins cheios de notas altas e conceitos na classe A, mas seus cadernos mostram coisas absurdas, como um total desconhecimento de ortografia. Escrevem “serveja” ou referem-se à “cenha”. Imagino quando tiverem de escrever tóxico, executar e enxame, com a letra X variando em três sons distintos.

As escolas fingem que ensinam; os pais deixam tudo por conta da escola. Descobri, há décadas, que o ambiente doméstico é, de fato, o berço de conhecimentos e hábitos, forjam o indivíduo na qualidade de madeira de lei; a escola age como ferramentas que aprimoram a forma, lixam e dão brilho.

Encerro como comecei, recordando Millôr Fernandes: “É inegável que a leitura melhora fundamentalmente o ser humano. Desde que, claro, ele seja alfabetizado. Já a televisão piora até o analfabeto”.

8 comentários:

Ana Ramiro disse...

Rsrs...Ótimo, Luiz!
Beijos, Aninha

Anônimo disse...

Luiz!
Em sua crônica, surgem dois graves problemas enfrentados pelos brasileiros no momento, que são as falhas da Educação e a má qualidade dos programas de televisão.
Uma seria conseqüência da outra?
Não atingindo os objetivos básicos para a sua formação,temos,conseqüentemente, um indivíduo sem aptidão para um esmerado entendimento e, desse modo, uma TV para ele, é planejada de modo que a consuma com prazer, sem as exigências naturais existentes naquele que alcança com sucesso todos os degraus do saber.
Com muita propriedade, você afirma que "a escola finge que ensina" e, infelizmente, os alunos acreditam ter aprendido.
Na verdade, deveria a escola complementar toda a iniciação preliminar dada pela família, o que, de fato, não acontece.
Ah, Luiz, parabéns, pela importância do assunto abordado.
Beijo grande,
Maris Stella

Anônimo disse...

Gostei dessa última frase do Millor...e é claro, de sua crônica tb, amigo!

Anônimo disse...

Realmente isso é chumbo grosso!

Herondes Cezar disse...

Dá-lhe, grande Luiz! Essa gente não tem desconfiômetro. Lamentamos que suas crônicas minguaram em quantidade, ultimamente, embora mantendo o alto nível de seu estilo. Será que o jornal que as publica está cedendo seu espaço a alguém com o perfil dessa senhora?
Abração do
Herondes

Anônimo disse...

Olá luiz, parabéns.Adorei sua crônica. Realmente nosso ensino está falido e a
televisão com programações nefastas. BJS

Regina Bergamini

Anônimo disse...

Luiz!
É realmente uma pena que pessoas
iguais a você tenham seu espaço diminuído, você está de parabéns
com sua crônica onde aborda temas cruciais e fétidos do nosso páis(sociedade).Sim, poeta, da sociedade sim, a educação, a televisão e outros meios de comunicções e os nossos políticos está uma mer...porque a sociedade
nada exige, é omissa, oportunista e em sua maioria analfabeta(massa de manobra), mas os nossos políticos não vieram de outros planetas, eles são uma pequena amostragem do que é a "sociedade" brasileira.
Ao lermos você sentimos que aínda podemos ter esperanças, já que grande parte dos intelectuais e imprenssa não "amarelou" segundo seus interêsses próprios.Poeta, já não é sem tempo que pessoas que aínda são racionais nesse país começem a dizer um basta a tudo que aí está. Não podemos no calor da emoção ou indignação, deixarmos que baixem a maioridade para 16 anos, que a retrógrada e absurda pena de morte seja aclamada e aprovada no país, e menos aínda, que o congresso seja aínda mais desmoralizado, precisamos cobrar dos congressistas medidas sérias certas e urgentes sim, mas sem enfraquecer aínda mais os poderes legalmente constituídos, eles bons ou ruins são a nossa garantia do estado de direito e da democracia.Sou pela prisão perpétua para crimes hediondos, sou por reformtórios sérios para reintegrar os menores infratores na sociedade. Creio que isso é possível com seriedade, responsabilidade, humanidade, civismo e força de vontade, junto com uma justiça séria competente e com presidios de segurança máxima com presos e reeducandos, estudando e trabalhando.Presos têm que estudar e trabalhar sim, e não
adianta OS direitos humanos(desumanos) dizer que estão sendo maltratados.Infelizmente os direitos humanos só defendem bandidos, assassinos e outros monstros mais. É de causar revolta, mas as pessoas de bem não têm quem as defenda, estão a mercê dos bandidos.
Luiz, parabéns pela crônica, e como disse o Marcos Caiado esse assunto é "chumbo grosso"
Beijo,
Lêida Gomes.


"Por várias razões e de várias maneiras a indignidade se avoluma, passa a ter contornos estarrecedores ao se concluir que valores intocáveis como a dignidade estão a escoar pelos ralos e sarjetas fétidos das negociatas abomináveis para a vida republicana".

Madalena Barranco disse...

Olá Luiz, a língua pátria anda desprezada... Como se não bastasse o "internetês", ainda temos a divulgação das formas erradas das palavras, concordância, etc. Sua crônica é mais um sinal de alerta sobre a doença crônica do Sr. Idioma. Beijos.