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domingo, novembro 18, 2007

Conversa comigo e com o tempo


Conversa comigo e com o tempo





Olhar a paisagem é um exercício de tão saudável e proveitoso quanto conversar com crianças. Tenho isso de remexer memórias ao olhar o longe. Olhar o longe é bom; faz com que busquemos velhos registros na memória e nos surpreendemos a fazer a justaposição de visões de anos passados. Constatamos, então, as mudanças que os homens e o tempo causam nos cenários, sejam eles urbanos, naturais ou “beneficiados” nas ações das atividades ditas produtoras.


Já viram o quanto a paisagem urbana de São Paulo está bonita? O prefeito teve uma atitude corajosa e atrevida, com o indispensável apoio da Câmara, e removeu o entulho publicitário. Agora, nossos olhos ganharam de volta a arte de milhares de arquiteturas. Nessa esteira, várias cidades brasileiras fizeram o mesmo. E, para nossa agradável surpresa, muitos empresários apoiaram as iniciativas e a qualidade de vida, então, agradece.


Goiânia devia fazer o mesmo.


Notei, percorrendo devagar a Avenida Anhangüera, num dia de feriado, que muitos imóveis comerciais estão vazios; com isso, muitas fachadas comerciais foram removidas, devolvendo à paisagem a arte de muitos arquitetos. Assim, pude ver que há muito mais de “art déco” do que as mídias nos mostram.


Toda casa de moradia ou de comércio, bem como os edifícios, deviam ostentar o nome de seus autores arquitetos. É de justiça e nos prestaria uma informação valiosa.


Senti saudade das guarirobas que separavam as duas pistas de trânsito. O plantio de palmeiras imperiais nas esquinas da Anhangüera, no Centro, não são o bastante. Continuo entendendo que remover os coqueirinhos foi mais uma tentativa de apagar de Goiânia as referências ao fundador da cidade.


Ver a cidade com algumas mostras de sua arquitetura original fez-me viajar no tempo. Recordei a Banca do Alemão, o Bar Tip-Top, a Casa Clark no Lord Hotel e o Tagliatelle Bolognese do Hotel Monte Carlo. Revi os figurões da época, de terno e gravata, falando de política, de negócios ou de amizade na calçada do Café Central. Mas revi a cidade de muitas casas familiares, senhoras solenes e belas em passeios vagarosos nas calçadas, olhando as vitrinas com olhares consumidores e críticos.


A juventude à toa marcava presença na Rua Oito, justo no trecho que ganhou um calçadão. E a juventude ocupada ornava as ruas do Centro com as cores de uniformes Ateneu, Instituto, Assunção, Liceu, Auxiliadora, Escola Técnica, Santo Agostinho...


Sim, aquele diálogo entre mim e eu foi o confronto de agora com um adolescente dos anos da década de 1960. A lembrança e a vista de agora. Um modo de olhar e aprendizado lento e eficaz. Foi como conversar com criança. Ouvir dos tios, na minha infância, informações sobre os meios de transporte dito antigos. E antigo, para mim, seria tudo o que antecedia meu nascimento. E os tios contavam que os trens de subúrbio, na velha capital federal, eram puxados por maria-fumaça. Um deles lembrava ouvir do pai histórias do tempo dos bondes puxados por burros (hoje, revejo fotos do chamado Rio Antigo, com ônibus e bondes de que me servi na infância; antigo, agora, sou eu).


Antigo e feliz. Afinal, vivi a minha história e, lembrando de mim, tenho imagens de povo em ação, rejeitando tentativas de golpes político-militares (até que não foi possível conter o que veio com mais intensidade; era 1964). Lembro aviões em rasante sobre Goiânia, num episódio que, sabe-se hoje, o capricho de um general determinaria uma carnificina para vingar a insubordinação de um tenente-coronel reservista que, por ser governador eleito, recusava ordens calçadas em coturnos.


Tudo bem... são lembranças, afinal. E a história, esta se faz dos escritos dos historiadores. Mas nós outros, os que lançamos grãos de areia na construção dessas imagens, podemos fazer mais no que dizemos ser nossa parte. Para começar, podíamos muito bem remover as falsas fachadas e racionalizar as placas publicitárias.


O futuro agradece.

8 comentários:

Mara Narciso disse...

Estive na Av. Paulista e sobre o mesmo tema da retirada das placas escrevi:

Marcante na cara da Avenida Paulista é a sua face nua. Os letreiros grandes que anteriormente ofuscavam a beleza dos prédios sumiram por ordem do prefeito ancorado em uma nova lei municipal que dimensiona e padroniza o tamanho das placas. A população reclamou temendo não encontrar suas lojas e repartições preferidas, e mais ainda os proprietários receando não ser encontrados. Mas aconteceu o milagre: as placas sumiram e ninguém se perdeu com isso. Ponto para a grandiosa Avenida Paulista!

Mara Narciso

Gr@ciene disse...

Amore, quanto eu gostaria tambem, apesar de estar vivendo tão distante, chegar ai em Goiania e rever a linda Av. Anhanguera como um tempo.
Fico feliz em saber que tenho em vc um lutador por mim que estou distante.

Unknown disse...

Parabéns amigo por mais uma linda crônica. Boa semana e um bj, ateh...

Madalena Barranco disse...

Luiz, sua crônica nostálgica com um toque de poesia me fez viajar até Goiânia! Imaginei as palmeiras pedindo socorro com seus galhos se agitando ao vento e as fachadas das casas tentando respirar em meio a tantas placas horrorosas. Você tem razão, o prefeito de SP deu um descanso aos nossos olhos, mas ainda falta muita coisa para fazer nesta gigantesca cidade – quem sabe este não é o primeiro passo para outras melhorias? Beijos.

Anônimo disse...

Amo RJ.
Amo SP.

Da Natureza carioca, exposta e desnuda a todo canto, numa cidade geograficamente espremida entre morros...
À Natureza insistente, em se tornar aparente em meio ao concreto arquitetônico.
Ímpares.
Lindas.
Problemáticas, sim, afinal o Paraíso não é aqui.

Obrigado aos que melhoram...
Obrigado aos que fazem a sua parte...
E mais ainda, um obrigado aos que não atrapalham!

“Mãos que ajudam valem mais que mãos que só rezam” (M.T.Calcutá)

Acrescentaria...
Mãos que escrevem
Bocas que denunciam
Mangas que se arregaçam
Valem mais que críticos inúteis.

Saudações cariocas, Luiz, de uma também saudosista, antiga e feliz.

Soraya Vieira

Anônimo disse...

meu brother poeta,
como sempre,muito fiel, em seus comentários....Lyceu, biblioteca,pais, patricinhas,etc...
e ainda, falando com você mesmo e "conosco", faltou citar os carrinhos ambulantes de Ki-Delícia de "sucos e sonhos" que simplesmente eram uma "delícia" ainda mais, nós,como trabalhadores esfomeados...tô de olho,hem!!!!!
Excelente semana...
beyyyjos musikkais queirozísticos...

sylvinhoqueiroz.brothers disse...

Neu nobre brother poeta,

Janela para o Ontem, pode ter sido
o último de 2007,mas com certeza, para mim, será o passado saudoso do futuro previsível.

abraços saudosos musikkais queirozísticos...

sylvinhoqueiroz.brothers...

Anônimo disse...

Devemos aproveitar o dom que Deus
nos deu de escrever.
Sucesso por toda a sua vida.