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quarta-feira, setembro 17, 2008

Enfim, toda a família










Enfim, toda a família


Gosto de novelas. Não de todas, mas das bem engendradas, das que me passam tramas pitorescas... Gosto de comédias. Não gosto de novelas com dramas duros, ásperos, dolorosos, como A Favorita; prefiro a doçura de Beleza Pura, a partir das músicas brasileiras da trilha. Mas não pude ver o final de Beleza Pura, pois sexta-feira é dia de chorinho na calçada do Grande Hotel; então, deixei para o sábado. Mas não tive como... O sábado foi dia de uma grande e feliz surpresa.
Lembram do ditado? Não há mal que sempre dure: sábado, 13, setembro: meu filho Leonardo chegou a Goiânia, de surpresa, depois de oito anos, dez meses e sete dias vivendo nos Estados Unidos. Com ele, minha nora Ethel e meu neto Gabriel (se três meses e poucos dias). Dia 14, aniversário do Léo; dia 15, o meu. Então, vivemos três dias de festas. Mas ainda estou em estado de alegria, e esta alegria, para mim e toda a família, não tem igual.
No meio desta longa festa, parei para pensar no riso e na dor. Imaginei que a vida, na complexidade dos fatos e dos sentimentos, é um caleidoscópio: o verde e o laranja convivem harmonicamente com o roxo e o amarelo. Lembrei-me de do maestro poeta Antônio Carlos Brasileiro, mais conhecido como Tom Jobim, ao compor "Luiza":
"Como um brilhante que partindo a luz
explode em sete cores..."
Revivi a dor de ver na tevê a viúva e os pais do jovem bacharel assassinado de modo cruel e leviano por um soldado, por ordem de um cabo, no Jardim América. Lembrei-me de ver o soldado sorridente, um dia ou dois após a "façanha", passando por cima da dor da família vitimada. Pais jovens, viúva menina e o bebê recém batizado. E o soldado ria, vitorioso.
É muito fácil sorrir quando a dor é dos outros. Mas recordo meu tempo de repórter policial, quando acompanhei o menino João Cambão ser morto pela mesma PM da qual fazia parte seu pai. Cambão, assaltante e assassino, passou a integrara aquela estatística dos anos finais da ditadura, quando órgãos policiais eliminavam marginais tidos como irrecuperáveis, ainda que sem julgamento. A PM, em que sempre confio e quero continuar confiando, infelizmente tem tons de cor estranha no seu espectro. Esse soldado e esse cabo, parece, são desse tipo, são tons fora do tom.
Pois é! Enquanto doía na família de Pedro Henrique a dor de sua ausência definitiva, eu me regozijava no reencontro com o Léo e o fato de acolher Ethel e o bebê Gabriel. É o caleidoscópio a girar, sim. Mas eu estava feliz, eu estou feliz. Só que a felicidade não me exime da responsabilidade de cobrar das autoridades. É triste ouvirmos de alguns coronéis o conceito de "fatalidade" para esse crime; ou de outros oficiais o conceito de que há uma "suposta responsabilidade dos dois militares na morte do bacharel". Ora, ora...
Volto aos meus. Imaginem: a cada dia, pelo menos uma vez a cada dia, nestes quase nove anos, uma angústia tentava me derrotar: eu imaginava nunca mais ver meu filho. Certo que os tempos são outros, mas lembrei-me de meu avô que, ao vir para o Brasil, aos 19 anos, rompeu definitivamente com as chances de rever pais e irmãos. Cheguei a dar-me a chance de rever conceitos e fobias: eu já me convencia a ir à terra do tio-sam. Afinal, precisava conhecer o Gabriel. Só que, para mim, as coisas correram de modo melhor. Leonardo resistiu: ele viu Bush ascender à presidência dos EUA; viu o terror no atentado às torres; viu o país preparar-se e ir à guerra, a segunda guerra do Golfo. E viu o novo crash econômico. E decidiu voltar.
Ainda bem. Bom que veio. Lugar de brasileiro é no Brasil E Gabriel, nos seus três meses de vida, vestia um macaquinho com a inscrição: "Born in the United States". Meus outros filhos (Elia Maria, Fernando e Lucas), mais meu primeiro neto, Luiz Henrique, sabedores da minha rejeição à língua estrangeira em coisas simples, como camisas, e mais ainda desse suposto regozijo pelo fato de o guri ter nascido lá, olharam-me desafiadores. Antes que perguntassem, complementei a frase:
– Tudo bem, nascido lá; mas é goiano do pé-rachado, comedor de pequi e torcedor do Vila Nova. E tenho dito! (Como se vê, até como avô eu sou brabo, rs).

17 comentários:

Anônimo disse...

É emoção demais da conta, siô! Mas é preciso mostrar dor só porque está feliz? Ela existe e está todo o tempo a nossa volta e você pode esquecê-la um pouco, porque você merece ser feliz sim; e muito! E o seu sorriso não se confunde com a dor de ninguém, pelo contrário, vem do final de uma dor que te acompanhou durante todos esses anos. Mas tudo bem. Você sabe misturar bem alegria e dor, mostrando que podemos ser felizes, mesmo vivendo em meio a tanta violência, sem deixarmos história como essa do soldado, se tornar banal, não caindo na indiferença. É o seu jeito de nos alertar, né?
Agora é recuperar o tempo perdido com o filhão e o tempo que ganhará com o novo neto.

Veja que próspero: há 9 anos, Léo saiu "UM" e voltou"TRÊS".

Outra coisa: você trouxe tantos meninos ao mundo ...!!! As meninas agradecem. rsrsrsrs

Ah, a crônica? Excelente, como sempre. Levou seu público para bem pertinho de você; quase dentro.

---
Marluci

Sinvaline disse...

Querido vivi com você esses momentos nessa crônica que de um sentimento familiar leva a repensar o estado atual de insegurança em que vivemos e conclui com o abraço carinhoso que segura a instituição que ainda nao faliu de todo, a familia.

beijos e saudades
Sinvaline

Unknown disse...

Oi Luiz,
Como sempre você soube compartilhar conosco todas as emoções que te cercam. Você tem um dom especial de acelerar nossos corações (coloco no plural porque sei que muita gente vai ler sua crônica e sentir o que senti). E, olha, não se sinta culpado por viver estes momentos quando lá fora outros vivem dores insuportáveis. Tenho certeza que haverá um dia em que os homens terão mais respeito pela vida e se tratarão como irmãos, prefiro pensar assim e imaginar este dia muito próximo. Curta bastante estes momentos alegres com seus entes queridos que acredito ter sido um dos melhores senão o melhor dos presentes de aniversário que você recebeu dia 15. Um grande abraço.
Neusa

Anônimo disse...

Querido Luiz,
Posso imaginar sua alegria com a familia toda reunida e ainda de quebra um neto que voce ainda nao conhecia. Diante dessa harmonia, fica ainda mais evidente , conforme voce mesmo destacou, a tragedia da outra familia que teve o jovem morto por um perigoso bandido de fardas. Duas situacoes diferentes que nos levam a ficar ainda mais temerosos quanto a inseguranca em que vivemos.beijos e parabens pelo bonito neto.

Anônimo disse...

Parabéns, meu amigo! (cantigas de amigo)
Sei do que está falando em sua crônica. A família é nossa maior riqueza. Ainda que as ilusões nos soprem para longe, é no voltar que nos sentimos inteiros. Esse reencontro com aquilo que é nosso, o sangue falando alto, e nós, nas encruzilhadas da vida, recuperando sentimentos que o tempo e o destino vão nos roubando ou brincando de esconde-esconde.

Beijo

Anônimo disse...

Oi, meu Poeta!

Quanto tempo não dou nem um alô por esta rede...
Estou com muita saudade.
Enquanto você não vêm...

... deixo meu beijo carinhoso.

Vânia Rosa Costa

Anônimo disse...

Ah Luiz,



Que maravilha de emoção e felicidade! Leonardo não pensou nos riscos que infligiria ao pai? Falo num infarto por emoção rasgada demais. E digo isso como médica e passado de infarto. Mas deixemos a razão de lado e vivamos a desbragada emoção da volta do filho pródigo. E que não se meta a sumir de novo. É bom demais!



Curta intensamente essa volta. E seja um avô doce sim, mas não deixando de ser cuidadoso com as aflições alheias. Não deixe de emocionar-se, mas também não se esqueça de indignar-se e pedir providências.



Abraço, Mara

Anônimo disse...

oi,Luiz...
Parabéns pela alegria de ter a família reunida,
Crônica linda, exceto pela violência da PM...essa dói muito em nossos corações por vermos
vidas novas em flor indo embora
pelo despreparo de alguns...
Feteje muito a reunião dos seus !!!
Abração
Lenita

Anônimo disse...

Luiz, deliciosa crônica. Verdadeira nos sentimentos e nas emoções pelos que sofrem. Comovente, porque você tem uma família, um netinho (que delícia), tem saudades e vê gente que chora, e fica condoído. Quem tem sensibilidade é assim mesmo, está entre o riso e a lágrima, freqüentemente. Parabéns pela família. Curta bastante.
Abraços. M. H.

Anônimo disse...

Li e gostei de sua crônica sabor doçura, amor, aconchego, família. Esse Luiz terno, carinhoso, pai e avô coruja precisa ser mais conhecido e admirado. E que delícia as surpresas felizes que vêm de nosos filhos...! Parabéns! Beijão. Lêda

Anônimo disse...

Filhos é algo mágico, parabéns.
E reencontros são sempre lindos.

Forte abraço,

JB Alencastro

Simplesmente Malu! disse...

Amigo poeta,

Tomei a liberdade de colocar um link do seu blog vinculado ao meu para que os meus leitores o conheçam.
Parabéns!!!!!!!!!!

Soraya por Soraya... disse...

...Ora, ora "my dear grandfather", não seja tão brabo quando o molequinho pedir pequi com marshmallows na brasa...hahahaha...rs

Parabéns pela Família unida. Não há valor mais importante neste Mundo (nem neste Vida!)

Soraya Vieira

Marley Costa Leite disse...

AQi que medo desse avô brabo!!!! Linda crônica... emoções à flor da pele!!!! Beijos!

Anônimo disse...

Emocionou-me! Lindo, lindo, lindo. Fico muito feliz em ver sua felicidade. E em ver o quão belo é o "seu pequeno grande amor, Gabriel". Beijo, Ariadne.

Anônimo disse...

Maravilhas!!! Alegria pura, pura alegria e emoções!!!
Parabéns Poeta!

Anônimo disse...

Pessoas sensíveis e altruístas como o senhor têm seus momentos de alegria e não esuquecem do próximo. Realmente, é muito triste você olhar em sua volta e ver injustiças, desigualdades sociais, fome e miséria. Saúde e sucesso para o senhor e para os seus.
Abraços cordiais.

Sylvia Narriman Barroso
http://www.passagensemarcas.blogspot.com/