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domingo, setembro 14, 2008

Lembrando Diógenes de Sínope

Enquanto a madrasta mata a facadas um enteado, o irmão deste é morto por asfixia pelo próprio pai. Dizem que o motivo para o duplo assassinato, seguido de incineração dos corpos, esquartejamento e desova em pontos diversos, é que as crianças (de 12 e 13 anos) atrapalhavam o romance do casal (Ribeirão Pires, Grande São Paulo).
Um cabo da Polícia Militar ordena e o soldado atira; e fere de morte um jovem bacharel em direito, aspirante ao concurso de delegado de polícia, justo no domingo em que, com festa, levara o filho de seis ou sete meses para ser batizado (Goiânia). Os policiais militares, que obviamente são funcionários estaduais, ocupavam um veículo da Superintendência Municipal de Trânsito.
Criança pequena morre asfixiada numa creche clandestina em São Paulo. A escola foi multada em duzentos reais (isso mesmo: menos que a metade de um salário mínimo) por não dispor do Alvará de Funcionamento.
Aqui em Goiânia, num mesmo dia da semana que passou, deparei-me com tudo isso:
- Na calçada da Rua Quatro, no Centro, diante do Centro de Convenções, automóveis de passeio, caminhonetes, micro-ônibus e até caminhões impedem a passagem de pedestres ao longo do dia. Ninguém da SMT vê isso.
- Do lado oposto, nos fundos da Cevel, uma fita plástica, dessas que a polícia usa para isolar locais, estica-se de um poste ao outro; à noite, descubro a razão, pois uma placa foi fixada: “Estacione aqui. R$ 4,00”. Só que o “pátio” de estacionamento oferecido é a calçada.
- Na Avenida B do Setor Oeste (a mesma que deveria se chamar Alfredo de Castro), dois ônibus estacionados na calçada entre a Rua Nove e a Avenida República do Líbano também obriga pedestres a andar no asfalto;
- Na Rua R-11, que tem mão única, atravesso a Avenida Assis Chateaubriand e um furgão branco vem em minha direção. Reduzo a marcha, confiro pelo retrovisor e desvio para a direita. O furgão é da Prefeitura de Goiânia e o motorista, sorridente, zomba da minha fraqueza. Contorno a esquina e tomo a Rua T-47 que, na confluência com a Assis, não permite virar à direita (para seguir o rumo oeste, é forçoso contornar mais um quarteirão); nesse ponto, dou de cara com a cabeça branca do coronel comandante da SMT, que deveria ser uma superintendência, mas é um quartel municipal da PM (ele passeia como quem fiscaliza, mas repete os três macaquinhos: um não ouve, outro não fala, outro não vê).
Beneficiada com o “regime aberto”, Wilma Martins, contumaz seqüestradora de crianças em maternidades, aproveita a vida. A bordo daquela cadeira de rodas, que se supõe ser um mero cartão-de-visitas (dizem que ela não precisa do equipamento) e tomando muito chope, Wilma juntou gente de seu naipe: duas filhas (uma, dizem ser biológica; a outra, ela a obteve na prática que a levou à cadeia, ou seja, seqüestrando-a num berçário) e vários amigos. Não bastava mostrar à sociedade que “não está nem aí” para as restrições como não ingerir bebida alcoólica e recolher-se até as 22 horas: ela alegrou-se incomodando as pessoas, chamando atenções com uma cantoria desafinada. A intenção foi alcançada: queria perturbar, desafiar a sociedade, fazer arruaça e desacatar. E está conseguindo: ela não foi presa, ainda.
A sociedade está cheia de professores que assediam e seduzem adolescentes; de médicos que erram no receituário e na técnica; da seleção de futebol que joga mal e empata sem gols com a Bolívia; de policiais civis que seqüestram e fazem desaparecer pessoas; de policiais militares que atiram e matam e, depois, sorriem para as fotos; de coronéis que tacham esses crimes como “fatalidade”; de professora de Português a ensinar que lápis, tênis e pires têm plurais como “lápises, tênises e píreses”; de promotores e juízes em busca das luzes da mídia; de jornalistas que escrevem e falam mal e que dão mostras, todo o tempo, de não se interessarem pela história, a geografia e a realidade atual dos locais e sociedades a que deveriam servir.
Como se vê, o homem atual é mínimo, mais limitado que os do passado. As sociedades carecem de Diógenes, o que andava com uma lanterna, à luz do dia, procurando “por homens verdadeiros (ou seja, homens auto-suficientes e virtuosos” (Wikipédia).
A sociedade, parece, aceita esses deslizes. Ou não? Acho que não... A sociedade está se despertando. As pessoas observam, cobram e já começam a exigir. A Bolívia não se conflagrou à toa. E haverá eleições daqui a três semanas. É certo que a sociedade elegerá gente ruim para os parlamentos e prefeituras; mas é certo que a sociedade não está mais disposta a silenciar-se sempre.
A humanidade carece, sim, de “homens verdadeiros” (voltarei ao assunto, prometo).

2 comentários:

Mara Narciso disse...

Luiz,

Hoje é seu aniversário a aproveito para parabenizá-lo pelo seu dia e pela crônica daquele que não se acostumou com os mal-feitos. Denunciar, indignar-se e exigir providências.

John Lennon resumiu o mau comportamento das pessoas numa frase cuja tradução seria mais ou menos isso: " o mundo é tão errado", na música "Imagine".E é errado mesmo. Cabe a nós tentar consertá-lo.

Anônimo disse...

Parabéns! Essas emoções são vitaminas pra nossa alma. Coisa boa! Está vendo como a vida tem surpresas agradáveis pra gente?
Curta esse momento! Esteja feliz! Você merece.Grande abraço
Cida