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terça-feira, outubro 28, 2008

Rififi no choro

Rififi no choro


Devagarinho, vamos saindo do tempo em que as ideologias radicalizadas ditavam frases e conceitos estranhos. Radicalizava-se por tudo! O importante não era restaurar a democracia, mas combater os do poder porque o poder era a meta de todos. Era preciso derrubar a ditadura, mas de preferência com a instalação de outra ditadura, de coloração idealista diametralmente oposta. No meio, os que sofríamos a falta da liberdade; e no meio, o medo de que a tão sonhada mudança viesse apenas para trocar a mão, mas preservar a mesma chibata.
Frases: “Ditadura é ruim quando estamos por baixo; mas se é a gente que segura o chicote, aí fica bom!”, diziam os “ da resistência”. Do outro lado, no poder, o manda-chuva dizia: “Cheiro de povo? Prefiro cheiro de cavalos”. Nos da oposição: “Quando pior, melhor!” E o ditador da hora retrucava: “Profetas da desgraça!”.
Nada do que já aconteceu está de todo removido. Haja vista a onda de homens abandonados (e muito ciumentos) matando ex-namoradas e ex-mulheres pelo Brasil afora.
Agora, a fraseologia ideológica chegou ao meio musical. E de modo ruim, muito ruim! O argumento que me incomoda diz respeito aos eventos de choro às sextas-feiras, no Grande Hotel, oportunidade para se (re) encontrar amigos de infância e de mocidade. É quando até mesmo as pessoas em idade bastante avançada deixam a vidinha monótona dos noticiários e novelas de tevê para ouvir o carinho do choro em instrumentais excelentes, ocasionalmente com a ocorrência de vozes delicadas, dando jus ao conceito de música: “Arte de combinar os sons”, segundo Houaiss. Ou: “Arte de usar os sons com intenção estética e expressiva, combinando-os num mesmo todo criativo de ritmo e harmonia”, segundo Aulete.
A frase ruim é essa: “Chorinho já cansou”.
Putz! Músicos da época mais fértil da noite goianiense resolveram pleitear o espaço. E espaço, no caso, não é apenas a calçada do Grande Hotel, mas também o tempo certo: a noite de sexta-feira. Ora gente! Prestatenção! O chorinho já se marcou e está no gosto dos que preferem a música nos conceitos acima transcritos. Qualquer som fora do tom irrita o ouvido exigente dos que vieram para marcar a audiência (Siô Lauro, de 90 anos, pai do meu amigo Eduardo e do saudoso Rei Momo, Tião Saraiva, é freqüentador assíduo).
“Chorinho já cansou”. Cansou? O verbo cansar é usado pela segunda vez, este ano, com a intenção de torná-lo antipático, não é? Primeiro, foi aquele movimento “Cansei”, bolado por dondocas com muito espaço na grande mídia eletrônica e pouco conteúdo na caixa craniana. Agora, são os músicos da nossa predileção pisando no tomate.
Sou dos mais presentes na calçada do Grande Hotel. Notei que, aos poucos, uma tribo dissonante apareceu por lá. Notei-a, primeiro, no visual; em seguida, no odor da fumaça que lhes subia das mãos e dos lábios, num total desrespeito aos demais, o que enseja a circulação, por lá, de agentes da Delegacia de Narcóticos. E aí, chegam os “etês”, os músicos de outros gêneros, tentando absorver o espaço dos “chorões”, subvertendo a ordem. Um cantor de renome pleiteou o espaço para lançar seu cedê sertanejo (foi negado; ele recorreu a um outro canal e obteve a quinta-feira); outros, entretanto, conseguiram trazer seus sons, desde um coral folclórico até uma banda de rock.
Isso tira dos fãs do chorinho a ocasião de sair de casa e desfrutar do que gosta. É injusto, porque os outros gêneros têm, com larga vantagem, espaços e ocasiões para seus eventos. Diga-se o mesmo da platéia invasora, que compromete o ambiente por atrair a afluência descontrolada de ambulantes.
Na última sexta-feira, chegaram lá vendedores de cerveja. Só que, em lugar das latas, trouxeram garrafas (as tais longueneques). Somando o excesso de ambulantes (sem o controle da Secretaria de Desenvolvimento Municipal – Sedem e a fiscalização Ação Urbana), com as tribos da fumacinha de odor nauseabundo, tendo por ponto de união a música inadequada para o local e o dia, o resultado foi o esperado: brigas, pancadaria... Ainda bem que a Guarda Municipal cumpriu, com eficácia, seu papel (por ser o feriado de 24 de Outubro, a PM não estava lá, pois havia uma mobilização em outros setores do policiamento).
Ponto, pois, para a Guarda Municipal. Aliás, três pontos, como nos campeonatos de futebol.
Deixo aqui um convite inevitável para que a SEDEM e a Ação Urbana atuem. Um convite, aliás, que quero passar pelo gabinete do prefeito Iris. Ele resgatou, no mandato que se encerra, o que lhe cobramos há quatro anos: mais atenção para com o segmento cultural. Certamente, Iris não quer que seu esforço seja sabotado pela ação irresponsável de uns poucos.
E aos músicos que pleiteiam o local sob a alegação de que “Chorinho já cansou”, que tivessem ao menos o cuidado de estar lá, porque eu nunca os vi naquela platéia. E nós não nos cansamos de chorinho, não.




2 comentários:

Mara Narciso disse...

Chorar para cabar com o choro na sexta-feira. Tem muita graça. Quem chegou primeiro, que vá ficando. Os outros gêneros que se arrumem em outros locais e dias. O público é outro, e assim deve permanecer. E principalmente, que os chegantes respeitem as outras tribos. E "tudo" de choro!

Madalena Barranco disse...

Olá Luiz,

Essa turma que fala que o choro cansou, com certeza, não parou para ouvir um pedacinho e não sabe sequer identificar o significado da palavras música. Puxa, fiquei chateada com isso. Gostei de sua crônica em defesa das coisas bonitas e que fazem bem ao coração. Beijos.