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sexta-feira, julho 17, 2009

Armazém de valores


Armazém de valores


Luiz de Aquino


Um saco de cimento de vinte reais tem melhor tratamento, em qualquer lugar, do que um ser humano, ainda que numa UTI de hospital – diz-me Ulisses Aesse.


Romário, que fez fama com os pés e suas tiradas interessantes nas entrevistas pelos gramados de todo o mundo, vai para a cadeia porque atrasou a pensão dos filhos adolescentes.


Didi, pai de Welliton Carlos e Ulisses Aesse, morreu. Morrer é natural, triste é morrer antes dos setenta anos, com todos os cuidados possíveis nestes tempos.

Antigamente, e falo de um “antigamente” bastante recente, antes que os satélites artificiais e a Internet “aldeiassem” o mundo (ou globalizassem a aldeia), como preconizava Marshall McLuhan... Antigamente, a gente morria sem saber do resto do mundo. Hoje, sabemos de quase tudo, até mesmo do que pouco interessa. Lamentável é que umas poucas pessoas escolhem o que devemos saber e como a informação deve chegar até nós. Muito parecido com o critério de escolha dos líderes pelos partidos políticos: ano que vem, teremos de escolher entre Dilma e Serra. Triste isso, também.


Uma carreta transporta vinte e dois bois, não mais. Os animais não podem estressar. Mas um ônibus transporta centenas de seres humanos em condições condenáveis. Um saco de cimento, Ulisses e Welliton, é transportado com os cuidados para não rasgar e armazenado fora de umidade, a gente sabe. O ser humano que se dane (sei disso, já estive internado numa UTI).

Por uns poucos meses de não pagamento aos dois adolescentes, Romário acumulou perto de noventa mil reais de dívidas. Muitos milhões de famílias brasileiras resolveriam todos os seus problemas da existência inteira com noventa mil reais. Mas a viúva de marido vivo Mônica Santoro, representando os filhos, apelou pela prisão para obter pagamento.

As notícias dizem que ele está descapitalizado. Mas possui bens. Esses bens irão, certamente, formar o patrimônio de Moniquinha e Romarinho, bem como de qualquer outro filho do desportista. Ele já deu demonstrações públicas de ser bom pai, ninguém acredita que, ao atrasar o pagamento, tenha agido com o propósito de prejudicar os filhos.


Mas a viúva Santoro precisa de holofotes, certamente. Bem como advogados e autoridades constituídas. Romário não abaixou a cabeça, nem a cobriu com a camiseta, como fazem bandidos, policiais criminosos ou políticos corruptos. A carência, no caso, não será dos filhos a quem Romário deve parcelas atrasadas (estes, com a pensão que têm, certamente dispõem de boas poupanças ou mesmo de bens patrimoniais). A viúva, sim, deve estar carente de luzes sobre si.

E meus amigos Ulisses e Welliton, jornalistas e artistas de música e poesia, amargam a ausência do pai, prematuramente (já que, nestes tempos, temos medicina que assegura vida longeva). Tudo porque o Sr. Didi não era um saco de cimento. Ou um garrote no caminhão.

Fico triste. Os valores da vida e das relações precisam ser revistos e redisciplinados. Talvez não seja o caso de novas leis, mas de caráter, de ética e respeito.

Será que Moniquinha e Romarinho têm pelo pai um sentimento de rancor tão grave, a ponto de apoiarem sua prisão?

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

10 comentários:

Leda(ê) Selma de Alencar disse...

Nossa, Luiz, que texto mais lindo, sensível e de uma profundeza tocante! Arrepiei ao lê-lo. O fecho do antepenúltimo parágrafo, meu Deus, uma lança traspassando a emoção. Fui às lágrimas, meu amigo e cronista de um texto nota 1000.

Ontem, fiz uma carta-denúncia ao CRM-GO contra um médico que, por imperícia, imprudência e negligência assassinou um homem de 59 anos, avô e referencial maior de meu sobrinho-neto de 9 anos. O homem chegou ao hospital, por volta das 10h, com forte dor no peito e falta de ar. Auscultado e aferida sua pressão arterial, que estava elevada, o médico pediu-lhe um eletrocardiograma (exame que só após 6 horas indica sequela de infarto) e um hemograma. De posse dos resultados, pouco depois das 15h, diagnosticou: "Espasmo muscular", prescreveu ao paciente FELDENE, cuja bula contraindica-o para pessoas com problemas cardíacos e pressão alta, e mandou-o para casa, mesmo diante dos questionamentos insistentes da família quanto a um possível infarto e a continuidade da forte dor.

Às 3h30min, seu Marinho caiu no banheiro vitimado por um enfarte fulminante. Havia tomado dois comprimidos (um à tarde e o outro de madrugada) por causa da insuportável e renitente dor. O Laudo do IML apontou EDEMA AGUDO NO PULMÃO. O incompetente, nem auscultando o paciente, percebeu isso, acredita?

Lamento muito a tragédia com o pai do Welliton e Ulysses. Eles se omitirão ou denunciarão o ocorrido? Bem, até depois. Beijã. Lêda

Sandra Falcone disse...

Luiz

Esta e outras crônicas suas, com sensibilidade e cidadania... tiram a brutalidade do cotidiano e fazem com que eu queira acordar no dia seguinte, contra tudo e contra todos... Parabéns amigo.

Sandra Falcone

Irinéa MRibeiro disse...

As coisas acontecem assim ...Será que nos acostumamos a essa displicência médica? Será que os médicos não aprenderam nada?
Penso no cara que escreveu no braço da menina o número do ônibus que ela deveria tomar , pra chegar, com perda de líquido, até uma maternidade pra ter seu filho quase nascendo...(pasmem, e que morreu.)
Será que esses fatos serão esquecidos com o tempo, e pessoas com o Sr.Didi , esse avô que a Leda cita, e tantos outros sejam sacrificados nos hospitais públicos?
Imperícia. Displicência.Má vontade...
Estive no Salgado Filho visitando minha velhinha por 2 semanas, ela num quadro grave de infecção, sendo bem cuidada, e me vi diante de um quadro totalmente diferente. Um hospital que cuidava.Cada vez que saía de lá, ficava tranquila, pois sabia que estava tendo todos os recursos.Os médicos me atenderam com carinho, e as enfermeiras idem.
Isso seria normal?
Estamos tão mal acostumados que nos assustamos com esse procedimento correto, não é verdade?
Minha velhinha se foi dia 13,cercada de carinho e orações. Mas deixo aqui, minha gratidão ao Hospital Salgado Filho, pelo comportamento correto e naturalmente esperado.
Sobre o Romário, não julgo. Só ele e a ex-mulher sabem o que está realmente acontecendo. Uma coisa é certa, eu não seria assim em hipótese nenhuma!
abraços poeta

Mara Narciso disse...

De fato é triste ver pessoas ostentando valor de face feito objetos. Lastimo ver quem não tem ser tratado sem dignidade. Destaco: "Talvez não seja o caso de novas leis, mas de caráter, de ética e respeito." Quando isso for posto em prática o mundo será menos mal.

Marcos Caiado disse...

Adorei o texto.

Brasil Exótico disse...

Deveria ser aqui na Bélgica o caso e sabe o que aconteceria? A ajuda mensal, ganhe o salário que ganhar, é só para cobrir a alimentação. Não existe porcentagem a ser descontada. Assim nenhum pai vai pra cadeia. Um país rico onde o primordial é comer.
Amigo, passo para te convidar para mais um blog, está pegando bonito e nele estou mostrando o nosso Brasil exótico.
Grande abraço
Alda

Sônia Marise Teixeira disse...

Oi! Não sei muito da morte do pai dos dois jornalistas. Sei um pouco dos aspectos jurídicos que norteiam a pensão alimentícia de filhos menores que, in casu, são representados pela mãe (que não tem o poder de renunciar a essa mesma pensão, muito menos o direito de não pleiteá-la em favor dos filhos, se estes têm pai vivo e meios de atendê-los financeiramente. Sei também que a Justiça costuma arbitrar esse benefício na proporççao dos ganhos de quem deve pagá-lo e das necessidades de quem vai recebê-lo. Todo mundo sabe que no desfazimento da sociedade conjugal, quando há filhos, no mesmo feito, discute-se a pensão, fixando-lhe o quantum e os beneficiários. No caso do Romário deve ter ocorrido tudo isso. Claro que os gastos e o padrão dos filhos do Romário não são os mesmos dos nossos filhos. Claro que a nossa receita não é a mesma do Romário. Normal que nos espantemos com os valores que são exibidos. Todo mundo sabe que o não pagamento de pensão alimentícia dá cadeia, pois que a presunção do legislador ao estatuir esse instituto era de que esses recursos se destinem às necessidades de quem não pode prover o próprio sustento - e aí pensou nos menores, nas viúvas sem renda , nos parentes em más condições financeiras (pai, mãe, irmãos), desde que estejam acobertados por esse direito de pleitear do parente mais abonado os recursos para a subsistência!. Não sei se a tal Mônica recebe pensão para si também (aí acho que talvez fosse o caso de ser repensada essa benesse- a moça poderia e deveria estar trabalhando...). IHHHHHHHHHHH! a discussão está jurídica pra burro, mas, pra resumir: Quem compra ingresso pra circo , não pode querer ver ópera... casou... teve filhos... vazou... tem que pagar, ora! Se o dinheiro dele tá acabando, não está dando etc que entrasse com a ação revisional de alimentos, comprovando essa situação. Aí, o Juiz arbitraria um novo valor, de acordo com os atuais ganhos. Moço, "dormientibus non succurit jus" (o direito não socorre os que dormem)! Se assim é, essa Mônica só foi atrás do que era dos filhos dela... holofotes, escândalos, barulhos se devem ao fato de serem eles pessoas públicas. Repito: em princípio, certo eu acho só pensão para filhos e pais velhinhos. O resto, só se forem alimentos provisionais, enquanto durar uma situação de dificuldade. Perenizar, não. Romário tem que pagar, sim. Sem holofotes. Depois tem que ir negociar, provar para o juiz que está ruim das pernas, ou que a Mônica está abonada... Falei! BJ

Sílvia Azevedo disse...

Boa segundona para você...

Tudo bem? Como passou o final de semana? Li sua crônica e considerei muito interessante o paralelo feito entre o Romário e o Sr. Didi. O que achei mais interessante foi você ter tido a sabedoria de estabelecer comparações e questionar os valores...A comparação nos fez entender que é necessário analisar caso por caso quando se trata de pensão para os filhos, pois há muitos pais totalmente omissos. Não sei se o ideal seria prendê-los.

Marisa Zaiden disse...

Luiz, eu que trabalho com madrastas assisti ontem chocada no Fantástico a Mônica Santoro. Depois nós, mdrastas. tomamos a fama de monstros.
Viu a Mônica Santoro?
Quase morri de dó...tadinha. hehehe
Uma dúvida: se eu jogar uma carteira de trabalho no peito da Mônica Santoro"de com força" ela tem um infarto?
Ex mulher é um encosto e virou profissão.
bjs♥

Maria Helena Chein disse...

Oi, Luiz, Belkiss lembrada como deve ser: com admiração e respeito.
Melhor ainda por ser tema de trabalho das três meninas, com inclusão
de seus depoimentos, querido amigo.
Muito boa também a crônica "Armazém de Valores". Infelizmente é a realidade.