Páginas

sábado, julho 11, 2009

A professora e o erótico

A professora e o erótico

Luiz de Aquino

 

Quem não se lembra? Guimarães Rosa, o neologista João, publicou um livro chamado Primeiras estórias; foi o bastante para acender o estopim da vaidade modista e (ou) futurista de uns tantos escribas nacionais desavisados. Houve até quem dicionarizasse o termo – no que o lexicógrafo estava certo; o problema aí é que os aurélios e assemelhados registram, e os falsos intelectuais saem propalando como se o verbete fosse de uso corriqueiro do populacho nacional.

Histórias de cronópios e de famas, de Júlio Cortázar, é um livro peculiar – até porque cronópio nada tem a ver com o modus vivendi brasileiro, mas sim com o folclore argentino. Seria alguém traduzir Monteiro Lobato para o castelhano e o mundo hispânico entender que, “doravante, isso é coisa da nossa cultura”. Já vi muita gente boa falar, escrever e até pôr em títulos a palavra “estória”, buscando uma justificativa na lexicográfica do Inglês, que tem story e history.

Muito bem: “estórias” à parte, vamos à minha história de hoje. Já que falei nos cronópios de Cortázar, isso me ocorre que minha amiga Fátima Cerqueira, poeta e professora, comprou num sebo um exemplar desse tal livro do grande contista – versão Argentina do nosso José J. Veiga. Nas primeiras páginas, uma dedicatória datada de 8/5/83: Um homem assina “Do teu Irany”, para alguém muito especial: ele conta que desde 1970 procurava esse livro para presentear a Sônia e dizia estar duplamente feliz, pois que finalmente o encontrara e justo no Dia das Mães.

Linguagem simples de alguém que tem a Sônia como altamente especial. Mas Sônia, a ingrata, talvez não tenha sequer lido o livro, pois que foi parar no sebo. Claro que esse é um julgamento precipitado: ela pode ter perdido o livro; alguém o tomou por empréstimo e lhe deu esse destino. Ou Sônia é dessas pessoas magnânimas que, após lê-lo, pôs o livro na roda, ou seja, no sebo. Isso, porém é de somenos importância. Isto aqui não é nada além de uma historinha de gente que gosta de textos – e gostar de textos vai além de apenas gostar de livros.

Leda Selma – sem circunflexo porque não devo obediência a escrivães sem preparo – andou mostrando livros meus a professoras suas amigas. Uma dessas professoras censurou “Sarau”, um livro de poemas. Não me surpreende porque uma comissão de três acadêmicos mestres e doutores, na Bolsa Cora Coralina, também o refugou. A comissão achou o livro “desprovido de unicidade” e não sei o que isso quer dizer no jargão dos peagadeuses; a professora de segundo grau (Ensino Médio) entendeu que o livro “é pesado”, porque há poemas com forte apelo erótico.

O julgamento da comissão eu não discuto: os regulamentos de concursos costumam dizer que a comissão é soberana e quem entra em concurso sabe disso. Se vencemos, sentimo-nos belos, ricos felizes e cheios de razão; se perdemos, xingamos a comissão. Mas comissão julgadora está lá é para julgar e quem concorre tem de calar a boca. Eu me calo.

Já a professorinha não-doutora, coitada! Preciso conhecê-la. Numa conversa – que tanto pode ser numa alegre e descompromissada mesa de cafeteira ou nos bancos mais próximos a uma sacristia, eu lhe falaria de revistas abertas em bancas de revistas, em adolescentes namorados a passeio nos xópins ou em tevê – deixando de lado o cinema, que é... digamos: mais privativo. A tevê, puxa vida, desde a novela “Malhação” até as minisséries, vêm carregadas de um apelo além do erótico: beira a pornografia – coisa que, certamente, meu livro não tem.

E olhem que não citei as coberturas jornalísticas dos desfiles de carnaval, nem o especialíssimo biguibróder – este, além das cenas de total liberdade que dispensam comentários, têm ainda o poder de tornar famosas pessoas dotadas da antítese de todo e qualquer talento. Ou seja, tudo o que educador nenhum quer para seus alunos e filhos. Mas a professorinha vê impropriedades no meu livro, e não no quotidiano que a atinge, a seus filhos e a seus alunos.

 

 

 

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço. 

 

 

7 comentários:

Mara Narciso disse...

Acredito que os poemas acrescentariam muito aos alunos dessa aparentemente zelosa professora. Náo é possível olhar um livro atual com olhos de trinta anos atrás. Nem fazer discursos com o conteúdo daquela época. Corre-se o risco de se ficar falando sozinho. Prá frente é que se anda.

Sônia Marise Teixeira disse...

Li. Crítico e irônico, na medida. Não conheço o Sarau, daí me faltarem informações para avaliar se as tais comissões estão vendo o real ou sublimando as próprias e enrustidas inclinações...rs..rs...(acontece..) Quanto à xará....puxa vida, que falta de sensibilidade...abrir mão de um livro que lhe deveria ser tão especial...ingrata mesmo., né? Já sua amiga Leda com acento...continua fazendo bons textos.

Urda Alice Klueger disse...

Muito bom, companheiro!
Urda.

José Carlos Barbosa disse...

Caramba, Luiz, você "carrancou" a professora.
Lembranças minhas (zecarlos)

Simone Araújo disse...

Realmente amigo Luiz, por cá também existem dessas professorinhas.Parabéns para a resposta, está de tirar o chapéu ,como aqui se diz . Bjs.Simone

Adriano Curado disse...

A professora e o erótico – Artigo de Luiz de Aquino, publicado em 12/07/09
Censura injusta
Concordo com Luiz de Aquino sobre a injusta censura a um livro seu. Se seus poemas têm um tempero de sensualidade, qual o problema?! Vivemos numa sociedade exposta a todo tipo de propaganda de apelação ao sexo. Basta observar a poluição visual espalhada cidade afora, com mulheres de peças íntimas ou casais em poses sensuais. Agora, afirmar que os poemas de um livro são “impróprios”... isso é lá falta de ter o que fazer.
Adriano Curado

Anônimo disse...

Caro Luiz
como estou censurado, por estar misturado as outras vertentes, que aquelas que falam a minha alma não estou enveredando-me pelo erotico. Vc é um escritor consciente da palava. O problema no Brasil e o populismo misturado a ignorância cultural de nossos pseudeuses.
Eric