Oió, a livraria
Beatles, blues e ieieiê. Para quem gostava de vogais, tinha também AI-1, AI-2 a sequência, sendo o “cinco” o mais famoso deles. A tal de “revolução”, que se anunciou no dia primeiro de abril de 1964, gostou do poder e resolveu ficar, “elegendo” o segundo presidente pela via indireta e deixando indícios de que ficaria por muito tempo, ainda.
Costa e Silva, o marechal que chamei aí em cima de “segundo”, idealizou o tal de AI-5 e reinou até ser deposto (por uma doença ou pelo triunvirato que fez a ponte para Médici). Ao mostrar sua maior obra ao ministério, colheu do coronel Passarinho essa pérola: “Às favas com os escrúpulos”. E, assim, passaram eles à História.
Ainda não tínhamos, no Brasil, um sistema eficiente de comunicação à distância, felizmente. Se o tivéssemos, talvez a coisa ficasse bem pior. Mas o sistema tinha seus títeres e lambe-botas. Estes, como o bem e o mal, estavam em toda parte. Os de Goiânia já haviam dedurado muita gente. Daí, a prática do beija-mão ante os coturnos sem alguém a quem entregar na bandeja que já contivera a cabeça de Salomé.
Numa reunião (sim, meus jovens, não são só os petistas que gostam de reunião... os caça-bruxas também gostavam), alguém citou, “en passant”, o Bazar Oió. Alguém mais no grupo, certamente mais à direita que o próprio embaixador norte-americano que financiou o golpe de 1964, resolveu indignar-se: o Bazar Oió, a charmosa livraria de Olavo Tormin, parecia-lhe um reduto de esquerdistas, terroristas e comunistas, um acinte ao regime e à gloriosa Revolução redentora.
Claro que essa tal reunião é imaginária. Mas tudo indica que tenha havido, sim. Afinal, numa outra, ainda em 1964, e pelo mesmo grupo (é bom frisar que o grupo era constituído de civis simpatizantes à ditadura), decidiu-se por eliminar a tiro um dos companheiros. E o escolhido para morrer (obviamente ausente à reunião) era um jornalista adversário do governador Mauro Borges. Assim, acusariam o inquilino do Palácio das Esmeraldas de assassinato e a “revolução” o apearia do poder. Por coincidência, na noite em que o jornalista seria morto, Castelo Branco, o marechal presidente, assinou a destituição de Mauro.
Pois bem: como não foi necessário matar um dos seus, o grupo, feliz com as medidas do arbítrio, resolveu partir contra o Bazar Oió. Fuxicaram uma história de corrupção, de apropriação do dinheiro público, e acusaram-no, envolvendo outras pessoas igualmente de bem. E o Bazar Oió, que ponteou a vida goianiense desde 1953, acabou fechado definitivamente em 1974. Os bens de Olavo e de sua família foram sumariamente tomados e incorporados ao patrimônio da Caixa Econômica Federal. A família preservou a unidade, apesar da desgraça a que foi condenada para o prazer mesquinho de uns poucos que (estes, sim) locupletaram-se ao longo das duas décadas de ditadura.
Esta é a minha visão de um fato, de uma instituição cultural e de uma família. É incompleta, portanto não equivale à verdade exata, mas esta, a meu ver, é algo utópico, inatingível. E uma boa parte dessa história é contada no livro “Bazar Oió – a ditadura contra a livraria”, da lavra de Lúcia Tormin Mollo, neta de Olavo e de Dona Francisca Hermano Tormin.
Na mesma noite, lancei, em Goiânia, o meu "Meia-Ponte do Rosário, Pirenópolis, ao lado da jovem e talentosa Lúcia Tormin Mollo (Foto: Sinésio Dioliveira).
O livro, lançado na Academia Goiana de Letras na sexta-feira, 27/11, tem o poder de nos conduzir aos bons (primeiramente) e, depois, aos tristes anos das décadas de 1950 e 60. Depois, veio a fatídica idade-média de Médici. E as alegres vogais de antes deram lugar ao canto duro e linear da tal de ordem-unida, seguida do som horripilante dos cascos juntados em obediência ao terror de Estado.
Luiz de Aquino
(poetaluizdeaquino@gmail.com)
Nota do autor: Mantive, neste texto, os hífens na conformidade da antiga regra, pois tenho dúvidas sobre os ditames do acordo unilateral ortográfico. L.deA.