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segunda-feira, novembro 22, 2010

Ainda a estátua... (espero que seja a última carta ao DM sobre o tema)


Os chupins da cultura


Senhor Editor,

A estação das águas demora-se pelo tempo, não define de vez sua presença definida de raios e ventos, trovões e cheias... Sobretudo nesta cidade de infra-estrutura sempre questionável e obras que dão boa aparência sem a existência da base firme. O resultado é céu azul de alvas nuvens poéticas – mas é poesia da Natureza, apenas. Nas ruas, há árvores e flores em profusão, para alegria dos viventes e encanto dos visitantes.

Os viventes de Goiânia são nativos filhos de migrantes interioranos; ou filhos de adventícios de outros estados e nações. Hoje, temos uma grande parcela de jovens investidores em agronegócios e coisas da vida academia, bem como de ofícios de serviços variados e indispensável. Somos uma babel de costumes e todos nós, jornalistas, sabemos que as enquetes com o populacho sobre datas cívicas nacionais ocasionam respostas engraçadas – não fossem ridículas.

E quanto às figuras da nossa pequenina história? A cidade festejou, há menos de um mês, 77 anos do lançamento da Pedra Fundamental, que, segundo os mais velhos que eu dotados de boa memória, encontra-se sob a cruz de pedra que um prefeito udenista, no princípio dos anos de 1970, removeu de seu pedestal. Aquela cruz, no meio da Praça do Cruzeiro (também conhecida como Germano Roriz), marca o local onde seria construída a Catedral Metropolitana, mas um legado do Cônego Trindade (uma quadra na Rua 10, entre a Rua 19 e a Rua 20) ensejou a nova localização, mais central.

Em Goiânia, de tantos sotaques exóticos a somar-se aos nossos interioranos, forma-se uma nova cultura que, nas próximas décadas, mostrará suas origens e a ação das raízes deste Planalto Central de flores e cerrado. No corre-corre da remontagem das coisas, na busca por se consolidar a nossa cara ante o Brasil e o Mundo, há muita coisa fora de lugar. Mas tudo o que aqui acontece repete um Brasil de acertos e muitos erros.

Um dos erros que nos envergonham: o fato de se repetir aqui o mal-feito de todas as torcidas organizadas. Em Curitiba, ano passado, a torcida conduziu à interdição do estádio do coxa-branca; aqui, a torcida do Goiás Esporte tenta fazer o mesmo, ao agredir o trio de arbitragem e o técnico Luiz Felipe Scolari, forçando a barra para que seu próprio time perca o privilégio de ter o Serra Dourada como seu estádio de mando.

E assim como acontece no meio esportivo, no segmento das coisas das artes também ocorre aquilo de “um jabuti no alto do pau”. Foi assim quando o governador Alcides Rodrigues dispensou Nasr Chaul para entronizar Linda Monteiro; com ela, vieram outros ovos de aves estranhas, e essas caras são notáveis nas páginas do DM desta sexta-feira em que o jornal nos dá conta da não inauguração da estátua eqüestre do maior vulto de Goiás em todos os tempos.

Vivo em Goiânia desde 1963 (sou filho de Caldas Novas, mas vim do Rio de Janeiro para Goiânia, empurrado por uma pneumonia renitente). Aqui, é inevitável acompanharmos o andamento dos políticos. Vi muitas ações e atitudes como fruto de um esforço para apagar o nome e a memória de Pedro Ludovico – essa, a da estátua, foi apenas mais uma. O que os estranhos no ninho não percebem é que, ao tempo em que alguns ativistas do meio cultural buscam agir de modo a lustrar sempre seus pobres umbigos, como isso de se instalar a estátua à vista do quarto de dormir de um escriba, há também os que discordam do esforço em benefício próprio – e estes estão sempre de atalaia; e outros virão com o mesmo espírito de vigilância.

Estendo minhas mãos e meus braços a todos os que se manifestaram neste esforço de resgate da dignidade. Não existe isso de se jogar a culpa no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – a  posição da equipe de Salma Saddi, na Regional do Iphan em Goiás, foi bem clara. Não podemos admitir que Pedro Ludovico Teixeira seja visto de modo menor que o Monumento às Três Raças (até esse nome é errôneo; em se tratando do bicho sapiens, somos apenas uma raça, não existe isso de branco, índio e preto).

Festejemos, pois, a decisão que restaura a dignidade do fundador de Goiânia, em sua memória. Aguardemos as ações do governo que se empossa no limiar de 2011 para apagarmos e mancha que o time do primeiro andar do Palácio Pedro Ludovico tentou impor às nossa goelas.


* * *

Luiz de Aquino
Escritor, membro da Academia Goiana de Letras

4 comentários:

Anônimo disse...

Salve, Poeta Luiz de Aquino!
Muito tenho aprendido e me divertido com essa sua polêmica toda sobre a nossa Goiânia e o fundamnto de seus patrimônios histórico-artísticos. É o poeta com sua veia stanislaw-pontepretana, só enriquecendo a todos nós com esse jornalismo cultural temperando a crônica saudosista e muito bem-humorada.
Grande abraço,
Alejandro Mejia
Caldas Novas-GO

Mara Narciso disse...

Há fatos que nos envergonham. O paralelo entre a ação selvagem de parte da torcida do Goiás e a inação das autoridades em responder a sua cruzada estóica, foi perfeita. Espero que não persistam com ouvidos moucos. E que ouçam " os sons roucos das ruas", como disse Fernando Henrique Cardoso.

Marília Núbile disse...

Olá Luiz de Aquino!
Parabéns pela "briga" em prol dos valores goianos.
Meus aplausos pelas lições de História de Goiás (Goiânia), que você tem nos presenteado.
Pena que, seus pares não tomam a mesma posição sua!!!!
Fica aqui a minha sugestão, para o próximo Governo nomear para as pastas da Cultura e Educação, pessoas de seu quilate. Um abração, amigo querido,
Marília Núbile, ALACAN-Caldas Novas-Go.

Maria José Limeira (João Pessoa, PB) disse...

Seu textos são lindos. Você consegue transformar picuinhas locais em
temas universais. Parabéns. Saludos. Maria José Limeira.