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domingo, novembro 28, 2010

Bandidos Classe A e cartas de Natal



Bandidos Classe A 
e cartas de Natal


Que filhos deixaremos para o mundo, hem? Repito a pergunta que alguém lançou na Internet e nas mentes da gente, não há muito, diante da tradicional preocupação: “Que mundo deixaremos para os nossos filhos?”. Há tempos ouço que as crianças são o futuro. Mas ao falar em futuro, parece-me, sedimentou-se a rejeição ao passado. As pessoas tendem a pensar que o passado é de dores, guerras, frustrações amorosas, erros e muitos, muitos fracassos. E as vitórias e acertos, não contam?

Erra-se muito! Mas os acertos são, na verdade, o que deve ficar. Nas citações da História, lembro-me de ter lido que um jovem e invejoso cientista visitou o gênio Thomas Edson. Atencioso, Edson mostrava tudo ao visitante e este, olhando para um volumoso caderno, quis saber:

– Mestre, e este livro?

– Ah!, - respondeu-lhe o inventor – são experiências fracassadas.

O moço, com um indisfarçável sentimento de inveja e vitória, vangloriou-se:

– Quer dizer que o senhor também erra! E se tanto erra, para que anotar tudo isso?

– Para que você, que é moço, as leia e não perca tempo repetindo-as.

Lembrei-me de tudo isso por constatar que está aí, entre os pais do momento, um erro gravíssimo: eles, que cometeram seus atrevimentos ao arrepio da autoridade dos pais, permitem que os seus filhos exerçam esse “esporte” adolescente de fazer de tudo. Repito: antes, os desatinos eram cometidos às escondidas; agora, os pais os permitem e até os estimulam – como a mãe de um dos agressores da Avenida Paulista (daquele caso dos jovens vândalos Classe A que quebraram lâmpadas fluorescentes no rosto de um estudante de jornalismo). A mãe do marginal de boutique justificou o ato do filho atribuindo à vitima uma provocação (que não houve).

Aproxima-se o Natal e, com ele, a péssima prática de incentivo desenfreado ao consumismo, uma variante de vício. Nada contra o ato de presentear, acredito mesmo que todos gostamos de presentear e de receber presentes; preocupa-me o estímulo ao “amor ao ter”, em lugar de se estimular o “ser”.

Há dois anos, e como é dos costumes, recebi um e-mail sugerindo-me ir a uma agencia dos Correios e escolher uma cartinha... Uma dessas que crianças carentes escrevem ao “bom velhinho” e enviam-na pela ECT. A empresa tem o capricho de deixá-las à disposição de quem queira presentear crianças que passam o Natal em brancas nuvens.

A Agência da Praça Cívica estava muito cheia. Uma moça da casa sugeriu-me ir a um xópin, havia postos avançados por lá. Fui ao Bougainville e achei o quiosque – uma árvore de Natal, em frente a uma loja de brinquedos, com as cartinhas dependuradas. Peguei a primeira... a segunda... a terceira... a enésima!  Saí de lá constrangido e contrariado: os petizes signatários das cartinhas só pediam brinquedos de alta tecnologia, bicicletas de muitas marchas, plei-estêichom etc. Nenhum brinquedo por menos de 150 reais!

Detalhe importante: uma cartinha era mais ou menos assim:

“Papai Noel, tenho apenas um aninho e oito meses, e  como não sei escrever pedi ao meu papai que escrevesse para o senhor. Eu quero ganhar um carrinho elétrico...” – e a carta continuava.

Esse é o pai que, daqui a alguns anos, terá um filho pichador de paredes, agressor de pederastas (se não se incluir entre os que se tornam alvos), usurpador de bens alheios, poluidor. O que deveria ser uma ação social em benefício de crianças carentes, agora é invadido pela Classe A que prefere poupar o seu e tentar “ganhar” dos desprevenidos. No mesmo alinhamento desses adolescentes agressores, podemos incluir aquela estudante de Direito (!) de São Paulo que sugeriu o extermínio de nordestinos por terem votado na Dilma Rousseff. Ou do âncora da RBS em Florianópolis, que atribui à Classe C, porque o “governo espúrio” lhes permitiu comprar carros, a culpa pelos acidentes rodoviários.

Ora... James Dean, Chico Alves, a princesa Grace Kelly, a princesa Diana, a cantora Maísa e tantos, tantos outros que morreram em acidentes de carro não foram atropeladas nem colidiram com os “Classe C” que o Lula beneficiou. Mas...



* * *


Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. Escreve aos domingos neste espaço. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com.

3 comentários:

Ivana Hermano Tormin Borges disse...

Olá Luiz,nossa!! este é o resultado da lacuna que ficou com a liberação feminina. As crianças não conhecem o que é uma família. São várias pessoas desconhecidas morando num mesmo teto. E o pior, são criadas sem carinho, noções de limites,muito direito e nenhum dever,daí, dá no que dá. É lamentável!! E pela falta de tempo que os pais têm para passar com os filhos, os enchem de coisas caras para compensar e tudo é permitido. É necessário mudar o sistema.Viu só o que as crianças fazem com os pais já nos seus seis anos? Eles mandam e desmandam e ainda por cima ameaçam ligar para o juizado de menores dizendo que estão sendo mal tratados. Tudo por causa dos benditos direitos humanos, me poupe... Está tudo errado. Agora, os professores estão apanhando dos alunos e se isso não bastasse, as mães vêm na escola aqui e batem na professora, pode? Já aconteceu aqui em várias escolas. Bem, um grande abraço. Ivana.

João Bosco Maia disse...

Vagando nessas tantas ruas virtuais, encontrei tua porta de amante das Letras aberta - e entrei. Devo anunciar-me como um desses que diz "Oi, de casa! Trago aqui em minhas mãos a chave para dias melhores: escrevo e vendo livros!". Assim, venho te convidar para visitar o meu blog e conhecer as sinopses de meus romances, a forma de adquiri-los e, posteriormente, discuti-los. Três deles estão disponíveis inclusive para serem baixados “de grátis”, em formato PDF.
Um grande abraço literário,

João Bosco Maia

Limeira disse...

Ah-ah-ahhhh!!! Luiz de Aquino, amigo. Teu blog interessante será linkado no meu. Tua prosa é uma delícia! "Bandidos Classe A", é? E que tal "Cartas bandidas da classe A para o Papai Noel no Carnaval", hein? Saludos & Parabéns! Maria José Limeira.