Bandidos Classe A
e cartas de Natal
Que filhos deixaremos para o mundo, hem? Repito a pergunta que alguém lançou na Internet e nas mentes da gente, não há muito, diante da tradicional preocupação: “Que mundo deixaremos para os nossos filhos?”. Há tempos ouço que as crianças são o futuro. Mas ao falar em futuro, parece-me, sedimentou-se a rejeição ao passado. As pessoas tendem a pensar que o passado é de dores, guerras, frustrações amorosas, erros e muitos, muitos fracassos. E as vitórias e acertos, não contam?
Erra-se muito! Mas os acertos são, na verdade, o que deve ficar. Nas citações da História, lembro-me de ter lido que um jovem e invejoso cientista visitou o gênio Thomas Edson. Atencioso, Edson mostrava tudo ao visitante e este, olhando para um volumoso caderno, quis saber:
– Mestre, e este livro?
– Ah!, - respondeu-lhe o inventor – são experiências fracassadas.
O moço, com um indisfarçável sentimento de inveja e vitória, vangloriou-se:
– Quer dizer que o senhor também erra! E se tanto erra, para que anotar tudo isso?
– Para que você, que é moço, as leia e não perca tempo repetindo-as.
Lembrei-me de tudo isso por constatar que está aí, entre os pais do momento, um erro gravíssimo: eles, que cometeram seus atrevimentos ao arrepio da autoridade dos pais, permitem que os seus filhos exerçam esse “esporte” adolescente de fazer de tudo. Repito: antes, os desatinos eram cometidos às escondidas; agora, os pais os permitem e até os estimulam – como a mãe de um dos agressores da Avenida Paulista (daquele caso dos jovens vândalos Classe A que quebraram lâmpadas fluorescentes no rosto de um estudante de jornalismo). A mãe do marginal de boutique justificou o ato do filho atribuindo à vitima uma provocação (que não houve).
Aproxima-se o Natal e, com ele, a péssima prática de incentivo desenfreado ao consumismo, uma variante de vício. Nada contra o ato de presentear, acredito mesmo que todos gostamos de presentear e de receber presentes; preocupa-me o estímulo ao “amor ao ter”, em lugar de se estimular o “ser”.
Há dois anos, e como é dos costumes, recebi um e-mail sugerindo-me ir a uma agencia dos Correios e escolher uma cartinha... Uma dessas que crianças carentes escrevem ao “bom velhinho” e enviam-na pela ECT. A empresa tem o capricho de deixá-las à disposição de quem queira presentear crianças que passam o Natal em brancas nuvens.
A Agência da Praça Cívica estava muito cheia. Uma moça da casa sugeriu-me ir a um xópin, havia postos avançados por lá. Fui ao Bougainville e achei o quiosque – uma árvore de Natal, em frente a uma loja de brinquedos, com as cartinhas dependuradas. Peguei a primeira... a segunda... a terceira... a enésima! Saí de lá constrangido e contrariado: os petizes signatários das cartinhas só pediam brinquedos de alta tecnologia, bicicletas de muitas marchas, plei-estêichom etc. Nenhum brinquedo por menos de 150 reais!
Detalhe importante: uma cartinha era mais ou menos assim:
“Papai Noel, tenho apenas um aninho e oito meses, e como não sei escrever pedi ao meu papai que escrevesse para o senhor. Eu quero ganhar um carrinho elétrico...” – e a carta continuava.
Esse é o pai que, daqui a alguns anos, terá um filho pichador de paredes, agressor de pederastas (se não se incluir entre os que se tornam alvos), usurpador de bens alheios, poluidor. O que deveria ser uma ação social em benefício de crianças carentes, agora é invadido pela Classe A que prefere poupar o seu e tentar “ganhar” dos desprevenidos. No mesmo alinhamento desses adolescentes agressores, podemos incluir aquela estudante de Direito (!) de São Paulo que sugeriu o extermínio de nordestinos por terem votado na Dilma Rousseff. Ou do âncora da RBS em Florianópolis, que atribui à Classe C, porque o “governo espúrio” lhes permitiu comprar carros, a culpa pelos acidentes rodoviários.
Ora... James Dean, Chico Alves, a princesa Grace Kelly, a princesa Diana, a cantora Maísa e tantos, tantos outros que morreram em acidentes de carro não foram atropeladas nem colidiram com os “Classe C” que o Lula beneficiou. Mas...
* * *
Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. Escreve aos domingos neste espaço. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com.
3 comentários:
Olá Luiz,nossa!! este é o resultado da lacuna que ficou com a liberação feminina. As crianças não conhecem o que é uma família. São várias pessoas desconhecidas morando num mesmo teto. E o pior, são criadas sem carinho, noções de limites,muito direito e nenhum dever,daí, dá no que dá. É lamentável!! E pela falta de tempo que os pais têm para passar com os filhos, os enchem de coisas caras para compensar e tudo é permitido. É necessário mudar o sistema.Viu só o que as crianças fazem com os pais já nos seus seis anos? Eles mandam e desmandam e ainda por cima ameaçam ligar para o juizado de menores dizendo que estão sendo mal tratados. Tudo por causa dos benditos direitos humanos, me poupe... Está tudo errado. Agora, os professores estão apanhando dos alunos e se isso não bastasse, as mães vêm na escola aqui e batem na professora, pode? Já aconteceu aqui em várias escolas. Bem, um grande abraço. Ivana.
Vagando nessas tantas ruas virtuais, encontrei tua porta de amante das Letras aberta - e entrei. Devo anunciar-me como um desses que diz "Oi, de casa! Trago aqui em minhas mãos a chave para dias melhores: escrevo e vendo livros!". Assim, venho te convidar para visitar o meu blog e conhecer as sinopses de meus romances, a forma de adquiri-los e, posteriormente, discuti-los. Três deles estão disponíveis inclusive para serem baixados “de grátis”, em formato PDF.
Um grande abraço literário,
João Bosco Maia
Ah-ah-ahhhh!!! Luiz de Aquino, amigo. Teu blog interessante será linkado no meu. Tua prosa é uma delícia! "Bandidos Classe A", é? E que tal "Cartas bandidas da classe A para o Papai Noel no Carnaval", hein? Saludos & Parabéns! Maria José Limeira.
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