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quinta-feira, novembro 11, 2010

Ainda: a estátua no quintal

Ainda: a estátua no quintal



“Vista da parte central da Praça Cívica de Goiânia, vendo-se em 
primeiro plano o coreto e, ao fundo, o Palácio do Governo, 
ladeado pelos edifícios da Diretoria da Fazenda e Palácio da Justiça”.

Isso é a legenda da foto, estampada no nº 21 (Ano III) da Oeste (revista mensal), outubro de 1944. Notem que, bem no centro da Praça, no local onde hoje temos o Monumento às Três Raças, ficava um obelisco. Eram três, esse aí era o central e o maior deles (os outros dois estão lá, sem os quatro cilindros de vidro fosco que protegiam lâmpadas. Esse obelisco, que integrava a arquitetura da Praça Cívica, foi demolido para que “os negrões” ocupassem seu espaço. Como se fizessem falta, ou como se o obelisco fosse nota dissonante.

Era a segunda metade dos anos de 1960, ou seja, a ditadura ainda curtia lua-de-mel (juro que escrevi lua-de-mal... Ato falho?) consigo mesma. Ferir as imagens da cidade, tal como havia sido concebida, passou a ser esporte preferido dos inimigos (ou invejosos) de Pedro Ludovico: demoliram o obelisco; transfiguraram o coreto (mais tarde, os prefeitos biônicos Rubens Guerra e Hélio Mauro, o restaurariam); violentaram o desenho (ou design, como é da moda) dos canteiros centrais da Praça Cívica e Rua 82; desfiguraram toda a Avenida Goiás (Pedro Wilson foi quem cuidou de nos devolver os jardins e bancos ao jeito dos tempos originais); arrasaram o complexo arquitetônico da Santa Casa de Goiânia.   

Mas ainda não acabou... A Avenida Anhanguera, que se estendia desde a Praça A, em Campinas, até sua confluência com a BR-153 (antiga BR-14), era um cartão-postal dos mais notáveis de Goiânia por suas palmeiras de guariroba alinhadas no canteiro do meio. Em sua primeira gestão como prefeito de Goiânia (1966/69), Iris Rezende a estenderia até as saídas para Trindade e Inhumas, mantendo a fila de coqueirinhos.

Era 1998, o último ano da dinastia do PMDB em Goiás. Enquanto a campanha eleitoral absorvia atenções, o governo (de poucos meses) de vice e de presidente da Assembleia daria conta de desfigurar a extensa Avenida Anhanguera, removendo o canteiro central um pouco mais de cem mil palmeiras.

Lembrei-me de Pedro Ludovico, durante missa campal na Praça Tamandaré (era um largo de terra vermelha, sem vegetação, hospedagem de parques e circos), no aniversário da cidade em 1970. Recomendaram ao bispo celebrante que omitisse o fundador de Goiânia pois estavam lá o governador nomeado, o comandante do quartel do Exército, oficiais da Polícia Militar, delegados da tortura, o prefeito biônico... Mas Pedro não aceitou o silêncio: solene e decidido, chegou-se ao altar (não me lembro se havia um microfone; devia haver) e deixou bem claro que não tinha por hábito sair de casa para ouvir desaforo.

O vexame ficou por conta das “autoridades”.

Agora, outras autoridades, desprovidas de votos e de competência, decidem por mais um agravo a Pedro Ludovico: decidem, depois de quase vinte anos de adiamentos constantes, que a (finalmente concluída) estátua eqüestre do fundador de Goiânia seja estabelecida no quintal do Palácio.

Não se justifica, de jeito nenhum! Aquele pedacinho de chão era, sim, o quintal do Palácio das Esmeraldas. Ganhou status de jardim porque o filho de Pedro, Mauro Borges, idealizou e começou a construção do Centro Administrativo. A localização desse prédio tem justificativa: em 1961, quando começou a concebê-lo, Mauro Borges notou que a cidade crescia para o Sul. Imaginou que, num dado momento, algum administrador haveria de estender a Avenida Goiás para o rumo Sul, então o edifício de onze andares foi ali construído para proteger o Palácio (declaração de Mauro Borges ao repórter Benevides de Almeida, da Folha de Goiás, na década de 1970).

Coisas erradas são confirmadas, aqui em Goiânia: as invasões da Rua 115; o antigo Palácio das Campinas (um barracão de péssimo gosto na Praça Cívica, em frente aos Correios); a remoção das características do edifício originais dos Correios (era “art déco”, virou nada); a instalação do Monumento das Três Raças em lugar do obelisco... Enquanto isso, coisas que deveriam ser indiscutíveis viram piada. Como isso de pôr a estátua de Pedro no quintal, no canto que, disseram alguns de uma estranha “comissão de notáveis”, é o único disponível.

Em se tratando de Pedro Ludovico, disponível é o melhor lugar – e o quintal não o é. Seja o local das três figuras símbolo das raças (?). Como também seria de boa iniciativa a reconstrução do obelisco maior, a remoção dos automóveis da Praça Cívica, a demolição do pardieiro que já foi sede da Prefeitura.


* * *


Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras, escreve aos domingos neste espaço. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

5 comentários:

Mara Narciso disse...

Um bom apanhado geral da história dos monumentos de Goiânia e do seu idealizador, perseguido, esquecido, e agora, lembrado, mas colocado em lugar de coadjuvante, sendo que merece local solene. Faço coro a você, Luiz, que tão bem nos conta essa saga: a Ludovico o que é de Ludovico. E estamos conversados.

Heliany Wyrta disse...

Luiz, você é um poço inesgotável de cultura.
Que bom descobrir você!
Espero que o nosso governador tenha a coragem, a vontade e a determinação necessária para fazer o que é o certo.
Nossa Praça Cívica é uma vergonha. A estátua de Pedro Ludovico tem que estar na praça, mas essa deve ser revitalizada, do jeito que está nem a estátua merece!

Marley Costa Leite disse...

Quem encomendou a estátua, não pensou no local para colocá-la?

J. Martinez Carrasco disse...

Prezado poeta e mestre,
Luiz de Aquino

Ontem, estive um tanto preocupado. Ao dirigir-me a seu blog surgiu aviso de que o blog fora retirado.
Fiquei cismando se o motivo fosse resultado de ato de censura, ao conter nova crônica que desagradasse algum poderoso.
Felizmente, hj seu blog voltou a público.
Goiânia está de parabéns. Impressiona-me o afinco com que o novo filho, mestre, goianiense se bate pelas questões e razões daquela pujante Capital.
Fraterno abraço deste seu admirador, JMartines Carrasco

Maria José Lindgren Alves disse...

Muito boa sua crônica. Eu precisaria pegar um pedaço do Rio e fazer o mesmo.
Um abração
Maria