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terça-feira, maio 31, 2011

Pirenópolis e os mascarados numerados



Aleg(o)ria de Pirenópolis, no conceito
do meu amigo Jorge Braga


Pirenópolis e os mascarados numerados



Está no blog “Cidade de Pirenópolis”, mantido pelo escritor Adriano Curado (http://cidadedepirenopolis.blogspot.com/):


“Numa decisão até o momento inédita, o Juiz de Direito da Comarca de Pirenópolis, Dr. Sebastião José da Silva, julgou procedente a ação civil pública que o representante do Ministério Público propôs contra o Município de Pirenópolis, para limitar a atuação dos Mascarados nas comemorações da Festa do Divino. Segundo a sentença judicial, o Município de Pirenópolis fica condenado a cadastrar, com descrição de roupa e máscara, todas as pessoas que quiserem se vestir de Mascarado na Festa Divino Espírito Santo e lhe dar um número de identificação”, entre outras medidas.

Corre na Internet um abaixo-assinado, em que os signatários tentam convencer o Promotor de Justiça e o Juiz de Pirenópolis da importância da revogação do ato judiciário. Os peticionários têm boa e forte argumentação e demonstram preocupar-se com o risco de empanar o brilho da festa, que hoje é um Patrimônio Imaterial Nacional.

Essas figuras mascaradas integram com forte marca e presença os festejos de Pentencostes, em sua parte profana, e foram introduzidos nos hábitos de  Goiás há quase dois séculos, pelo vigário de Santa Cruz de Goiás, Padre Gouveia de Sá Albuquerque, com permissão do Vigário Capitular Padre José Vicente de Azevedo Noronha e Câmera. À época, alegou o Padre Gouveia o isolamento do povo neste sertão dos Goyases: “A falta de lazer e divertimento está desviando as almas para as festas profanas  nos pagodes e vida mundana”

Padre Gouveia mandou confeccionar o cetro e a coroa, em prata pura, e a bandeira do Divino Espírito Santo; e ainda mandou fazer “pãezinhos do Divino” – espécie de rosca-da-rainha besuntada com calda caramelada de açúcar, que, benzidas, eram distribuídas nas casas como cortesia do Imperador. (Fonte: santacruzdegoias.net/institucional/cavalhada_mais_antiga_do_estado_de_goiAs/).

Cavalhadas de Santa Cruz,
pioneirismo em Goiás.
Adriano Curado questiona: “Essa ação civil pública foi mesmo necessária? Conseguirá o Município de Pirenópolis fiscalizar o trânsito de todos os Mascarados? É possível a aplicação da sentença já nesta Festa de 2011, ou seria necessário uma longa campanha de esclarecimento?”.

A medida pode parecer drástica e ameaçadora, mas defendo-a em nome da segurança pública e, embora pareça paradoxal, da manutenção da festa com suas características, pois os riscos que representam os abusos – criminosos valendo-se da proteção das máscaras – podem resultar na mutilação definitiva do costume.


A iniciativa veio de Daraína Pregnolatto, que dirige uma instituição de arte e cultura. Ela critica, ainda, a iniciativa do governo do Estado de construir um cavalhódromo, postura essa que me chega em tom estranho; os sambódromos do Rio de Janeiro e de São Paulo, entre outros similares (os bumbódromos de Manaus e Parintins, por exemplo) não violentaram as tradições; é que as festas, num dado momento, tornam-se espetáculos públicos e peças turísticas.

Essas máscaras, sim, comprometem a festa.
A energia que se mobiliza contra isso devia ser usada para pleitear melhorias na pavimentação da cidade; e também na retomada das características das máscaras exclusivamente em papel machê, proibindo-se as de borracha, industrializadas. Isso, sim, é lutar por melhorias e tradição. No mais, medidas como cadastramento de mascarados e identificação perante as autoridades são, agora, indispensáveis, pois a imprensa nacional já qualifica o entorno de Brasília como uma das regiões mais violentas do mundo.


Sambódromo, Rio de Janeiro. O carnaval não
morreu nem deixou de ser popular 
Intervenções de governos em festas populares são inevitáveis. Em 1961, Jânio Quadros proibiu o lança-perfumes e o carnaval não se acabou. A Justiça e a polícia aplicam medidas de prevenção ou repressão a qualquer tempo e nada disso coloca em risco a sobrexistência das festas. 

Bumbódromo de Parintins. A festa
virou atraçao turística, mas preservou-se
Contestar providências de segurança é, ao meu ver, agir contra a corrente. Há cerca de trinta anos, apenas víamos a apresentação dos cavaleiros; Gutemberg Nóbrega gravou com os cavaleiros todo o enredo e pôs a fita para rodar, e Mouros e Cristãos passaram a dublar as falas. A tecnologia se aprimora a cada instante e todos sabemos de sua presença em todos os nossos momentos. Rejeitar o cavalhódromo é escolher o atraso.

Mas, pior que isso, contestar a segurança é dar vez ao inimigo.


* * *





Luiz de Aquino, escritor e jornalista.

5 comentários:

Fátima Paragaussú disse...

( LUIZ É ESSE O COMENTÁRIO QUE QUERIA LHE ENVIAR, DESCONSIDERE O PRIMEIRO)

Luiz, interessante voce abordar essa questão dos mascarados em Pirenópolis. Talvez seja o momento dos Gestores Públicos de Cultura e Sociedade Civil, Organizada, juntos, pensarem em “Ações Educativas”, mostrando o verdadeiro sentido do mascarado nas festas populares, não só em Pirenópolis, mas em todos os municípios que acontece esse folguedo maravilhoso, e inserir na Grade Curricular das Escolas, o ensino do folclore. Uma atitude louvável que fortalecerá esta e outras manifestações culturais.

”Ninguém valoriza o que não conhece”.

“ Mascarar é trajar a roupagem do não-posto, desfraldar o não-visto,
arrancar a carapuça de quem se esconde por detrás da mediocridade,
do comodismo, da mesmice. A máscara é uma licença para fazer o que quiser.
Mas é preciso usá-la com respeito”.

Voce cita a primeira encenação das cavalhadas em Goiás, acontecida em Santa Cruz de Goiás. Sim, foi aqui, em Santa Cruz de Goiás, ano de 1816, que tudo começou. http://www.santacruzdegoias.net/institucional/cavalhada_mais_antiga_do_estado_de_goiAs/
Muitos anos se passaram e tudo continua de forma original, da confecção das fardas á confecção das máscaras aproveitando jornal velho.
Ingredientes: argila, jornal velho, grude feito com polvilho e água. Molda as peças, põe para secar, depois de seca, usa tinta para pintar; recorta com estilete: a boca, os olhos e os orifícios do nariz.
Fátima Paraguassú mantenedora do site de Santa Cruz de Goiás
www.santacruzdegoias.net

Presidente da Comissão Goiana de Folclore
Presidente da Comissão Municipal de Folclore (Santa Cruz)
Presidente da Associação dos Amigos de Santa Cruz de Goiás

Voando com Borboletas disse...

Olá Luiz!
Não conheço essa festa pessoalmente, infelizmente. Mas refletindo sobre o que colocou aqui em seu texto, concordo plenamente com suas palavras. Nossas festas populares, em certo momento, deixam de ser bairristas e viram um patrimônio nacional, devendo ser tratadas como tal.
Gostei bastante de seu espaço!
Aproveito e lhe convido para conhecer o meu, será um prazer sua visita.
Bjs
Borboleta

Fabiano disse...

Luiz de Aquino, sobre a numeração dos Mascarados, li seu comentário no Cidade de Pirenópolis e completei a leitura nesta sua postagem. Concordo com seu ponto de vista, sei que a festa não acabará por causa disso. Discordo apenas da maneira como tudo aconteceu.

Os rituais da Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis estão descritos com minúcia num livro de tombo, por conta do título de Patrimônio Imaterial do Brasil. Uma intervenção desse porte, sem citar o Iphan para participar do processo, poderá ter consequências ruins para a cidade.

Perceba também que o Município de Pirenópolis tornou-se voluntariamente revel, não quis contestar a ação e muito menos recorrer. Deixou “correr frouxo”. Mas ele mesmo (o Município) pouco será afetado, pois sabemos que não pagará multa alguma. Mas o mascarado que se recusar à numeração, este sim, será preso por crime de desobediência e responderá a um processo judicial.

Acontece que não há um sindicato de Mascarados de Pirenópolis, cada uma se manifesta como achar conveniente. Então, se eu, por exemplo, sou preso por desobediência, essa prisão é arbitrária e ilegal, pois não fui citado para participar da ação civil pública e nem estou filiado a qualquer entidade de classe que o tenha sido.

Compreendeu meu ponto de vista? Creio que está corretíssimo tentar solucionar o problema da violência com a numeração dos mascarados, discordo apenas que seja através duma sentença judicial. O correto é a Câmara de Vereadores votar uma lei regulamentando os festejos. No presenta caso, a ordem constitucional ficou invertida, ou seja, o Poder Judiciário legislando, faz as vezes do Legislativo.

Luiz de Aquino disse...

Fabiano,
Concordo com seus argumentos. Acho que a discussão precisa ser ampliada, mas nesse nível e nesse rumo, e não sob o calor das paixões de momento.

Quando ao Judiciário legislar em lugar do Executivo, pelo vista está se tornando moda nacional, não é mesmo? Isso também precisa ser alvo de discussões e providências urgentes!

Cintia Miranda de Alvarenga disse...

Que são as normas?

Elas têm que nascer dos quereres da sociedade civil organizada e não impostas por um poder constituído.

Na época dos militares, as normas eram ditadas por quem detinha o fuzil e os civis tinham que silenciar.

Mas vivemos em épocas melhores, onde impera a democracia e o bom senso. Então, antes de impor a todos uma obrigação, não seria o caso de uma consulta popular?

Afinal, a Festa do Divino é dos pirenopolinos. Não é apemas do prefeito, do juiz, do promotor ou do presidente da Câmara. Ela é do povo, do conjunto de pessoas que vivem ou colaboram de alguma forma com Pirenópolis.

O que quer realmente quer o povo?!