Matar,
matar, matar. Afinal,
quanto vale uma vida?
quanto vale uma vida?
A humanidade sempre conviveu com assassinatos. Desde os tempos
mais remotos, na luta pela sobrevivência nas cavernas — no raciocínio
darwiniano — ou a partir do alegórico caso bíblico em que o invejoso Caim matou
o irmão, Abel. Mas por que o homem mata seu semelhante? Basicamente movido por
instinto inato, mas as motivações vão desde a rivalidade no futebol à gula pelo
dinheiro alheio.
Foi por dinheiro que, na noite de 31 de dezembro de 2002, num
bairro nobre de São Paulo, Suzane Louise von Richthofen comandou o brutal
assassinato dos próprios pais, Manfred Albert e Marísia von Richthofen. Daniel
Cravinhos, na época namorado de Suzane, e o irmão, Christian Cravinhos, se
encarregaram de desferir golpes de barra de ferro na cabeça de Manfred e Marísia.
Manfred morreu na hora, e Marísia ainda agonizou com massa encefálica exposta,
segundo a polícia. O casal dormia na hora fatídica.
Loira, olhos verdes, voz suave, divinamente linda e
diabolicamente macabra, Suzane articulou o inominável. Ela e os irmãos
Cravinhos queriam euros e dólares de Manfred e Marísia, agasalhados no cofre da
mansão do casal. Após o sucesso diabólico, Suzane e Daniel Cravinhos
comemoraram num motel. Os três assassinos foram condenados a penas que chegam a
50 anos, que cumprem em presídios paulistas.
A banalização dos chamados crimes contra a vida é de difícil
explicação. Especialistas divergem. As teses não batem. Os números do horror são
inexatos. “A mídia tem grande responsabilidade nisso, pois fica divulgando e
alimentando o mal, tornando-o ‘natural’ para a sociedade”, afirma um sociólogo.
“Não, a culpa é da falta de escola adequada para as crianças, que acabam se
envolvendo com marginais para, no futuro, se tornar um deles”, assegura um
especialista em segurança pública. “É da natureza humana”, decreta um
psicanalista. “Falta Deus no coração”, prega um padre. “O maior problema é a
impunidade”, decreta um promotor de justiça. É provável que todos tenham razão,
mas ninguém consegue explicar com segurança o porquê de tantos homicídios,
sobretudo por motivos banais. Hoje, matar é como ir a uma festa, tomar uma
cervejinha e dançar. É o rock do diabo.
Tiago Fernandes da Silva Chaves, o “Tiagão”, de 21 anos, é
considerado perigosíssimo pela polícia dos estados do Maranhão e Piauí. Mas um
comparsa não levou a sério os antecedentes criminais de Tiagão, que já havia
matado seis pessoas nos dois estados. A “ingenuidade” de Marcos Antônio Aparício,
de 22 anos, custou-lhe a vida. Foi morto por Tiagão a facadas na rodoviária de
Timon, pequena cidade do Maranhão, em março deste ano, porque não pagou ao
parceiro uma monstruosa dívida de R$ 1. O bandido impiedoso fez sua sétima vítima,
foi preso e condenado a mais de 30 anos de prisão.
Fiel de uma igreja evangélica da mesma cidade de Tiagão, Lineuza
Oliveira e Silva, de 24 anos, estava sempre pregando a Bíblia. Não perdia a
oportunidade de falar sobre céu, inferno, Jesus Cristo. Assídua no templo,
seguia à risca os ensinamentos do pastor, inclusive pagando em dia o dízimo.
Mas nem sempre seguia o amor e desapego ensinados por Cristo. De onde tirava
dinheiro, se não trabalhava? Dos pobres e idosos pais, Lourival Rodrigues da
Silva e Joana Borges de Oliveira e Silva, de 73 e 71 anos, respectivamente. Os
idosos viviam do salário mínimo da aposentadoria e já haviam perdido a TV para
a filha, que a vendeu para engordar os cofres da “casa de Deus”.
Na manhã de um domingo ensolarado de janeiro passado, antes de
seguir para a escola dominical, Lineuza Oliveira foi possuída por Satanás.
Furiosa por não conseguir a “décima parte devida a Deus”, como sempre dizia
quando queria os recursos minguados dos pais adotivos, executou-os a
machadadas, enquanto dormiam. Segundo o delegado de Timon, Ricardo Hérlon
Furtado, nos dias que antecederam a crueldade, a moça demonstrava forte obsessão
em ficar rica. Dizia que se desse R$ 5 mil à igreja, Deus lhe daria três vezes
mais. Com uma frieza de arrepiar, Lineuza explicou a uma TV local o que fez: “Do
pó viemos e para o pó iremos”.
O que mais chama a atenção de especialistas são a frieza e
crueldade dos matadores e os motivos dos crimes. Nos Estados Unidos, ficou
famoso o caso de Betty Johnson Neumar, conhecida como “Viúva Negra”, moradora
de uma pequena cidade da Georgia, que deixou a cadeia recentemente depois de
pagar fiança de 200 mil dólares, segundo “O Globo”. Betty Johnson, uma
aparentemente doce velhinha, mandou matar cinco maridos para ficar com o seguro
de vida deles. A polícia só conseguiu decifrar os caminhos da teia de aranha da
“doce velhinha” após anos de investigação. Segundo policiais, ela executou o
primeiro marido na década de 1950.
Conforme reportagem do jornal “Zero Hora”, de Porto Alegre,
dados da pesquisa Mapa da Violência mostra que o Brasil ainda lidera o ranking de
assassinatos no planeta, em números absolutos. São 46 mil homicídios por ano,
em média. Mas, em termos proporcionais, deixou de encabeçar esse campeonato
macabro. O Brasil ocupa hoje o sexto lugar na taxa de homicídios por 100 mil
habitantes, num ranking de 91 países. A média é de 25 assassinatos por 100 mil
habitantes. Fomos superados em violência, nos últimos anos, por El Salvador,
Colômbia, Guatemala, Ilhas Virgens Americanas e Venezuela.
O sociólogo Julio Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapa da Violência,
nem pensa em comemorar essa mudança. Em primeiro lugar, porque acredita que ela
pode ser circunstancial, sazonal. Em segundo lugar, porque o que ocorreu foi um
aumento da violência em outros países latino-americanos, sem que o Brasil tenha
experimentado redução significativa nos indicadores.
Afinal, quanto vale uma vida? É possível mensurar em dinheiro a
existência de uma pessoa? Se perguntarmos a Suzane Louise von Richthofen e a
Tiagão, teremos uma resposta tão sangrenta quanto os noticiários policiais de
todos os dias.
* * *
2 comentários:
Fica evidente, meu caro Edmar, que a impunidade é a matriz desse sequenciamento infindável de crimes. A possibilidade de ser preso, com as técnicas de investigação vigentes, é mínima. Se preso, a possibilidade de passar mais de cinco anos na cadeia é irrisória. Portanto, vamos ao crime. Ele compensa.
P.S. Você usou impropriamente o substantivo "mau" em lugar do adjetivo "mal" na frase "... divulgando e alimentando o mau...";
da mesma forma, falou em euros sobre uma fiança paga nos Estados Unidos (onde a moeda vigente é o dólar). Como os leitores não têm a cotação do câmbio na cabeça, é sempre bom converter esses valores em reais. É nossa obrigação como jornalistas.
Você tem razão, Romildo Guerrante. Descuidei-me e cometi os dois erros apontados por você. Vou corrigi-los agora. Muito obrigado, amigo.
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