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sexta-feira, dezembro 09, 2011

Outra vez sob a Águia





Outra vez sob a Águia


A luz do dia chegou filtrada. Nuvens espessas, com espessura de quilômetros, prometem assustar-nos com temporais. Por isso, e só por isso, os raios do Sol negaram-nos o brilho sobre as cores das coisas, do azul de céu, das águas e do verde, das ruas e das peles das pessoas (nos olhos, não; o brilho dos olhos vem, quase sempre, de nós mesmos; vem de dentro).

Nada, em nossa vida, é igual; nada se repete. Um dia é um conjunto imensurável e indizível de fatos e imagens, de sentimentos e de sonhos e – vou repetir – nada se repete. Nem mesmo o tom do bom-dia com que nos saudamos em casa, na rua, no trabalho... Ao longo da vida, revisitamos lugares, revemos pessoas, renovamos ações e gestos, palavras e pensamentos – mas tudo é diferente a cada instante. É aquele sempre recordar Heráclito e sua observação sobre o homem e o rio.

Este ano, 2011, dá-me a idade em que o algarismo 6 faz sombra, dobra-se para reafirmar um sessentão; ou sexagenário. Reli livros, escrevi muita coisa – sempre peças pequenas, nenhum compromisso com um grande livro, nada... participei outra vez da coleção Goiana em Prosa e Verso, idealizada e realizada pelo amigo e irmão Kleber Adorno, em parcerias nobres da Prefeitura de  Goiânia com a Editora da PUC de  Goiás e a Editora Kelps. Vi meu pai despedir-se devagarinho da vida, até a apoteose na véspera do Dia da República – mas vi nascerem filhos de muitos amigos, netos de avós felizes.

Preocupei-me, mas ocupei-me muito; tive instantes, muitos deles, de apreensões, mas tive também os de alegrias e regozijos. Como disse, lancei novo livro, escrevi em livros de alguns amigos, fui citado em outros. Este 66º ano deu-me razões de sobra para crer que a vida é  linda! Reencontrei amigos (bom te rever, Brasigóis! Goiás é sua casa, berço e lar, não é mesmo?), descobri e revelei novos autores.

Deixei de ir ao Rio de Janeiro para os encontros tradicionais de ex-alunos do Colégio Pedro II. Estive muito poucas vezes no Liceu (Lyceu de Goiânia). A Pirenópolis também não fui tantas vezes quanto era do meu desejo. Nada a lamentar – seria injusto para com os prêmios que Deus me dá. E por não reclamar, sinto-me ainda mais premiado: um telefonema de Fernando Antônio Castro Quinta, outro de Pedro Dimas e mais uma festa acontece: um grande grupo de ex-alunos do Liceu – adolescentes de 1970 – reúne-se para recordar. Convidam ex-professores, escolhem a noite de sábado, 10 de dezembro, e o local é o Bartolomeu – do também ex-aluno Pedro Vasco. Ouço dizerem que convidaram os professores da época:

– Todos aqueles alunos que você punha pra fora de sala estarão lá – informou-me o Fernando Antônio.

Fiquei ligeiramente apreensivo: será que pensam em vingança? Claro que não!, mas eu não perderia a chance de brincar com isso... Bem! Eu gostaria muito de documentar esse encontro, mas escrevo antes que ele aconteça, obviamente. Lembrei das caras daqueles garotos e garotas, do uniforme em disciplina impecável, da alegria do pátio, da inevitável ironia dos alunos... Tanta coisa linda e boa! Hoje ostentamos rugas, cãs (cabelos brancos; explico porque a palavra é quase desconhecida)... Aliás, e a propósito de cabelos, hoje somos pessoas de cabelos brancos, cabelos tingidos e sem cabelos – mas o importante é estarmos felizes.

Por me sentir assim, e evocando a águia que simboliza o colégio secular, escrevi:


Esses meninos sob a Águia...

Era um tempo de homens rudes, 
mulheres doces - seres severos… 

Tempo de nós muito jovens.


Sonhamos crescer, lutar... Quem sabe? 

Alcançar liberdade – palavra perigosa, 

vigiada e guardada a chave.


Meninos grandes de uniforme bege e branco; 

jovens mestres de jaleco, pastas, livros

e giz ante o quadro escuro...


Quadro negro, quase sempre verde... 

Lousa, massa e cimento

berço de textos e contas – lições.


Calça cáqui, sapatos pretos, saias medianas; 

meninas de meias brancas, muito alvas 

– rigor religioso, aquele!


No peito, a águia! Vigia solene, 

asas  abertas ao voo 

viagem no tempo a vir!



E o sentimento de fé e sonhos. Marcamos: 
 sine die, seja sábado e noite, 
mas em quarenta anos (ao menos).

* * *

Luiz de Aquino - moço professor de 1970, feliz outra vez entre vocês!


Lyceu: nosso templo de aprendizado, lembrança imortal, berço de amizades...





5 comentários:

Anônimo disse...

Luiz, nobre escriba, que encanto pousar em suas linhas e sorver as delicias de suas letras. Lyceu... que canta em minha alma e faz das lembranças versos de tantos amanheceres. Me alegra o coração, poder fazer parte de seu tempo. Um grandioso abraço meu amigo!
Weder Soares)

http://retoquesdalma.blogspot.com/

Tania Rocha disse...

Meu caro poeta Luiz De Aquino,

É linda sua crônica !!!!Não posso compreender vc poeta ,fora do convívio das salas de aula,vc tem alma de professor !!!Que lindo poema!!

J. Martines Carrasco disse...

Caro amigo,
“Outra vez sob a Águia” inicia soando magnífico poema-filosófico e se conclui com versos de lembranças e saudades.
É! é isso aí. É a força da realidade... A quem nasce artista, o sexagenário 6 pode produzir alguma sombra no tempo,
mas não ofusca o cetro do talento. Ao contrário, dos recônditos das décadas vividas emerge, a cada dia mais reluzente,
o manto do meu poeta, Luiz de Aquino.
Votos para que o mestre prossiga, por anos e anos, servindo-nos, com seus cálices de exuberante arte poética.
Saudoso abraço deste seu admirador,
J. Martines Carrasco

Mara Narciso disse...

Rasgou minha alma com essas recordações, Luiz. Bateu fundo e deve ter mexido com muitos mais. Apareceu-me o meu querido professor Afonso Celso Guimarães, nome de rua, aqui perto de casa. Era professor de física e morreu de câncer no pulmão, naquele tempo em que não se ousava falar-lhe nem o nome. E mal havia uma quimioterapia genérica. Ele fumava Minister e eu também. Detalhe: ele me pôs para fora da sala de aula duas vezes. Explico: amava um colega, e estávamos atrapalhando a aula. Parabéns pelos recordos e que o encontro tenha sido tão lindo quanto a crônica e poema.

Fatima Rosa Naves disse...

Brilhante, meu querido, inicia poeticamente, como sempre deveria ser, e depois fecha com um poema, que sintetiza uma promessa de uma época, talvez uma idéia para o agora:
“No peito, a águia! Vigia solene,
asas abertas ao voo 

viagem no tempo a vir!”
Muito bacana. Espero que os inspiradores tenham lido.