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sexta-feira, outubro 28, 2011

Chapéu




Chapéu



Quando ouço (e, muitas vezes, leio) a palavra “troféis” como plural de troféu, dá-me um arrepio muito estranho, como a palavra trazendo espinhos que invadem os ouvidos, ferem os olhos e causam dor na pele toda. Troféu ou trofel? E o mesmo se dá com chapéu, pois numa lojinha para turistas numa atraente cidadezinha bem brasileira a vendedora me ofereceu “chapéis”. Afinal, chapéu ou chapel? Quem o fabrica ou vende, é chapeleiro; e as lojas são ditas chapelarias.


Judeus orando: o quipá é indispensável.
Em 1997, numa inesquecível viagem a Israel, familiarizei-me com a palavra quipá. O dicionário Caldas Aulete refere-se a uma “planta rasteira e espinhosa do Norte”). Na Internet (Wikipédia) encontro “kipá” e “quipá”, remontanto-se ao solidéu  dos judeus: “O quipá (em hebraico כיפה, kipá, "cúpula", "abóbada" ou "arco") ou yarmulke (em iídiche יאַרמלקע, yarmlke, do polonês jarmułka, que significa "boina"), é um pequeno chapéu em forma de circunferência, semelhante ao solidéu, utilizada pelos judeus tanto como símbolo da religião como símbolo de "temor a Deus".

Ocorreu-me, naquela ocasião, que as palavras capa, capote, capacete, capuz, chapéu, quepe (do francês “képi”), copa (de árvore) e muitas outras têm por raiz mais remota a expressão do hebraico, possivelmente oriunda do aramaico ou outra língua tão ou mais antiga. Pensei até que a palavra copa (taça) não teria sido uma metáfora, pois estas têm silhuetas assemelhadas as de algumas árvores. Ah! Chama-se copa, também, a parte alta (cobertura) dos chapéus...




Minha mais remota lembrança é de uma festa junina em que minha mãe fantasiou-me de peão de roça, com chapéu de palha. No final da infância, sendo escoteiro, usei um chapéu de feltro, aba larga, a copa marcada em cruz, tal como guardas florestais da época, como os víamos, em fotos e filmes, nas matas canadenses.


Chapéu com a flor de lis: Sempre alerta!

Não sei se os motivos foram econômicos ou de moda, mas o fato é que o uso corriqueiro do chapéu, neste país tropical, praticamente desapareceu no decorrer da década de 1950. Fora das esferas militares, escaparam os capacetes de operários e os bonés, estes com funções esportivas e também publicitárias. Hoje, raro é o adolescente que não tenha uma coleção de bonés. Os tiozinhos e vovôs gostam dos modelos ingleses e italianos. Eu passei por tudo isso, até chegar ao chapéu tradicional. Gosto muito do panamá – aquele chapéu branco de fibra vegetal, fabricado no Equador e que tornou-se famoso apenas por passar pelo Canal de Panamá e ganhar um carimbo. Mas uso também os de feltro, alguns bonés estilosos e esportivos e até mesmo um quepe de marinheiro.


O clássico panamá

Indústrias nacionais importam a palha do Equador e fabricam “panamás” nacionais. Duas dessas marcas espalham-se já por todo o país e não apenas senhores sex e septuagenários os usam, de dia e de noite, com um ar boêmio e feliz – muitos jovens, sambistas e chorões, têm no chapéu claro um símbolo da boa música nacional. Em Goiânia, somos muitos os adeptos, mas João Garoto, virtuoso violonista, é o nosso símbolo.

Chico Paes



Pádua
Tal como as mulheres com suas bolsas maravilhosas, e até como nós mesmos, há três décadas, com as indefectíveis tira-colos, o uso do chapéu condiciona-nos; é difícil sair sem ele, depois de adquirido o hábito. O poeta Ivanor, o secretário Luiz Carlos Orro, o cantor Pádua, o multiativo Freud de Melo e muitos outros amigos meus sempre são vistos sob essa cobertura. Recentemente, e justo  por não nos encontrarmos mais amiúde, constatei que meu velho amigo Francisco Paes incorporou a cobertura na indumentária.

O poeta Ivanor e eu


Sob o sol, uso meus chapéus claros, de palhinha, seja panamá ou uma tessitura menos nobre; em ocasiões socialmente refinadas ou sob o sereno que perturba crianças e pessoas encanecidas, prefiro os de feltro. Em especial, um Ramenzoni Solis “três xis” – presente de Freud de Melo que, obviamente, muito me agradou.

Freud de Melo

Ou seja: tenho um chapéu freudiano...


* * *



sábado, outubro 22, 2011

Amigas de luz própria


Amigas de luz própria

Quando vivemos os tais “verdes anos” – metáfora ingênua para a adolescência e, dependendo da conveniência, para duas décadas além – olhamos os mais velhos e os situamos num passado desconhecido. Algo assim como tentar adivinhar como era a vida no tempo do nosso nascimento... Ou mais complicado ainda, algumas décadas antes.

E, estranhamente, situamos as pessoas naquele tempo imaginado, quase sempre erroneamente imaginado. E carimbamos as pessoas com os rótulos de nossa mente – e quase sempre erramos. Ou erramos, apenas. É que não consideramos algo comum, muito comum: as pessoas não param no tempo; viver é seguir em frente, adequar-se ao mundo que se renova a cada dia, tal como adaptar-se às mudanças de lugares.

Pois é! Viver é exercer, todo o tempo, o que nos oferecem a História e a Geografia.

Mas viver é também relacionar-se. Ver pessoas, conhecê-las, ouvi-las, aprender e ensinar, ou seja: trocar informações e exercitar o processamento do que se sabe. E que seja possível memorizar rostos e nomes; e mais interessante que tudo, que seja bom estreitar relações, amar, fazer amizades...

Nestes 48 anos em Goiânia, conheci muita gente, selecionei milhares, colecionei centenas. Coisa comum, todos nós fazemos assim. E todos pensamos ter dezenas de amigos. Diria mais, e diria melhor: são, de fato, milhares as que listamos em cadernos de endereços e telefones, e mais milhares na lista de e-mails.

Quase sempre, somos pessoas de múltiplas atividades:  nem sempre nos é possível desenvolver a profissão, o empenho social e o lazer num só segmento. Por isso, é comum termos amigos separados em grupos de interesses. Eu,  particularmente, gosto muito disso. Preservo as lembranças dos amigos do BEG, umas raras amizades com ex-alunos, amigos da minha curta passagem pela Telegoiás, amigos jornalistas, amigos escritores e ainda outros artistas – como músicos e pintores, atores e críticos, professores a quem me afeiçoei ao tentar ligar literatura e Educação.

Sem medo de magoar alguém pelo esquecimento – e mesmo porque estou centrado (focado, dizem os novos profissionais) em duas pessoas, especialmente –, vou lhes contar, leitores queridos, de duas mulheres a quem cultivo um carinho sempre renovado: Aparecida Teixeira de Fátima Paraguassu e Sinvaline Pinheiro. A ordem de citação não é apenas alfabética, mas cronológica, pois foi Fátima quem me apresentou Sinvaline. 

Elas tem muita coisa em comum. Ou uma apenas – um amor determinado e forte por suas terras de origem, e demonstram-no com a mesma linguagem, que é a luta pela consolidação dos tesouros culturais de seus torrões. Fátima, por Santa Cruz de Goiás; Sinvaline, por Uruaçu e suas cercanias.

Fátima Paraguassu
Santa Cruz de Goiás, um dos primeiros povoados na ocupação deste território de Goiás, veio a ser a primeira capital da Província, acolhendo o primeiro governador, o Conde dos Arcos, que após mais de um ano despachando do lugar, transferiu-se para Vila Boa, a atual Cidade de Goiás, sede escolhida para capital definitiva. Famílias tradicionais e históricas e a prática secular de atividades folclóricas são, para  Fátima, o esteio de pesquisa. Presidente da Comissão Goiana de Folclore, essa professora, musicista, escritora e acadêmica de História (na PUC de Goiás) vai, aos poucos, preenchendo um vazio expressivo na História de Goiás.

Ao seu lado, simbolicamente, Sinvaline cuida de Uruaçu e de tudo o que envolve o passado, o folclore e valores afins na região da represa da Serra da Mesa – inclusive do  Memorial Serra da Mesa – instituição que conta com o apoio do Instituto do Trópico Sub-Úmido da PUC, mas que merecia uma cobertura material e financeira expressiva das ricas empresas que se beneficiam da região.

Fátima, que no início dos anos de 1980 elegeu-se vereadora em Santa Cruz de Goiás, quebrando o tabu machista que impedia mulheres na Câmara Municipal (foi presidente daquela Casa de Leis) voltou aos estudos quando o filho único já estava na universidade; Sinvaline paralisou os estudos formais – não concluiu a quarta série primária (fundamental); autodidata e, como tal, curiosa e apaixonada por textos, para ler e escrever, tornou-se importante pesquisadora e atua, também, com comunidades indígenas de sua região – craô, caiapó e avá-canoeiro – além de produzir artigos para as publicações do ITS da PUC, antologias poéticas, pesquisas para a UFG (Facomb) e, tal como sua amiga Fátima Paraguassu, produz artigos para o site Overmundo.
Sinvaline, abraçada pelo presidente Lula

Essas mulheres trabalham. Trabalham muito! E, por isso, incomodam. Brilham demais, acabam por ofuscar alguns néscios encastelados em cargos públicos de nomeada duvidosa. Sei como é isso... E como sei!  

Beijos, minhas amigas! Gosto de tê-las na primeira dezena dos meus selecionados.

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sexta-feira, outubro 21, 2011

Artigo de Edmar Oliveira


Matar, matar, matar. Afinal,
quanto vale uma vida?


Por Edmar Oliveira (jornalista)

A humanidade sempre conviveu com assassinatos. Desde os tempos mais remotos, na luta pela sobrevivência nas cavernas — no raciocínio darwiniano — ou a partir do alegórico caso bíblico em que o invejoso Caim matou o irmão, Abel. Mas por que o homem mata seu semelhante? Basicamente movido por instinto inato, mas as motivações vão desde a rivalidade no futebol à gula pelo dinheiro alheio.

Foi por dinheiro que, na noite de 31 de dezembro de 2002, num bairro nobre de São Paulo, Suzane Louise von Richthofen comandou o brutal assassinato dos próprios pais, Manfred Albert e Marísia von Richthofen. Daniel Cravinhos, na época namorado de Suzane, e o irmão, Christian Cravinhos, se encarregaram de desferir golpes de barra de ferro na cabeça de Manfred e Marísia. Manfred morreu na hora, e Marísia ainda agonizou com massa encefálica exposta, segundo a polícia. O casal dormia na hora fatídica.

Loira, olhos verdes, voz suave, divinamente linda e diabolicamente macabra, Suzane articulou o inominável. Ela e os irmãos Cravinhos queriam euros e dólares de Manfred e Marísia, agasalhados no cofre da mansão do casal. Após o sucesso diabólico, Suzane e Daniel Cravinhos comemoraram num motel. Os três assassinos foram condenados a penas que chegam a 50 anos, que cumprem em presídios paulistas.

A banalização dos chamados crimes contra a vida é de difícil explicação. Especialistas divergem. As teses não batem. Os números do horror são inexatos. “A mídia tem grande responsabilidade nisso, pois fica divulgando e alimentando o mal, tornando-o ‘natural’ para a sociedade”, afirma um sociólogo. “Não, a culpa é da falta de escola adequada para as crianças, que acabam se envolvendo com marginais para, no futuro, se tornar um deles”, assegura um especialista em segurança pública. “É da natureza humana”, decreta um psicanalista. “Falta Deus no coração”, prega um padre. “O maior problema é a impunidade”, decreta um promotor de justiça. É provável que todos tenham razão, mas ninguém consegue explicar com segurança o porquê de tantos homicídios, sobretudo por motivos banais. Hoje, matar é como ir a uma festa, tomar uma cervejinha e dançar. É o rock do diabo.

Tiago Fernandes da Silva Chaves, o “Tiagão”, de 21 anos, é considerado perigosíssimo pela polícia dos estados do Maranhão e Piauí. Mas um comparsa não levou a sério os antecedentes criminais de Tiagão, que já havia matado seis pessoas nos dois estados. A “ingenuidade” de Marcos Antônio Aparício, de 22 anos, custou-lhe a vida. Foi morto por Tiagão a facadas na rodoviária de Timon, pequena cidade do Maranhão, em março deste ano, porque não pagou ao parceiro uma monstruosa dívida de R$ 1. O bandido impiedoso fez sua sétima vítima, foi preso e condenado a mais de 30 anos de prisão.

Fiel de uma igreja evangélica da mesma cidade de Tiagão, Lineuza Oliveira e Silva, de 24 anos, estava sempre pregando a Bíblia. Não perdia a oportunidade de falar sobre céu, inferno, Jesus Cristo. Assídua no templo, seguia à risca os ensinamentos do pastor, inclusive pagando em dia o dízimo. Mas nem sempre seguia o amor e desapego ensinados por Cristo. De onde tirava dinheiro, se não trabalhava? Dos pobres e idosos pais, Lourival Rodrigues da Silva e Joana Borges de Oliveira e Silva, de 73 e 71 anos, respectivamente. Os idosos viviam do salário mínimo da aposentadoria e já haviam perdido a TV para a filha, que a vendeu para engordar os cofres da “casa de Deus”.

Na manhã de um domingo ensolarado de janeiro passado, antes de seguir para a escola dominical, Lineuza Oliveira foi possuída por Satanás. Furiosa por não conseguir a “décima parte devida a Deus”, como sempre dizia quando queria os recursos minguados dos pais adotivos, executou-os a machadadas, enquanto dormiam. Segundo o delegado de Timon, Ricardo Hérlon Furtado, nos dias que antecederam a crueldade, a moça demonstrava forte obsessão em ficar rica. Dizia que se desse R$ 5 mil à igreja, Deus lhe daria três vezes mais. Com uma frieza de arrepiar, Lineuza explicou a uma TV local o que fez: “Do pó viemos e para o pó iremos”.

O que mais chama a atenção de especialistas são a frieza e crueldade dos matadores e os motivos dos crimes. Nos Estados Unidos, ficou famoso o caso de Betty Johnson Neumar, conhecida como “Viúva Negra”, moradora de uma pequena cidade da Georgia, que deixou a cadeia recentemente depois de pagar fiança de 200 mil dólares, segundo “O Globo”. Betty Johnson, uma aparentemente doce velhinha, mandou matar cinco maridos para ficar com o seguro de vida deles. A polícia só conseguiu decifrar os caminhos da teia de aranha da “doce velhinha” após anos de investigação. Segundo policiais, ela executou o primeiro marido na década de 1950.

Conforme reportagem do jornal “Zero Hora”, de Porto Alegre, dados da pesquisa Mapa da Violência mostra que o Brasil ainda lidera o ranking de assassinatos no planeta, em números absolutos. São 46 mil homicídios por ano, em média. Mas, em termos proporcionais, deixou de encabeçar esse campeonato macabro. O Brasil ocupa hoje o sexto lugar na taxa de homicídios por 100 mil habitantes, num ranking de 91 países. A média é de 25 assassinatos por 100 mil habitantes. Fomos superados em violência, nos últimos anos, por El Salvador, Colômbia, Guatemala, Ilhas Virgens Americanas e Venezuela.

O sociólogo Julio Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapa da Violência, nem pensa em comemorar essa mudança. Em primeiro lugar, porque acredita que ela pode ser circunstancial, sazonal. Em segundo lugar, porque o que ocorreu foi um aumento da violência em outros países latino-americanos, sem que o Brasil tenha experimentado redução significativa nos indicadores.

Afinal, quanto vale uma vida? É possível mensurar em dinheiro a existência de uma pessoa? Se perguntarmos a Suzane Louise von Richthofen e a Tiagão, teremos uma resposta tão sangrenta quanto os noticiários policiais de todos os dias.

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segunda-feira, outubro 17, 2011

Recital poético





Será nesta terça-feira, 18/10, na Biblioteca do SESC Campinas, em Goiânia. Quem puder e quiser comparecer será muito bem-vindo.


Depois, contarei como foi...


L.deA.

sábado, outubro 15, 2011

Vam' cumê um trem...



Vam’ cumê um trem...

          Existe alguma manifestação cultural mais significativa que a linguagem? O modo de se vestir? Ou o que se  come? Bem, tempo houve em que a arquitetura, a engenharia das casas, obedecia a um padrão imposto pelos materiais disponíveis: madeira, pedra, folhas. Hoje, a indústria da construção civil nivela o mundo a uma paisagem habitacional comum, igual. Tal como as roupas, que hoje fazem com que, respeitadas as circunstâncias do tempo, as pessoas se vistam igual em quase todos os lugares do planeta.


         Sobre comidas, o típico hoje fica por conta do exótico. Já fomos o país da feijoada, do arroz-com-feijão, das frutas tropicais. Mas, no Brasil atual, o churrasco é a referência maior. E pensar que tanto do que comemos são heranças dos colonizadores, dos escravos e dos imigrantes!

Arroz com pequi
         Resta-nos, aos goianos, marcas bem indígenas: o milho da pamonha e o pequi, que na minha infância era colhido sob as frondosas árvores no cerrado quando era chegado o verão teórico. Hoje, dispomos dele desde julho ou agosto, trazido em caminhões do Tocantins, do Maranhão, do Piauí, mas é Goiás quem mais se serve do fruto cheiroso como referência. Como, de resto, melhor se vale também do cerrado para definir a paisagem, apesar de o cerrado ser muito mais amplo que os nossos (hoje) pouco mais de 300 mil quilômetros quadrados.

         Isso é bem de Brasil, a imensidão das coisas. Lembro de Carmo Bernardes defendendo com ardor um ponto-de-vista: qualquer animal ou fruto tem tantos nomes quanto maior seja sua importância para o único animal a se valer das palavras. Será? Manga é manga em qualquer lugar, como laranja é laranja. Mas ata pode ser pinha (nordeste) ou fruta-do-conde (sudeste e sul). Por isso fico indignado quando, no supermercado que tem sede no Vale do Rio Doce (MG), vejo a oferta: “Pinha – só R$ 3,99 o quilo”.


Ata, pinha ou fruta-do-conde.
         Ora, pinha! Por que os adventícios não respeitam nosso linguajar e escrevem lá “ata” em lugar da solene pinha? Há também restaurantes pedantes que oferecem, em plena Goiânia, bolinho de aipim. Se ao menos fosse um típico restaurante nordestino, acho que aceitaria, de nariz torcido, macaxeira. Ou jerimum em lugar da nossa abóbora.

Aipim, macaxeira, mandioca...

     Mas o que senti mais doloroso foi a resposta de uma jovem senhora, dona de uma pamonharia. Pedi pamonha frita e ela me respondeu, com desdém: “Não temos, senhor. Pamonha frita só no mercado central ou nas ruas”.  Apontei-lhe na estufa os volumes ovais do produto, evidenciando o que desejava, e ela, tácita, tentou me corrigir: “Ah, o senhor quer bolinho de milho!”.        

Bolinho de milho, não; pamonha frita!

         Indignei-me: “Não, senhora! Quero pamonha frita, isso que a senhora chama de bolinho de milho. Aquilo que lhe parece ser pamonha frita é apenas pamonha de ontem”.
        

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E o meu novo livro...

(Publicada em 12/01/01, no Diário da Manhã; integra meu livro Ah, língua brasileira!, da Coleção Goiânia em Prosa e Verso, 2011. Republicada em 16/10/2011, no Diário da Manhã).

sábado, outubro 08, 2011

Graças!


Graças!


Belíssimos dias estes, os primeiros da nossa estação chuvosa! No domingo, dia 2, choveu! Minha crônica daquele dia, evocando um céu acinzentado que nos presenteasse com chuva, parece que virou prece. Como as simpatias da infância para chamar chuva e, mais antigamente, as danças indígenas e as orações religiosas com o mesmo propósito. Feito pedidos do mesmo feitio.

Para pedir chuva, fui buscar os versos de Geraldo Azevedo em “Dia branco”; agora, hora de agradecer ao céu – não o céu geográfico, de azul costumeiro nos dias de estio e de nuvens alegres de tons alvacentos; não o céu dos aviões e dos pássaros, nem o céu profundo dos astronautas desde Gagárin,  esse lá mais ao alto onde transitam, sem se chocar, centenas ou milhares de satélites artificiais, essas engenhocas complexas da mecânica, da eletrônica, da cibernética – máquinas que nos permitem comunicar e espionar.

Hora de agradecer aos céus, mas céus aqui vem a ser o habitat dos anjos e dos santos, dos espíritos que alcançaram algo perto da pureza pela evolução; não falo, pois, dos céus dos astros, mas dos céus sagrados, morada dos virtuosos. Em momentos assim, entendo Deus como um maestro a reger o Universo, determinar instantes e sincronia entre tudo o que vive e se move, morfomizando relevos, tonalizando cores, determinando a intensidade e a velocidade dos ventos, depurando os ares, renovando as águas...

Choveu! Bendito sejam todos os fatores da chuva, benditos sejam seus resultados que mudam paisagens e nos ensinam paciência, tolerância, obediência aos desígnios inexplicáveis. Há prejuízos, perdas, danos graves e até mortes – mas tudo isso nos chega pela ação divina que, juntas e harmonizadas, chamamos de Natureza. Agora, sim! O cerrado ganhará o verde; nossos caudais ganharão volume d’água; nossa atmosfera se faz respirável; nossas plantações ganharão vida e nos darão flores, frutos e grãos.  Amém!

Enquanto isso, ao tempo em que festejamos as primeiras chuvas, enquanto o cheiro doce que vem da terra molhada nos alegra a vida, os noticiários nos dão conta de algumas tragédias, mas também de algumas vitórias contra o imprevisível e também no que se faz de bem.

Gostei de saber que quase nove toneladas de drogas mortíferas foram incineradas em altos fornos no Porto Seco de Anápolis. Em contraponto, uma ação criminosa reforçou alguma quadrilha com mais de cem armas e muita munição roubada numa empresa de segurança. Uma moça de vinte anos morreu ao cair da garupa da moto, sob forte chuva, e ser tragada pela enxurrada, em Goiânia. Um menino de 15 anos foi apanhado em flagrante na porta de um banco ao tentar, com um revólver municiado com balas explosivas, roubar quatro mil reais de dois irmãos.

O escritor e professor Kleber Adorno, secretário de Cultura de Goiânia, capitaneou o lançamento de 183 novos livros, sob o patrocínio da prefeitura de Goiânia. Paulo Garcia, o prefeito que enfeita Goiânia de passarelas ainda mais floridas e bucólicos caramanchões (agora, chama a isso “gazebo”; prefiro o nome anterior, tem um som mais aportuguesado), presidiu a festa.

Esse foi mais um ato da Revirada Cultural, que se encerra no próximo dia 14, com um total superior a duas mil e quinhentas atrações num intervalo de 65 dias!

E a cidade que vibra de sons musicais, desde o simplório sertanejo de duplas iniciantes e de seus ícones internacionais, passando por um enorme contingente de MPB, de rock, de riperrope, de sons folclóricos e das bandas acadêmicas (como a Banda Pequi), dos corais e das orquestras sinfônica e filarmônica, encheu-se de livros vários, desde os técnicos aos de poesia, dos romances, contos e crônicas aos críticos e até mesmo de auto-ajuda.

Semana feliz, esta, marcando de ver esta Primavera goiana, planaltina... Do cerrado ameaçado por incautos que não cuidam de harmonizar a produção com a preservação.

Mas demos graças aos céus. Demos graças a Deus. Amém!



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quarta-feira, outubro 05, 2011

Lançamento de 183 livros de uma só vez!

O convite para a grande festa...



      Hoje, 5 de outubro, a Secretaria  Municipal de Cultura (de Goiânia) realiza um grande feito, inédito em todo o mundo: o lançamento de 183 novos livros, de autores goianos (nativos ou aqui residentes).





      O mérito é do Secretário, o escritor Kléber  Branquinho Adorno, nesta quarta realização do projeto Goiânia em Prosa e Verso (a primeira, com 41 títulos; a segunda, com 71; a terceira com 136; e esta, com 183 novas obras).


      Sem dúvida alguma, entramos para o Guiness.


      Meu tributo ao idealizados e realizador Kléber Adorno!




...e a capa do meu livro Ah, língua 
brasileira!, que integra a Coleção. 

sábado, outubro 01, 2011

Dia branco





Dia branco



Dia que chega discreto nos primeiros segundos, abrindo devagar a porta da madrugada para, então, raiar de aurora e de luz ante meus olhos que se abrem não assustados, mas perplexos: toda luz é bem-vinda!


Não gosto de ouvir bom-dia quando o tempo é da noite, da madrugada... Comissários de bordo e pastores-locutores de igrejas pentecostais entendem que se o relógio mudou, devem dizer bom-dia, mas a saudação é para ser dada desde o arrebol ao meio-dia, e há quem a estenda inteira ao domínio do astro-rei sobre nossos horizontes.


Não gosto também de ouvir coleguinhas da imprensa oral dizendo “estavam juntos havia dez anos”. Não gosto também quando seccionam a imprensa em “escrita, falada e televisada”. Sou mais da escrita e oralizada, quando se faz necessário dividi-la. Mas sobre os da escrita, não gosto de notar que colegas que deveriam ter informações fundamentais para bem informar e para bem escrever contentam-se em mal-saber e, assim, mal-escrever e mal-informar.

Gosto do dia que chega. Gosto de ouvir “Dia branco”, de Geraldo Azevedo: “Se você vier
/ Pro que der e vier /
Comigo... // Eu lhe prometo o sol
/ Se hoje o sol sair
/ Ou a chuva...”.

Gosto de dar bom-dia ao Sol e de tratá-lo em maiúscula, porque é nome de astro, e assim me foi ensinado e não entendo porque minimizar o tratamento ao Sol, à Lua ou meu país, Brasil – ainda que até mesmo empresa que se oferece para produzir cultura menospreze em minúsculo um nome tão belo e ímpar.



Olho as ruas molhadas de luz, mas a umidade do ar é baixa, desejo chuva e ar macio que não me fira os olhos, a pele e as narinas. E olhando as ruas do alto, convido ao meu peito um mundo de amigos e parentes, penso nos que se foram, encho-me de Deus e peço bênçãos para todos.


“Se a chuva cair / se você vier”... Bem-vindos serão os pingos, bem-vinda será você! “Esse tanto / esse canto e amor”... Há saudade, muita... Saudade porque tudo é distante, saudade porque é passado. Saudade de um tempo em que aqui fazia frio, um tempo tal que chovia uma vez ao menos em cada mês da seca, e havia árvores de matas, e havia o cerrado antes que tanto se queria, tanto se desejava que fosse, que seja, que soja...

Que merda! Pela soja que rende a grana, perdemos o ar de respirar e o verde de dar alegria. Jatobá, mangaba, murici, guariroba, gabiroba, bacupari – tudo some, até o pequi, porque o petróleo se raleia e custa caro, é tempo de bacana plantar cana; não para a doçura do açúcar, só para o fazimento do álcool de abastecer automóvel que enche as ruas, superlota estradas e rende dinheiro e rende acidentes de aleijume e de mortes que entristece os próximos, enluta famílias e pesa na previdência social.



Dia ainda triste, o ar com apenas 20% de umidade. O cerrado triste em castanho, as árvores vestindo-se de verde precoce, acreditando que chuva já vem, as flores das buganvílias enfeitando os campos, os jardins e os canteiros das avenidas – mas é imprescindível chover, e logo! Meus dias precisam ficar brancos, cinzas e, depois da chuva, azuis.

Sendo assim, acredito que o Brasil do cerrado e da caatinga se vestirá de alegre, voltará a sorrir para renovar sonhos e esperanças. Enquanto espero, conclamo à paz tão sonhada, ao sorriso nas esquinas, ao toque de mãos e abraços nos encontros, ao beijo do conluio e àquela intimidade de amantes.

A esperança existe, mas um tanto adormecida; a paz tem sido um sonho, a violência que vulgariza a morte teima em se institucionalizar, tal como os desvios de verbas e o apadrinhamento político, as greves decretadas abusivas e os abusos que não ganham adjetivos porque os que julgam resolveram fazer greve.

O dia é branco; e o céu, azul.


Que o céu deste “Dia branco” esqueça por uns dias o anil, faça-se de branco por um momento; que se acinzente e se derrame em lágrimas sonoras para os poros ressequidos da terra, dessedentando as raízes, reverdecendo as folhas, vivificando flores. Amém!



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