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quarta-feira, janeiro 28, 2015

Acinte à liberdade

Acinte à liberdade


Vejam a página especial "Jorge Braga vs Censura" em   https://www.facebook.com/pages/Jorge-Braga-vs-Censura/1526336870988696?fref=ts



A pirracinha exercida pelo prefeito de Goiânia contra o cartunista Jorge Braga ganhou corpo além do piti. O alcaide, que se projetou por ser vice de Iris Rezende Machado, assumindo a cadeira quando o titular renunciou, sob o guarda-chuva do grande líder, elegeu-se em mandato próprio. Foi o que bastou para que, uma vez no tablado, se sentisse a Estátua da Liberdade. Ou o Cristo Redentor.

O sucesso subiu-lhe tanto que passou a desconhecer pessoas a quem chamava pelo nome – como eu (certamente, dirá que nunca me viu nem ouvir falar em mim, e isso não me surpreende). Arrogante, ou petulante, exige desculpas por ter sido chamado de Sargento Garcia pelo chargista de O Popular. E daí? Seu sobrenome é Garcia, sua origem é espanhola e ele tem, sim, postura de sargento de caricatura – menos simpático que o Sargento Tainha de um gibi fora de circulação, o Recruta Zero, mas de fato mais próximo do eterno inimigo do Zorro.

Foi muito infeliz o prefeito com mais esse rompante de autoridade. Aceitasse a crítica ou a piada e tudo seria passado antes das seis da tarde – hora em que os boêmios costumam deixar os afazeres da sobrevivência para, de fato, viverem. Jorge Braga é um boêmio, eu sei bem. Já dividimos milhares de horas de bares e bate-papo, somos parceiros desde o meu livro de estreia, há quase 40 anos, acompanhei-o em várias de suas publicações, como revisor e autor de textos, ele compartilhava a minha família – não me refiro à que constitui, mas a de minha origem – a ponto de ter cama cativa na casa de meus pais.

Centenas de manifestações favoráveis ao desenhista vieram de todos os cantos do Brasil. Somente em Goiás ele foi discretamente tachado por alguns colegas como sectário ou algo parecido, pois (como disse o prefeito) ele poupa o governador de Goiás. Mas um dos que assim o qualificaram ressaltou ser este um direito dele – fazer escolhas. Concordo.

Jorge Braga desfruta de um prestígio invejável, para muitos. Tem a simpatia e o apoio de Ziraldo, que o trata como filho. Várias vezes trouxe o autor do Menino Maluquinho a Goiás, como também trouxe aqui Paulo Caruso, Ique, Luiz Fernando Veríssimo, Gougon, Jaguar e o saudoso e muito querido Henfil. Conheci todos esses ídolos do cartum e da inteligência nacional, pessoas que – mesmo professando ideologias diferentes – tiveram em comum a luta pela independência, pela liberdade de expressão e pelo fim do arbítrio que manchou nossa história por mais de vinte anos.

Além das pessoas do traço, muitos da música, das letras, das artes plásticas, do teatro etc. e tal pugnaram sistematicamente pela volta à democracia. E muitos são os que, ocultados sob as saias de suas mães e o rigor de seus pais que não queriam seus filhos envolvidos com comunistas, surgiram depois de “o dia raiar / sem lhe pedir licença” – como cantou Chico Buarque – apareceram do nada e posam de democratas.

Só que estes democratas de improviso, sem formação ao rigor do arbítrio (democratas de ouvir-dizer) alcançaram posições de destaque e agem como quem busca o poder tal como (repito) ouviram dizer que era, no tempo dos coturnos.

Um dos que lutaram por esta liberdade democrática é o poeta Brasigóis Felício, de quem colhi um pequeno e versátil texto,  feito agora há pouco. Leiam:

Político implicar com ou perseguir humoristas e chargistas, cercear o riso, obstruir a alegria da sátira, e a necessidade da crítica é uma fria sem tamanho. Insofismável demonstração de intolerância e burrice. Quanto à crônica, gênero esnobado por quem não consegue praticá-lo com mínima competência e sensibilidade, é como a poesia: ninguém tem necessidade, não tem utilidade alguma, mas os leitores inteligentes não conseguem passar uma visita costumeira a este parnaso inefável onde jornalismo e poesia dão um biscoito fino para manhãs ou tardes”.

E, como Vinícius de Morais, dou os trâmites por findos (em O Dia da Criação).

* * *


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

9 comentários:

José Fernandes (poeta, professor, crítico literário, membro e ex-presidente da Academia Goiana de Letras). disse...

Dom Luiz De Aquino Alves Neto, excelente, essa crônica, embora o nome desse imbecil não merecesse tamanho protesto, em face a tamanha burrice. Ele só será lembrado, futuramente, pelo péssimo mandato exercido à sombra do Iris e pela incompetência em cristalizar seu nome como político.

Jô Sampaio disse...

Muito boa, Luiz, Como o alcaide foi ingênuo!!!! Nesta época atual, em que o mundo todo se revoltou com o atentado ao C.H., admira-me que alguém tenha coragem de se manifestar contra uma charge, como a do Jorge Braga.. Acredito que nosso prefeito esteja arrependido. Baita gol contra.

Jales Naves disse...

Grande Luiz de Aquino. Como sempre, um texto sem correções ou acréscimos. A crítica no justo tamanho. Jorge Braga é quem merece ser respeitado pelo Prefeito.

Dairan Lima disse...

Excelente seu texto.

Mamede Melo disse...

Quando a gente vê, mais um disparate desses papagaios de piratas, ser respondido com tamanha lisura e competência, sentimos renovar a nossa fé no futuro dos nossos netos. Seu brilho é norte pra todos nos, meu amigo.

Taquinho Silva disse...

Meu poeta!

Ana Maria Taveira Miguel disse...

Luiz, um "Um Cravo bem Temperado".Aproveito o título que Bach deu a uma de suas perfeitas composições musicais e venho falar não apenas de Acinte à liberdade como também das crônicas que ultimamente o têm inspirado. Crítico, observador, atual,tudo na dose certa, prendendo a atenção de quem o lê e se vê tentado a se render aos seus argumentos "bem temperados".

Gilberto Mendonça Teles disse...

Luiz de Aquino,
obrigado pela sua crônica, que me pôs a par de uma dessas besteiras que ocorrem, de vez em quando, em Goiás. Estou solidário com Jorge Braga, a quem admiro e a quem devo alguas exclentes caricaturas. Abraço do Gilberto Mendonça Teles

Mara Narciso disse...

É preciso manter a coerência como crítico e como criticado. Dentro dos limites do bom-senso, as sátiras são bem-vindas.