José Veiga e eu na Barraca do Escritor Goiano, na Feira Hippie, em 1982. |
José
J. Veiga, ano 100
Era uma manhã comum de
sábado. E era abril, em 1978. Desde alguns meses antes, eu tinha montado, com o
sonho e a esperança de publicar, o que sabia ser o meu primeiro livro – um
livrinho de contos. E eram os anos do governo do general Geysel, o que falava em
distensão gradual e lenta...
Pois era manhã,
possivelmente dez horas, quando chegamos à casa de Dona Geny, no Largo do
Rosário (Pirenópolis), Luiz Antônio Godinho e eu. Batemos à porta, Esdras nos
atendeu e abriu a porta, tal como sempre nos abria o sorriso e o coração de boa
amiga. Dissemos que queríamos visitar José Veiga e ele surgiu, silencioso e
tímido. Luiz Antônio cuidou de nos apresentar.
Intimidei-me também ante
a timidez do famoso contista. E falei com cuidado que a ousadia de invadir sua
paz naquela manhã de sol e azul tinha a ver com o meu propósito de fazer um
livro...
– Ah! Você também é
escritor? – perguntou-me em tom de surpresa enquanto, num breve salto, punha-se
de pé e nos deixava.
Olhei para Esdras e Luiz
Antônio, nenhum de nós entendeu... E eis que volta José Veiga, trazendo nas
mãos dois livros e uma caneta. A mim ofertou Cavalinhos de Platiplanto e ao
Luiz Antônio, Sombra de Reis Barbudos. E abriu-se de falas, motivando-me a
providenciar logo a publicação dos meus contos.
Ele era assim. Tímido em
princípio, mas capaz de quebrar o gelo ao primeiro sinal de afinidade. Cheio de
bons conselhos – mas não era fácil arrancar isso dele, não... E cheio de ótimas
histórias vividas, que ele só contava quando se sentia à vontade com o parceiro
de conversa.
Foi nesse quadro e nesse
clima que contou-me, dentre outras coisas, de quando viajava de Goiás (a velha
capital) para Leopoldo de Bulhões, onde pegou o trem para o Rio de Janeiro e,
ao longe, erguia-se uma nuvem de poeira – o pó vermelho que, anos depois, daria
nome ao romance de Eli Brasiliense (o primeiro romance ambientado em Goiânia).
– Ali vai ser a nova
capital – disse-lhe o chofer do automóvel especialmente contratado para
conduzi-lo à “ponta da linha”, que era a estação de Leopoldo de Bulhões, em
1935.
Antes da morte de José Veiga, em setembro de 1999, a Rodovia Corumbá-Pirenópolis recebeu o nome do escritor. |
Sob esse mesmo humor,
contava-me de um figurão nos governos de Pedro Ludovico. O funcionário, digno e
cônscio, exemplar cidadão e pai de família, morador na Rua 16, no centro de
Goiânia, fora dos primeiros a adquirir um automóvel, lá pelos anos 40 ou 50.
Acordava cedo e começava a se arrumar, enquanto a mulher lhe preparava o café a
ser tomado com os filhos que seguiriam para as escolas. E tinha sempre tempo
para ir à garagem, pegar o espanador colorido que ficava dependurado sob o espelho
retrovisor interno, remover toda a poeira da pintura escura do Mercury (ou
Buick, ou outro modelo) e, após o café, seguir a pé para a repartição.
Veiga gostava também de
lembrar os tempos de Londres, os passeios a pé, em ônibus ou trem pela cidade e
pelas cercanias. E gostava de metrô, no Rio – morava bem perto de uma estação,
na Glória. De seu apartamento, no último andar de um antigo edifício na Praça
Paris, desfrutava de uma das mais belas paisagens do Rio, com a Marina da
Glória, o Monumento aos Pracinhas, o Aeroporto Santos Dumont e, ao fundo,
Niterói, além da barra da Guanabara.
Em 2007, o SESC de Goiás recebeu em doação o acervo literário de José J. Veiga e instalou-o com dignidade na Biblioteca Central, na Rua 15 (Centro, Goiânia). |
Numa de minhas últimas
visitas a ele, vislumbrei aquela vista e comentei, com euforia, a delícia que
era morar ali. Ao seu modo brincalhão e provocador, sintetizou:
– O apartamento ao lado
está vazio.
Nesta segunda-feira, dia
2 de fevereiro, José J. Veiga completa 100 anos de vida e imortalidade.
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Luiz de Aquino é jornalista e
escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
Não "voltei americanizada", mas me vejo diante de um literata curtindo seu flashback em alto estilo. Poucos têm a sensibilidade de "poer em caronicas" fatos e sentimentos com tanta propriedade, como num filme. Esperando sempre mais e melhor, deixo-lhe meus cumprimentos.
Post Scriptum - Não estranhe se eu continuar achando que literata é substantivo comum de dois gêneros, pois não sou uma anja. rsrsrsrs
Li no site do jornal. Sei da sua admiração por José J. Veiga. Conheço quase nada, mas gostaria de conhecer o seu famoso livro "Cavalinhos de Platiplanto". Agora, pelas suas letras, vou formando uma ideia dele. Será que acho no Google? Beijos, Luiz e obrigada!
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