Espaço José J. Veiga, na Biblioteca Central do SESC: eu e Lucas com obusto de Veiga e a placa dos quais me orgulho |
Quatro
escribas centenários
Enfim, e sob o
silêncio das entidades e instituições locais, bem como da mídia (como anda
desmemoriada a mídia!), começamos 2015, o ano que marca os 100 anos de
nascimento de José J. Veiga (2 de fevereiro), Eli Brasiliense (18 de abril),
Bernardo Élis (15 de novembro) e Carmo Bernardes (2 de dezembro).
Esses goianos (um
deles, nascido em Minas, radicou-se com a família em terras nossas aos quatro
anos de idade: o “patureba” Carmo) destacaram-se a partir da década de 40 como
escritores de realce. Carmo foi o mais completo dos nossos regionalistas,
considerando-se a riqueza e exatidão de seu vocabulário roceiro. Foi premiado
com o prêmio Casa de Las Américas, em Cuba.
Veiga e Bernardo
nasceram em Corumbá de Goiás. Veiga, numa fazenda bem próxima de Pirenópolis, o
que faz com que a vetusta Meia-Ponte o tenha também por filho, e Bernardo na
cidade que sempre me lembra um presépio. Sobre ambos, o escritor José Mendonça
Teles perguntou a Bernardo Élis quando suas infâncias se cruzaram na minúscula
Corumb. Bernardo respondeu de modo pitoresco: “Nunca-não, ele morava na
rua-de-baixo”. Curiosamente, a citada rua-de-baixo dá frente para a Praça da
Igreja e a rua-de-cima era a primeira paralela, isto é, a casa de Bernardo
ficava na mesma quadra, quase que os quintais se dividissem pelo mesmo muro.
Eu e Eli, entrega do Troféu Tiokô, em 1998; |
Eli Brasiliense (autor
de Pium, romance sobre o garimpo do
pequeno povoado de sua Porto Nacional) teve o privilégio de uma boa base
escolar – coisa que, parece-me, era comum nas poucas escolas do antigo Norte de
Goiás, graças à ação educacional dos padres católicos. Migrou para o Sul do
Estado, suponho que sob o chamamento da construção da nova capital. Viveu uns
tempos em Pirenópolis, onde teve uma tipografia. Contava-me meu pai que teve
com Eli o seu primeiro emprego, como aprendiz na pequena indústria. Em
Pirenópolis se casou (era concunhado do saudoso professor Gomes Filho e grandes
amigos). Seu livro Chão Vermelho é
tido como o primeiro romance ambientado em Goiânia.
Bernardo já
desfrutava do respeito da sociedade quando, no mandato do primeiro prefeito de
Goiânia, escreveu Ermos e Gerais, que estreou a Bolsa de Publicações Hugo de
Carvalho Ramos, mantida desde então pela Prefeitura de Goiânia. Seu pai, Erico
(a pronúncia é paroxítona, ao contrário de seu parônimo Érico Veríssimo),
também foi escritor e membro da Academia Goiana de Letras. Bernardo foi membro
efetivo da Academia Brasileira de Letras.
José J. Veiga e eu, na Barraca do Escritor (Feira Hippie, em 1982) |
Deixei por último
o aniversariante do próximo dia 2, José J. Veiga. Aos vinte anos, ele se mudou
da Cidade de Goiás, ainda capital do Estado, para o Rio de Janeiro. De lá,
viajou a Londres, onde viveu a segunda metade da década de 40. Voltando ao
Brasil, casou-se com a Sra. Clérida, ao lado de quem faleceu em 1999, quase
meio século depois. Estreou em livro com Cavalinhos
de Platiplanto, em 1959. Grande contista, aventurou-se também no romance e
foi traduzido em dezenas de países (em breve, será publicado na Holanda). A
Companhia das Letras, que detém o direito de publicação de sua obra, anuncia
novas edições a partir deste ano, festejando o centenário.
Por iniciativa
pessoal minha, o acervo literário de José J. Veiga foi doado ao SESC de Goiás
e, graças ao senso de determinação e sensibilidade do diretor geral Giuglio Cysneiros,
encontra-se dignamente instalado na Biblioteca Central, na Rua 15, em Goiânia.
Pois bem: desde
meados do ano passado, tenho escrito sobre estes quatro grandes das nossas
letras, tentando sensibilizar instituições e entidades, autoridades e líderes
do ambiente cultural e educacional, mas sem êxito. Parece-me que a memória
brasileira está mesmo condenada ao esquecimento. Até onde sei, somente o SESC
prepara uma solenidade para meados de março, em torno de José J. Veiga, sem,
contudo, participação mais destacada dos locais. Mas, é certo, cada um de nós
festejará o autor de Sombra de Reis
Barbudos na plenitude de nossos corações.
* * *
Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da
Academia Goiana de Letras.
4 comentários:
Já conheço José J. Veiga pelas inúmeras vezes em que escreveu sobre ele, Luiz. E ainda que não conheça este e nem aqueles, por ignorância minha, eu os reverencio, pois é indispensável fazermos isso em relação aos que brilharam no passado. Quando chegamos, já encontramos o que construíram, e isso foi indispensável para a nossa existência. Assim, congratulo sua iniciativa e espero que até o fim do ano as autoridades tomem uma providência e os comemore, ainda que em conjunto.
Parabéns Luiz por destacar esses quatro gigantes. Sempre faço algum projeto, com meus alunos, sobre os principais literatos que comemoram centenários, e hoje você já me deu a primeira aula "prontinha"! Belo texto como sempre. Abraços, Luane.
Caro escritor Luiz de Aquino, receba meus parabéns pelo excelente texto sobre os quatro escribas goianos. Conheci pessoalmente todos eles, mas convivi com José Veiga e Bernardo Élis, que inclusive prefaciaram meu livro Travessia.
A Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música fará um evento em homenagem aos quatro, por sugestão sua, falta decidirmos os detalhes.
De qualquer forma, sua crônica é o pontapé inicial para dar início às comemorações. Boa iniciativa.
Parabéns Luiz de Aquino por suas crônicas atuais e atuantes, de certo modo, críticas, a bem de nossa história cultural: Carmo, Bernardo, José J. Veiga, Eli Brasiliense mereciam ser estudados nos colégios, estátua em praça pública. Mas, o que acontece com nosso país que anda a marcha a ré? Nem parece que estamos em pleno século XXI, com meu abraço
Miguel Jorge
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