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sexta-feira, janeiro 23, 2015

Quatro escribas centenários



Espaço José J. Veiga, na Biblioteca Central do SESC: eu e Lucas com obusto de Veiga e a placa dos quais me orgulho 


Quatro escribas centenários



Enfim, e sob o silêncio das entidades e instituições locais, bem como da mídia (como anda desmemoriada a mídia!), começamos 2015, o ano que marca os 100 anos de nascimento de José J. Veiga (2 de fevereiro), Eli Brasiliense (18 de abril), Bernardo Élis (15 de novembro) e Carmo Bernardes (2 de dezembro).


O mais goiano dos mineiros: Carmo Bernardes.
Esses goianos (um deles, nascido em Minas, radicou-se com a família em terras nossas aos quatro anos de idade: o “patureba” Carmo) destacaram-se a partir da década de 40 como escritores de realce. Carmo foi o mais completo dos nossos regionalistas, considerando-se a riqueza e exatidão de seu vocabulário roceiro. Foi premiado com o prêmio Casa de Las Américas, em Cuba.

Veiga e Bernardo nasceram em Corumbá de Goiás. Veiga, numa fazenda bem próxima de Pirenópolis, o que faz com que a vetusta Meia-Ponte o tenha também por filho, e Bernardo na cidade que sempre me lembra um presépio. Sobre ambos, o escritor José Mendonça Teles perguntou a Bernardo Élis quando suas infâncias se cruzaram na minúscula Corumb. Bernardo respondeu de modo pitoresco: “Nunca-não, ele morava na rua-de-baixo”. Curiosamente, a citada rua-de-baixo dá frente para a Praça da Igreja e a rua-de-cima era a primeira paralela, isto é, a casa de Bernardo ficava na mesma quadra, quase que os quintais se dividissem pelo mesmo muro.

Eu e Eli, entrega do Troféu Tiokô, em 1998;

Eli Brasiliense (autor de Pium, romance sobre o garimpo do pequeno povoado de sua Porto Nacional) teve o privilégio de uma boa base escolar – coisa que, parece-me, era comum nas poucas escolas do antigo Norte de Goiás, graças à ação educacional dos padres católicos. Migrou para o Sul do Estado, suponho que sob o chamamento da construção da nova capital. Viveu uns tempos em Pirenópolis, onde teve uma tipografia. Contava-me meu pai que teve com Eli o seu primeiro emprego, como aprendiz na pequena indústria. Em Pirenópolis se casou (era concunhado do saudoso professor Gomes Filho e grandes amigos). Seu livro Chão Vermelho é tido como o primeiro romance ambientado em Goiânia.




Bernardo Elis

Bernardo já desfrutava do respeito da sociedade quando, no mandato do primeiro prefeito de Goiânia, escreveu Ermos e Gerais, que estreou a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, mantida desde então pela Prefeitura de Goiânia. Seu pai, Erico (a pronúncia é paroxítona, ao contrário de seu parônimo Érico Veríssimo), também foi escritor e membro da Academia Goiana de Letras. Bernardo foi membro efetivo da Academia Brasileira de Letras.

José J. Veiga e eu, na Barraca do Escritor (Feira Hippie, em 1982)
Deixei por último o aniversariante do próximo dia 2, José J. Veiga. Aos vinte anos, ele se mudou da Cidade de Goiás, ainda capital do Estado, para o Rio de Janeiro. De lá, viajou a Londres, onde viveu a segunda metade da década de 40. Voltando ao Brasil, casou-se com a Sra. Clérida, ao lado de quem faleceu em 1999, quase meio século depois. Estreou em livro com Cavalinhos de Platiplanto, em 1959. Grande contista, aventurou-se também no romance e foi traduzido em dezenas de países (em breve, será publicado na Holanda). A Companhia das Letras, que detém o direito de publicação de sua obra, anuncia novas edições a partir deste ano, festejando o centenário. 

Por iniciativa pessoal minha, o acervo literário de José J. Veiga foi doado ao SESC de Goiás e, graças ao senso de determinação e sensibilidade do diretor geral Giuglio Cysneiros, encontra-se dignamente instalado na Biblioteca Central, na Rua 15, em Goiânia.

Pois bem: desde meados do ano passado, tenho escrito sobre estes quatro grandes das nossas letras, tentando sensibilizar instituições e entidades, autoridades e líderes do ambiente cultural e educacional, mas sem êxito. Parece-me que a memória brasileira está mesmo condenada ao esquecimento. Até onde sei, somente o SESC prepara uma solenidade para meados de março, em torno de José J. Veiga, sem, contudo, participação mais destacada dos locais. Mas, é certo, cada um de nós festejará o autor de Sombra de Reis Barbudos na plenitude de nossos corações.

* * *


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



4 comentários:

Mara Narciso disse...

Já conheço José J. Veiga pelas inúmeras vezes em que escreveu sobre ele, Luiz. E ainda que não conheça este e nem aqueles, por ignorância minha, eu os reverencio, pois é indispensável fazermos isso em relação aos que brilharam no passado. Quando chegamos, já encontramos o que construíram, e isso foi indispensável para a nossa existência. Assim, congratulo sua iniciativa e espero que até o fim do ano as autoridades tomem uma providência e os comemore, ainda que em conjunto.

Luane Rosa disse...

Parabéns Luiz por destacar esses quatro gigantes. Sempre faço algum projeto, com meus alunos, sobre os principais literatos que comemoram centenários, e hoje você já me deu a primeira aula "prontinha"! Belo texto como sempre. Abraços, Luane.

Adriano Curado disse...

Caro escritor Luiz de Aquino, receba meus parabéns pelo excelente texto sobre os quatro escribas goianos. Conheci pessoalmente todos eles, mas convivi com José Veiga e Bernardo Élis, que inclusive prefaciaram meu livro Travessia.

A Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música fará um evento em homenagem aos quatro, por sugestão sua, falta decidirmos os detalhes.

De qualquer forma, sua crônica é o pontapé inicial para dar início às comemorações. Boa iniciativa.

Miguel Jorge disse...

Parabéns Luiz de Aquino por suas crônicas atuais e atuantes, de certo modo, críticas, a bem de nossa história cultural: Carmo, Bernardo, José J. Veiga, Eli Brasiliense mereciam ser estudados nos colégios, estátua em praça pública. Mas, o que acontece com nosso país que anda a marcha a ré? Nem parece que estamos em pleno século XXI, com meu abraço
Miguel Jorge