Páginas

sábado, novembro 21, 2015

Pilotando submarino


Houve um tempo no Brasil em que as pessoas investidas em cargos públicos eram tratadas com respeito. Sempre se soube, porém, que entre aqueles notáveis haviam canalhas, corruptos, sujeitos insensíveis e até capazes de matar (ou mandar matar). É que o poder inebria. E aos que no poder estão compete tomar decisões graves, irreversíveis! E os do poder têm a posse das chaves dos cofres que abrigam o volume do butim... Desculpem! O montante dos impostos, taxas e multas.

Há 51 anos, um grupo de generais egressos da II Guerra Mundial (quase todos formados e forjados no ambiente dos quartéis-escolas do Rio Grande do Sul) procurou apoio financeiro e político entre os insatisfeitos com o presidente da época e montou o golpe que impôs 21 anos de ditadura ao país. Ora! Quando um grupelho de militares proclamou – no grito! – a República, teve de se valer de civis para montar os governos que se formataram na República – e recorreram a antigos ministros do império, nobres que perderam seus títulos mas aproveitam o convite dos golpistas para permanecer no poder.

O mesmo se deu durante e após a redemocratização. Pessoas intimamente ligadas ao poder do arbítrio, e o maior exemplo é José Sarney, desapearam do militarismo e continuaram poderosas nos novos tempos “democráticos”.

Tudo isso eu digo para que o leitor reative os neurônios das análises. As ligações políticas são imprevisíveis para a consciência racional, mas indispensáveis para pessoas assim – feito mariposas em torno da luz. E as surpresas, mesmo com a repetição dos processos, continuam. Nosso exemplo mais recente é a mudança de discurso da secretária Raquel Teixeira quanto à contratação de organizações sociais para administrar escolas. Todos sabemos da incompetência de professores e médicos para administrar unidades de saúde, bem como as barreiras complicadoras das leis rigorosas como a da licitação (rigorosas, mas incapazes de conter muitos atos ilícitos). E milhares de famílias sabem da angústia de ver seus filhos acolhidos em escolas depredadas, sem água ou higiene, infestada de insetos e roedores nocivos.

Mas a secretária da Educação – que este ano absorveu a Cultura e o Esporte, mas que vem desmantelando o que conquistamos nas últimas décadas – posicionou-se ao lado dos movimentos partidários contrários ao governo e, por isso, contrários também a medidas inovadoras capazes de melhorar o quadro. Nas mídias sociais, há vídeos disponíveis da professora Raquel discursando contrária à medida – mas subitamente, ela desembarcou em Goiânia, vinda da Europa, com uma fala favorável ao que ela contestava.

Bem! Não sou contra mudanças de opinião. Mas neste caso o processo ficou um tanto misterioso. Em poucos dias, e são dias recentes, ela suspendeu a participação do Estado numa feira literária, causando constrangimentos a muitas pessoas, inclusive a acadêmicos da Academia Goiana de Letras previamente chamados a proferir palestras remuneradas. Depois, suspendeu o Canto da Primavera (festival de música que acontecia anualmente em Pirenópolis) e o Festival de Teatro de Porangatu.

Motivos? Falta de recursos. Mas bem lembrou nas redes sociais a jornalista Cileide Alves: os xous de sertanejos já contratados também serão suspensos? E suponho eu que alguns deles devem custar bem mais que o Canto da Primavera ou o Festival de Teatro. E não faltam também críticas a outros gastos – como as excessivas viagens da secretária.

Ah! Suspendeu também – ou, como disse ela, adiou – o pagamento do Fundo de Cultura aos projetos aprovados. Dá para acreditar?

***


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

2 comentários:

Mara Narciso disse...

Corajosa denúncia Luiz. Como se diz aqui no norte de Minas: é coisa!

Sueli Soares, professora e advogada. disse...

Quem passou 38 anos em sala de aula sabe a dor que os frequentadores de gabinetes provocam nos vocacionados. Tive três projetos abortados e hoje vejo o Romário querendo levar noções de Direito Constitucional às escolas. Vi alunos decorando textos e impedidos de desenvolver o raciocínio. Meu trabalho foi boicotado e meus ideais considerados utópicos (ouvi e chorei por isso numa aula inaugural). Aos nossos jovens está sendo ofertado o circo e negada a oportunidade de conquistar o pão com o suor do próprio rosto. Esporte e Cultura não significam chutar bola e subir ao palco sob os aplausos de uma plateia ensandecida, como muitos pretendem. Já não me resta muito tempo para sonhar com uma Pátria Educadora "de verdade"!