Livros,
autores, bibliotecas e poder
Tem sido difícil
acompanhar noticiários escritos e orais! A boa escrita – aquela que respeitava
ortografia, regência, conjugações e concordâncias – foi para o beleléu (insisto
na gíria da minha infância, de tão boa lembrança). E junto com a falência da
escrita vivemos a falência moral entre os políticos e militantes, bem como o
descaso abusivo do segmento empresarial, sobretudo pelos cursos de
“capacitação” (nome novo para treinamento), nos quais os tradicionais casos
exemplares passam a se chamar “cases” (pronuncia-se “queises”), experiência
virou “expertise” e surgiram novas palavras: empreendedorismo, acabativa e
empregabilidade.
A falência moral é
decurso direto da falência da linguagem. O antes respeitável Ministério da
Educação tornou-se um amontoado de gabinetes em que ociosamente se tratam de
métodos de ensino em nada eficazes e libera-se a linguagem para sobrepor o
conceito “se a comunicação se deu, tudo bem”. Mas a linguagem culta continua
exigida em concursos como ENEM, vestibulares e para emprego público.
Aprendi, muito
cedo, que uma peça jurídica de qualquer natureza tem que ser escrita em
linguagem culta, com o rebuscamento de vocabulário apropriado e, não raro,
inserções latinas para riqueza dos estilos. Isso de expressões latinas causa
risos, pois os novos bacharéis, advogados, magistrados, procuradores etc. as
praticam sem um conhecimento ainda que empírico da língua-mãe das tais
neolatinas. Mas o que se tem visto... Ah!
O que nos falta?
Leitura! Sim, só isso – leitura. Ziraldo, o mais famoso propagador da máxima
“ler é mais importante que estudar”, deixa claro: estudar as pessoas entendem como
frequentar escola; mas frequentar escola é fácil e simples, até porque, hoje,
por orientação oficial ou oficiosa do MEC vulgarizado (vulgar não é o mesmo que
popular), é proibido reprovar. A leitura bem praticada trará de volta os
valores morais, tão em falta hoje!
Converso, nesta
manhã de sábado, com uma amiga do interior. Graduada (licenciada) em Letras,
não gostou do curso. Preferiu continuar leitora voraz a consumir seu tempo
em salas de aulas, praticando um ensino falho, orientado por burocracias
frágeis e contraditórias, impedida de bem-ensinar. Voltou à universidade,
cursou Direito. Gostou tanto que consegue ver poesia na Constituição Federal.
Falamos de livros,
bibliotecas, autores, empresários e políticos – e professores, claro! Na
universidade em que cursou Letras, há uma cadeira de Literatura Goiana – mas
nada se viu e todos foram aprovados. Citei dois irmãos, escritores, seus
conterrâneos – ela não os leu porque não encontra seus livros na cidade. Nem na
biblioteca pública!
Contei-lhe que
pensei em doar livros a bibliotecas públicas, mas desencanta-me saber que,
sempre que o fiz, percebi meses depois que meus livros desapareceram de lá. E
desencanta-me saber que, nestes cerca de 40 anos de atividade literária, somente
uma biblioteca quis comprar meus livros – a do SESC de Goiás. Mas dezenas
delas, de todo o país, pedem-nos livros em doação, e temos de doar e custear a
remessa por correio ou transportadora.
Minha amiga
lamenta ter emprestado o único livro já editado sobre a história de sua
cidade–cidade importante do sul de Goiás. A pessoa que o tomou por empréstimo
tomou-o literalmente – não quer devolver. A obra, de poucos exemplares, não se
encontra nos sebos nem em qualquer lugar a venda. Sugeri que alguma grande
empresa local ou a prefeitura devia reeditá-lo, mas ela recordou que “nem
empresário nem político quer saber de livros”.
Paciência...
*****
Luiz de
Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
14 comentários:
Como sempre, caro Aquino, texto "fumeta". Nosso caminhar trôpego, diga-se, levará a neo-barbárie (já que tanto usam o neo pra cá, neo pra lá), cujo embrião/início, infelizmente, ocorre em nossa geração. Mesmo assim, abraços e bom final de semana.
Pedro
ps: "fumeta", termo que utilizávamos em Passo Fundo, nos idos dos 1960, para designar alguém melhor do que todos os outros. O cara é fumeta!!
Querido Aquino consumi o seu texto e me consterno diante dessa realidade, apesar de saber exatamente como sua amiga que essa é a forma conduzida pela condição cultural tão falha de nossos governantes e consecutivamente da população.
Eu também tive dificuldade de acompanhar a literatura Goiana pois morava no interior e a dificuldade de conseguir os exemplares editados inclusive nas livrarias.
Hoje tento alcançar, porém sei que estarei sempre correndo atrás.
Mas fica o alerta feito a quem possa deixar a imagem dos momentos em que lendo possamos ser exemplo a nossos filhos ou a quem possa.
E que a semeadura seja a constância.
Obrigada Poeta.
Salve, poeta. "Salve" com sua pena a escrita e o prazer da leitura.
Muito bem Luiz De Aquino Alves Neto, abraço e ótimo fim de semana !
Preguiça, ignorância e prepotência se unem para detonar a literatura. Pronto. Falei.
Ler e escrever. Ensinar e aprender. Pensar e se expressar. Compreender e comunicar. O que estas palavras, ou melhor, conceitos, significados e sentidos nelas condensados, têm em comum? Muita coisa, dirão alguns. Ler implica em compreender, da mesma forma que escrever implica em comunicar – poderá ser uma boa resposta. Ainda assim, muito da relação entre essas palavras, e entre as ideias por elas envolvidas, ficará nebuloso, obscuro. E nada melhor que consultar alguns de nossos grandes mestres para enxergarmos com maior lucidez o dinamismo por trás da ligação entre esses termos, tão usados no dia a dia da maioria de nós, independentemente de classes sociais ou intelectuais.
Arrasou parceiro!
Perfeito !!!!
Concordo totalmente meu amigo querido !!!
Meu amigo!Quero ser como você, uma eterna aprendiz...
"Livro para voar / abri as páginas / e me lancei no ar..." (J. Azevedo)
É certo que novas palavras mantém a língua em movimento e ultrapassam fronteiras. Entretanto, é prudente, penso, que seu emprego (das palavras) observe as regras da comunicação. Detive-me no segundo parágrafo da crônica e arrepiei-me diante do "conceito", que nos causa espanto. Embora considere elegante o uso de expressões em Latim nas peças jurídicas, sempre tive cuidado ao empregá-las. Igualmente, julgo dispensável o excesso de citações jurisprudenciais e doutrinárias, que muitas vezes só engordam os processos, fazendo-os arrastarem-se desnecessariamente. Permita-me discordar do nosso inesquecível Ziraldo, mas ler não é mais importante que estudar e nem todos entendem, felizmente, que estudar seja frequentar escola. Ler e não interpretar serve para quê? Acredito na leitura orientada e na predisposição de saber ouvir. Que saudade da boa escola pública!
O meu desespero é real. O eterno sentir que não vai dar tempo de ler todos os bons livros que me aguardam na prateleira amadeirada da vida. A ansiedade de contar as páginas restantes pro final de uma história e a satisfação dos livros jogados pela casa, sem mais lugar na velha estante.
Meus dedos coçam pelo peso de um livro e sentem as dores e delícias do meu vício em leitura. Do virar frenético de páginas e da areia nos olhos da manhã seguinte a um último capítulo. Do cheiro abaunilhado da lignina naqueles livros caçados no sebo da cidade. Gosto de frequentar sebos, onde me delicio a caça de um bom livro. Nas livrarias, me perco no tempo, olhando os possíveis livros que me prendem a atenção. Não tenho preferência por gêneros, mas história e filosofia se destacam no meu gosto entre as diversidades literárias.
Nossa língua portuguesa, tão pobrinha e tão bela. Ainda bem que há alguns que com ela se preocupam.
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