O
golpe e a culpa
Incrível chegarmos
a 2016 em meio a uma incontrolável crise política, agravada pela decorrência na
economia, constatando que a insegurança na realidade evoca lembranças
disformes. Refiro-me às pessoas que evocam os “tempos dos militares” como
panaceia para o desemprego de quase dez milhões de trabalhadores, o
endividamento preocupante de quase 60 milhões de famílias e a descrença
nacional às falas e feitos dos políticos.
Hoje, alguns fatos
que caem na delicada malha da Justiça eram corriqueiros e tolerados há dez,
quinze e vinte anos, quando chegavam ao conhecimento do populacho – essa massa
humana de que todos fazemos parte, mas há pessoas que acreditam (escrevi isso
há uns anos, muitos), “povo é todo mundo menos eu” (sem vírgula).
O jovem Lulinha
ter ficado rico causou orgulho de brilhar os olhos do pai presidente, que o
definiu como “o Ronaldo dos negócios”. Há pouco mais de 30 anos, a imprensa
insinuava – a expressão máxima possível na época – sobre práticas duvidosas de
um filho do presidente general Figueiredo.
As denúncias e as
subsequentes investigações da Polícia Federal e do Ministério Público,
subsidiando a Justiça, resultaram na prisão e muitas revelações, em
interrogatórios e delações premiadas, de executivos de poderosíssimas empresas.
A bola da vez, nos últimos dias, é a Odebrecht, mas praticamente todas as
grandes empreiteiras estão no “index” da 13ª. Vara Federal do Paraná, que tem o
juiz Sérgio Moro por titular e muito eficaz vigia do bem público e esperança de
restauro da dignidade nacional. Só que essas mesmas siglas e marcas, logos e
líderes já eram notados há uns 40 anos (ou pouco mais) pelos que observavam,
sem muito poder dizer, as andanças de ministros midiáticos, coronéis e generais
truculentos, tropas carrancudas e duros coturnos, cassetetes e sabres
opressores, violentos, dolorosos.
Sim, eram os
tempos de Transamazônica, Itaipu, Ponte Rio-Niterói, estádios e autódromos,
radinhos de pilha nas arquibancadas e tribunas de honra,
eu-te-amo-meu-brasil-eu-te-amo /
meu-coração-é-verde-amarelo-branco-e-azul-de-anil, com premiação, aos
cantores-compositores, de 30 milhões (que moeda era mesmo? Mudava tanto!). E,
por falar nisso, cadê aqueles cantores, hem? Eram os ídolos do general Médici e
de ordenanças em sua equipe (SNI, Doi-Codi, polícias estaduais com e sem
fardas, os os federais – naquele tempo, nada admirados pela população).
A truculência e as
bravatas, atitudes irritantes, eram praticadas a torto e a direito – mas não
desapareceram quando as fardas se recolheram aos quartéis. Newton Cruz,
general, ostentava autoridade e ignorância – na mesma ênfase de Lula nesta fase
pós paz-e-amor. E Figueiredo mantinha o nariz erguido, não dando bolas aos que
o cercavam, e nisso é seguido por Dilma. Inesquecível a resposta dele a um
repórter, ao ser perguntado “o que acha do cheiro do povo?” – Prefiro o cheiro
dos cavalos – disse ele.
E aí convivemos
com tentativas anacrônicas de se tentar nublar as aparências, como nomear Lula
para escapar de Sérgio Moro. Ou de aplicar o eufemismo “golpe” sobre as
investigações da Justiça (e polícia com Ministério Público) e sobre o
questionamento político sobre abusos de campanha – coisas por demais evidentes.
E se não bastasse aos militantes – apelido carinhoso dos eternos cabos eleitorais
– aplicar a pecha de “golpe”, até mesmo estudantes e profissionais de Direito
(eles gostam de dizer “operadores), alguns até detentores de currículos até
então respeitáveis repetem a ladainha.
E ninguém menos
que Dias Toffoli, o ministro nomeado por ser amigo e advogado do PT e de Lula,
abriu a fila dos que esclareceram que a medida é legal e constitucional, ou
seja, não é golpe.
Contudo, a
primeira mandatária, inconformada porque o Itamarati desautorizou uma circular
enviada ao exterior “informando” o andamento de um “golpe” que sugeria uma
“ditadura do judiciário”, ela própria chamou jornalistas estrangeiros
(correspondentes) para denunciar ao mundo “o golpe” que a ameaça.
Na ditadura
tínhamos de engolir; agora, temos a Justiça podendo agir. Mas os que têm
saudade e gostariam de “ter estado lá” dizem que recorrer à Justiça é golpe.
*****
Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
2 comentários:
O pessoal pede a volta da Ditadura. Sera que essa gente não viveu o período das Diretas Já? A reclamação era geral na época do Figueiredo. Chega da chamada modernização conservadora.
Impeachment é um recurso legal de impedimento quando o mandatário comete crime. Não é golpe. Golpe são as andanças sinistras de Michel Temer, ou o pedido de afastamento de Eduardo Cunha sem base legal, sem crime de responsabilidade. O governo está desastroso, mas a oposição está pior e até lhe faz sombra. Que se confirmem os erros e seja seguida a Constituição. Só não sabemos quem ficará no lugar de Dilma. As opções são desanimadoras.
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