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domingo, junho 18, 2006

Rondó de menino pobre

Era caldo de manga madura
correndo amarelo no peito pelado.
Era bola de meia no meio da rua
ou a tarde de sol na beira do córrego
– era assim que eu era criança.


Eram tardes inteiras fechado em casa,
a cara no meio da meia-janela,
vendo passar devagar pela tarde
boiadas inteiras de bois curraleiros
– era assim que eu era criança.


Era um tal de acordar muito cedo,
beber leite quente e pedir a bênção à mãe,
correr para a escola e dar a lição todinha de cor
ante a brabeza de Dona Vanda professora
– era assim que eu era criança.


E quando chegava o tempo das chuvas,
as ruas desnudas perdiam o pó e tudo era barro.
Eu fazia barquinhos de jornal e construía pontes
sobre os rios miúdos e torrentosos
– era assim que eu era criança.


Não havia televisão nem brinquedos eletrônicos,
astronauta era mentira de livro de ficção.


Nos tempos de mais calor, eu caçava vaga-lumes
na escuridão das noites de minha infância
– era assim que eu era criança.


Um dia, cresci depressa.
Criei barba, falei grosso, troquei as calças curtas
por roupas de gente grande.
A escolinha se acabou e aprendi contas maiores.
A língua mudou de jeito, diziam “rau ariú, um beijo,
ai loviú” – virei rapaz duma vez.


Não mais o cascalho das ruas, não mais.
Não mais a lama das chuvas,
futebol no meio da rua, coalhada antes de dormir.
Não mais brincadeira de pique, estilingue,
finca ou carrinho; não mais banhos de córrego
nem medo de chinelo velho – chantagem feito ameaça
dos pés para as mãos de mamãe.


Hoje, a barba grisalha e os filhos não mais crianças,
dói fundo no fundo do peito
a saudade do menino magricela
– era assim que eu era criança.

(do meu livro Sarau; Goiânia, 2003)

16 comentários:

Anônimo disse...

Querido amigo, seu poema transporta-me ao meu tempo de criança, as coisas simples da vida, e creia-me quanta saudade!!!
Que inveja do poeta, que consegue transmitir em palavras nossos mais puros sentimentos, recordações, compreendendo que naquela simplicidade existia a sensibilidade mais pura.
Ser poeta, é um dom divino, e você foi abençoado. Continua escrevendo e eu, me embebedarei na fonte cristalina de seus poemas e serei assim abençoada com o mais puro sentimento do ser humano, o amor fraterno, a viagem para dentro de sí mesmo.
Abraços...

Anônimo disse...

Este poema eu já conhecia e é um dos seus mais lindos, neste gênero. Além da grande beleza, evoca na gente a lembrança da própria infância. Também chupei muita manga, com o caldo amarelo pingando dos cotovelos, gostava de olhar a chuva, de brincar no quintal e subir em árvores
Muito lindo lembrar de tudo isso, através de seu poema !

Robson Lius disse...

Professor!!!
Leio seus textos e poesias há algum tempo....qualquer hora dê uma passada no meu blog também...
Um abraço!

Ademir A. Bacca disse...

Aquino,
este teu poema me emociona desde que eu o li pela primeira vez, lá atrás na curva do tempo.
muito bom este teu cantinho, voltarei sempre
abraços

Anônimo disse...

Amigo,
demoro mais do que gostaria para dizer de suas criações, mas é porque elas não merecem, somente um "gostei", um "legal" ou um "bom", ainda que se acrescente "muito" a estes adjetivos que, todos, você bem sabe se adequam, pois o melhor de toda sua obra é você mesmo gostar dela. Isto porque você tem um bom gosto incrível, uma responsabilidade irritante, um senso crítico apurado e uma veia poética pulsante, tudo dentro de uma embalagem que esbanja alegria e não deixa fugir um quê de criancice marota que é o tempero deste belo resultado que me faz orgulhosa de poder conhecer e conviver, mesmo que de longe.
Não tive exatamente a infância de menina pobre, não tive um córrego por perto, não tive os bois, o barro, os vagalumes. A bola era de couro, a vista da janela de concreto, pra escola eu ia de carro, havia televisão e mesmo brinquedos eletrônicos. Ah, nunca fui magricela, rs Mas bem me sujei de manga, brinquei no meio da rua, busquei as águas das mangueiras, acordei de manhãzinha, dei muitos beijinhos na mamãe e na babá, fiz barquinhos e chapéus de jornal, rondó de criança...
Você me despertou, sim, a saudade da menina que, hoje, anseio, reviver nos netos que demoram.

Anônimo disse...

Caro Luiz, boa tarde. Meu nome é Conrado, sou filho da Carmen Chiaradia, que estudou com você no Rio de Janeiro. Creio que tenham se falado durante estes últimos dias. Li seus textos e devo afirmar que as poesias são muito interessantes e a forma com que você escreve nos traz uma tranquilidade incrível. O tema voltado à infância traz lembranças incríveis e seu dom para com as palavras é fantástico. Escrever é um presente que procuro também aproveitar. Quando puder e se houver interesse, dê um pulinho em meu blog - http://diasanormais.zip.net - e comente. Lá as palavras são mais simples e as imagens costumam falar mais! É para descontrair... Um grande abraço e prazer em conhecê-lo.

Salomão Sousa disse...

As nossas viagens são as mesmas, com as mesmas íris e o mesmo sol, o mesmo terreiro de chão goiano. O difícil, para nós, é abrir porteiras para fora de nosso rincão. Vamos manter viva a nossa infância, senão perdemos a nossa rebeldia.

Anônimo disse...

"Não peça a um poeta

que escreva sobre um tema.

Ele não saberia, porque não é redator:

é poeta!

E sendo assim,

só escreve quando a inspiração

aflora à sua mente"...

Luiz, e quanta inspiração você teve ao escrever esta poesia, linda, você transportou-me para minha infância,voltei para 1957 até 1963...Qantas saudades da minha vida rural, saudades de meus avós maternos,e paternos, saudades
de quando vivia na fazenda com meus pais, e irmãos...Ah!!!! Só saudades!

Luiz, que Deus continue te abençoando, iluminando, e que sua inspiração seja constante, para nos presentear com belas poesias!
Beijo.
L.G.F

Anônimo disse...

Que deliciosos lugares e tempos esse poema nos leva! Sua infância, poeta, parecida com tantas outras... Mas, são poucos aqueles que a eternizam em poemas tão lindos como esse.
Lembrou-me, que ainda hoje, quando chupo manga, chupo-a escondida para ter o seu caldo escorrendo pelas minhas mãos e braços e nesse momento resgatar , um pouquinho, aquele prazer que só uma criança sente nessas pequenas coisas. Adoro seus poemas!

Gr@ciene disse...

Rondò de menino pobre

Querido amigo virtual, mas que no coraçao ja tomou o lugar de um amigo real. Esses teus versos me levam tambem ao meu tempo de criança, tudo igual mas ao feminino. Mas a dor maior nao foi crescer, foi deixar o meu Brasil que me relembrava todos os dias esses tempos passados. Estou aqui agora, na Italia, vivendo em tuas palavras, o meu tempo de menina.

Anônimo disse...

Que lindo este poema!

Anônimo disse...

Que lindo este poema!

enleio

Anônimo disse...

Meu nome é Ligia e moro em João Pessoa.
Estava pesquisanndo no google um poema para o Dia das Crianças quando vi o seu "Rondó do menino pobre".
Gostaria de publicá-lo no meu outro blog:
http://enleio.nafoto.net/

Obrigada

Ligia

Wanda disse...

Luiz, poeta querido...
Você faz a gente sentir saudades de tanta coisa boa!
Também tive uma infância de muitas brincadeiras, muita manga madura, primos e alegria.
Obrigada por me fazer relembrar.
Bjim.

Wanda

Rosy Cardoso disse...

Lindo!lindo!
Desde qu o li em seu livro Poesia Completa ...o intitulou de "meu".

Lea Paz disse...

Não sou nenhuma especialista em poemas amigo Luiz de Aquino, mas posso dizer que de sentimentos entendo bem, seu poema é deveras lindíssimo,e me fez lembrar dos meus tempos de criança. Cada dia aprendo mais convivendo com um poeta tão sensível e intenso como você...