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“Por toda a minha vida, eu sei”... Há coisas que não fazemos por partes, e uma delas é viver: não se vive aos pedaços. Muito e quase tudo se diz da TV Globo, mas nunca se poderá dizer contra a qualidade de seus programas especiais, como este da quinta-feira, uma seqüência de “flashes” da vida de Elis Regina. Magistral, não fosse tão curto.
“...que vou te amar. E cada verso meu será”... Será um dia, um gesto, uma decisão. Atravessei, desde os 18 anos, o agreste da falta da liberdade, que nos é chuva do bem que encharca a terra dos nossos sonhos. Aprendi, primário dos anos cinqüenta, as maravilhas do mundo, os nomes de peso de cientistas, artistas das formas em duas ou três dimensões, músicos e poetas; aprendi os guerreiros teimosos, como Bolívar e José Martí, e filósofos eternos, feito Sócrates ou Ghandi, o guerreiro da paz. E sei agora da Fazenda do Encantado, com um mil e setecentos alqueires de legítima reserva de cerrado, em bichos e plantas.
É beira do Araguaia, rio manso e forte. Manso? Que nada!... Rio marco de divisa-união, Goiás e Tocantins de cá, Mato Grosso da banda esquerda. Batista Custódio é teimoso. E também faz dos dias da vida versos de ação. Ou decisão, conforme o dia. Ou o caso. Tem lá aquele muro, cem metros de longo, paralelo à margem, alicerce cavado de oito metros, porque o Araguaia não é manso quanto nós; nós rugimos sem violência; ele ataca sem rugir. Águas que lambem barranca e invade chão, constrói lezírias.
Sobre o muro pousarão estáticos nomes de sempre. Desde Sócrates até JK, sem esquecer o Sidarta e o Rabi da Galiléia, Hipócrates e Nossa Senhora, a mãe do Nazareno, São João (o Batista), o voador Dumont de Minas e Paris, Einstein, Homero e Castro Alves. Vinte e três estátuas: menos que as canções de um cantor em discos vários, ou que os poemas de um poeta de esquina, feito eu.
Elis Regina cantava... E cantava versos de braveza, buscava letras-reportagens que contassem o Brasil da exceção; contou de chibatas e morreu feito a vítima derradeira a dar a vida nas mãos sangrentas do regime: ironicamente, houve um Shibata a “periciar” sua morte. Enquanto a ouvia, imaginava o muro da Fazenda Encantado, reserva biológica. Batista Custódio, jornalista e visionário, trocou o ganho da soja e dos bois pelo prazer de plantar centenas de milhares de novas vidas vegetais; com isso, fez ressurgir animais vários: “As onças nunca atacam o homem”. E diz mais: “Marreco é valente, enfrenta raposa; se voasse, não morria, mas ele enfrenta a raposa o leva já morto”.
No Encantado, nem ratos podem ser mortos, eles integram a cadeia alimentar; que morram, pois, naturalmente. E Elis cantava o hino da anistia: “Caía a tarde, feito um viaduto”. E diz, na canção de Aldir e Bosco, de um Brasil “que sonha com a volta do irmão do Henfil”. E havia quem não quisesse a volta do irmão do Henfil!
Já cheguei aos 61 anos; não quero viver muito mais, não. Mas quero viver para ver o muro com as 23 estátuas dos que fizeram esta humanidade. Gostaria de viver para ver o fim da onda de ações do chamado “crime organizado”, este que patrocina universitários, forma advogados e médicos, engenheiros e pedagogos que lhes assegurem a organização de suas empreitadas. Gostaria de viver para ver o fim do “crime do colarinho branco”. Mas, minha gente, para que tanto? Elis tinha a minha idade e foi-se aos 36 anos. Estou dentre os que nada fazem, mas esperneiam.
Na parede em frente, o hino do Colégio Pedro II; somente no ano passado percebi que, desde 1958, fiz daquele hino uma trilha para a vida. Espero poder continuar. Essa trilha evita a omissão, pois acredito nos versos: “Alentemos ardente / a esperança de buscar, de alcançar, de manter / no Brasil a maior confiança / que só pode a ciência trazer”.
E ciência, queridos e amadas, é escrever; é cantar; é plantar. Plantemos nossos ideais, que os sonhos acontecem.
6 comentários:
Olá Luiz,
Essa sua lembrança da Elis foi divina, pois ela nos deixou tão cedo, e tinha tanto para contar e cantar...
O programa foi pequeno sim, como a
sua própria vida, sempre fica quando se trata da Elis, em sabor de quero mais...
"Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais"
É nessa letra que embalei a minha vida atual, e estou feliz.
Amigo meu, um super 2007!
Lu Colossi
Agora ficará faltando apenas 69 para completar 7000 visitas. Parabéns pelo assédio cultural!
Não comentarei a crônica, ela já fala por si, qualquer coisa que disser, será vã.
Se tiver um tempinho passe lá em casa,´nem precisa chamar, é entrar, vou te deixar os endereços, tenho 3 casas:
www.santacruzdegoias.com
http://santacruzdegoias.nafoto.net
www.recantodasletras.com.br/autores/fatimaparaguassu
Um grande abraço
Feliz Ano Novo!
Tá vendo voce diz que não te visito, é que nem sempre deixo minha marca.
Oi, Luiz!!
Hoje, deixo registrada a minha visita. Ler suas crônicas e poesias é sempre um grande prazer e aprendizado. Esta, está perfeita!!
Parabéns
Abraços, Dilma
Oi Luiz, como vai?
Sua cronica , Encantado.. Encantou-me . Penso que foi um brinde para a entrada do Ano Novo, muito colorido com passes de magica mesmo. Da pra sonhar vendo esse muro com pessoas que marcaram o tempo a que voce se refere. Na verdade as pessoas deveriam viver mais neste mundo encantado que voce tao bem retrata com sua pena de artista.
Amo voce. E tudo que voce escreve. Muito sucesso neste ano 2007. Voce merece.
Poeta-cronista, doutor em palavra-arte que desenha tanto a alma da mulher quanto os anseios do pescador ribeirinho, como falar de "Encantado; por toda a vida" se só o seu vocativo, tão adjetivado, já nos exaure? "Encantado; por toda a vida" é texto para ser repensado; para ser comentado daqui a, quem sabe, 20 anos, como certo poema seu. Por ora, ele é "Educação pela pedra", de João Cabral - de uma pedra que ensina mudanças em vez de sofrê-las ao longo dos tempos; de uma pedra que quanto mais ganha forma com as lapidações da vida, mais pedra forte se torna.É "lição de pedra"de dentro prá fora, como no sertão de João Cabral de Melo Neto, mas é também lição da pedra da filosofia empírica do homem-poeta-cronista.
Amigo Luiz,
Obrigado por me ensinar mais uma palavra: lezíria. Isto já não me acontece todo dia.
Um abraço grande
Herondes
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