Páginas

quinta-feira, abril 26, 2007

Secretárias e “telecol”


Secretárias e “telecol”


Ah, se não bastasse tudo o que já se viu... E se viveu! Dores, misérias, guerras, acinte, cinismo, arbítrio, vilipêndio, violência... Não bastasse o lado ilusório e cínico, mentiroso e sedutor da publicidade (seja ela comercial ou política), não bastasse o temor que nos impingiam os religiosos (é passado? Parece-me que há algo de passado neste presente, ainda), não bastassem os castigos domésticos e o medo do ridículo...

Agora somos alvos de outras formas de tortura. Como o som agressivo da propaganda aos gritos, nas tevês e nos rádios; e o som dos automóveis que se deslocam a 20 km/h pelas ruas, anunciando verduras, lingüiça (logo, logo não terá trema) e rapadura; jornais, remédios e enxovais... Ano que vem, gritarão aos nossos ouvidos qualidades contestadas de candidatos municipais: uns desconhecidos, outros conhecidos até demais.

Mas existe ainda a agressão sonora individual. Esta vem por conta de profissionais de “telecol” e secretárias, sejam elas executivas ou recepcionistas. São os campeões do gerúndio e do presente-contínuo, tempo de verbo inglês que alguns executivos egressos (e sobreviventes) de “intercâmbios culturais” impingem sobre o incauto brasileiro. Algo assim:

“Boa tarde, em que posso estar ajudando? Ah, sim, mas o doutor Albuquerque não pode atender, ele está em reunião com o supervisor; o senhor pode estar retornando às dezessete horas? Ou, se quiser, eu posso estar ligando para o senhor e vamos estar marcando um novo horário”...

Famigerada é também a voz e a fraseologia de robô: “A nossa empresa agradece a sua ligação, senhor” (essa é de somenos...). Mas há o incômodo e sempre inacreditável “Vamos estar providenciando, o senhor pode estar aguardando que em 72 horas vamos estar encaminhando sua reclamação ao Departamento de Postergação”. E quando apelamos pelo sagrado, pela mãe ou pela piedade: “É tudo o que estamos podendo fazer, senhor. Estamos compreendendo, senhor”. “A nossa empresa agradece a sua ligação; tenha uma boa tarde, senhor”... Como se fosse possível ter-se uma boa tarde depois de um atendimento desses.

Mas o suplício é interminável... Já viram o quanto uma secretária-recepcionista, pessoalmente ou ao telefone, nos incomoda com a frase matemática “O senhor pode adiantar o assunto?”. Claro, isso acontece em gabinetes de políticos; com os executivos da atividade privada é ligeiramente diferente:

– Qual o seu nome? Luiz... Luiz... (ela quer o sobrenome; eu digo). Ah, sim” Aquino. De onde, senhor José de Aquino (puxa vida! Ela até repetiu Luiz; agora sou José)

Mas há também quem se lembra que sou Luiz; mas transforma meu sobrenome:

– Doutor Sílvio, está aqui o senhor Luiz “Joaquino”, ele quer falar com o senhor.

E Leda(ê) Selma ainda briga comigo por causa de um circunflexo... Não se melindre, poeta Leda(ê), vem aí a reforma ortográfica; e assim como os de São Paulo e do Sul transformam o som da letra E em Ê, mas falam “éstra” onde se escreve “extra” e “controle” onde deveria ser “controle”(ô).

Ah, existe também a indagação irritante, quando nos entendem o nome: “De onde?”. Eu respondia “De Caldas Novas, 15/09/45”. Mas não é isso, querem que eu cite uma empresa, como se esse fosse o meu sobrenome. “Luiz da Petrobrás” (isso dá “status”, não é?). Recuso-me a enquadrar-me nessa inutilidade e dou meus dribles. Dia destes, por telefone, a secretária insistiu para eu dizer “de onde”; arrematei sem dizer sobrenome:

– Dom Luiz. Sou bispo auxiliar da Diocese de...

Pronto! A partir daí, tornei-me Dom Luiz. E não mais precisei dizer “de onde” era; nem qual é o meu sobrenome.

5 comentários:

Unknown disse...

BOM DIA lUIZ, VIM TE VISITAR E GOSTEI MUITO MEU AMIGO!
MUITO OBRIGADA E PARABÉNS PELO SEU ESPAÇO, ADOREI!
BJUS DA GENA

Deolinda disse...

Querido,
Não existe nada mais irritante que a perguntinha besta de toda secretária: "Dá onde?" Ora bolas, dá vontade de responder dos "quintos do Inferno".
Parabéns, Dom Luiz!

Anônimo disse...

Sempre incrível, poeta!
Saudades

Anônimo disse...

Muito interessante.
Só não devemos generalizar.
Ainda existem secretárias inteligentes, educadas e que pronunciam o portugês corretamente.
Acredite.

Luiz de Aquino disse...

Mas estou convicto de que não generalizei.

Amigos, sempre que comentarem, por favor, identifiquem-se. Fico muito agradecido.
Luiz de Aquino