Secretárias e “telecol”
Ah, se não bastasse tudo o que já se viu... E se viveu! Dores, misérias, guerras, acinte, cinismo, arbítrio, vilipêndio, violência... Não bastasse o lado ilusório e cínico, mentiroso e sedutor da publicidade (seja ela comercial ou política), não bastasse o temor que nos impingiam os religiosos (é passado? Parece-me que há algo de passado neste presente, ainda), não bastassem os castigos domésticos e o medo do ridículo...
Agora somos alvos de outras formas de tortura. Como o som agressivo da propaganda aos gritos, nas tevês e nos rádios; e o som dos automóveis que se deslocam a 20 km/h pelas ruas, anunciando verduras, lingüiça (logo, logo não terá trema) e rapadura; jornais, remédios e enxovais... Ano que vem, gritarão aos nossos ouvidos qualidades contestadas de candidatos municipais: uns desconhecidos, outros conhecidos até demais.
Mas existe ainda a agressão sonora individual. Esta vem por conta de profissionais de “telecol” e secretárias, sejam elas executivas ou recepcionistas. São os campeões do gerúndio e do presente-contínuo, tempo de verbo inglês que alguns executivos egressos (e sobreviventes) de “intercâmbios culturais” impingem sobre o incauto brasileiro. Algo assim:
“Boa tarde, em que posso estar ajudando? Ah, sim, mas o doutor Albuquerque não pode atender, ele está em reunião com o supervisor; o senhor pode estar retornando às dezessete horas? Ou, se quiser, eu posso estar ligando para o senhor e vamos estar marcando um novo horário”...
Famigerada é também a voz e a fraseologia de robô: “A nossa empresa agradece a sua ligação, senhor” (essa é de somenos...). Mas há o incômodo e sempre inacreditável “Vamos estar providenciando, o senhor pode estar aguardando que em 72 horas vamos estar encaminhando sua reclamação ao Departamento de Postergação”. E quando apelamos pelo sagrado, pela mãe ou pela piedade: “É tudo o que estamos podendo fazer, senhor. Estamos compreendendo, senhor”. “A nossa empresa agradece a sua ligação; tenha uma boa tarde, senhor”... Como se fosse possível ter-se uma boa tarde depois de um atendimento desses.
Mas o suplício é interminável... Já viram o quanto uma secretária-recepcionista, pessoalmente ou ao telefone, nos incomoda com a frase matemática “O senhor pode adiantar o assunto?”. Claro, isso acontece em gabinetes de políticos; com os executivos da atividade privada é ligeiramente diferente:
– Qual o seu nome? Luiz... Luiz... (ela quer o sobrenome; eu digo). Ah, sim” Aquino. De onde, senhor José de Aquino (puxa vida! Ela até repetiu Luiz; agora sou José)
Mas há também quem se lembra que sou Luiz; mas transforma meu sobrenome:
– Doutor Sílvio, está aqui o senhor Luiz “Joaquino”, ele quer falar com o senhor.
E Leda(ê) Selma ainda briga comigo por causa de um circunflexo... Não se melindre, poeta Leda(ê), vem aí a reforma ortográfica; e assim como os de São Paulo e do Sul transformam o som da letra E em Ê, mas falam “éstra” onde se escreve “extra” e “controle” onde deveria ser “controle”(ô).
Ah, existe também a indagação irritante, quando nos entendem o nome: “De onde?”. Eu respondia “De Caldas Novas, 15/09/45”. Mas não é isso, querem que eu cite uma empresa, como se esse fosse o meu sobrenome. “Luiz da Petrobrás” (isso dá “status”, não é?). Recuso-me a enquadrar-me nessa inutilidade e dou meus dribles. Dia destes, por telefone, a secretária insistiu para eu dizer “de onde”; arrematei sem dizer sobrenome:
– Dom Luiz. Sou bispo auxiliar da Diocese de...
Pronto! A partir daí, tornei-me Dom Luiz. E não mais precisei dizer “de onde” era; nem qual é o meu sobrenome.
5 comentários:
BOM DIA lUIZ, VIM TE VISITAR E GOSTEI MUITO MEU AMIGO!
MUITO OBRIGADA E PARABÉNS PELO SEU ESPAÇO, ADOREI!
BJUS DA GENA
Querido,
Não existe nada mais irritante que a perguntinha besta de toda secretária: "Dá onde?" Ora bolas, dá vontade de responder dos "quintos do Inferno".
Parabéns, Dom Luiz!
Sempre incrível, poeta!
Saudades
Muito interessante.
Só não devemos generalizar.
Ainda existem secretárias inteligentes, educadas e que pronunciam o portugês corretamente.
Acredite.
Mas estou convicto de que não generalizei.
Amigos, sempre que comentarem, por favor, identifiquem-se. Fico muito agradecido.
Luiz de Aquino
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