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domingo, novembro 04, 2007

Hesitar ante o êxito


Israel, meu pai



Hesitar ante o êxito


Minha amiga, que é avó precoce (tem apenas 41 aninhos), separou-se do marido flatulento; a casa foi vendida e a renda, dividida. Com a parte que lhe coube, e levando em conta que os filhos, aos poucos, vão se instalando na vida ou nas esquinas do tempo, comprou uma casa menor, que exigiu uma rápida reforma.

Tudo bem, foram apenas três semanas de “faixa-de-gaza”, que ela passou na casa dos próprios pais, ambos na faixa próxima do fim da sétima década. Lá pelo décimo dia, liga-me ela: “Agora eu me lembrei a razão por ter me casado tão nova... É que eu não agüento meu pai”. Claro, há aí um exagero: ele tem lá suas manias, que não combinam com as manias dela, nada mais que isso.

Depois, mais calma, envia-me um e-mail: “Pois é, tive de voltar a viver no lar original para me lembrar que conviver com meu pai é impossível; não “exitei” em aceitar o pedido de casamento”...


Esse “exitei” pediu de mim uma correção: “hesitei”, respondi-lhe. Ela agradeceu e continuamos a conversa. Ao término, confiro minha caixa de correio e vejo um lembrete de uma colega:

– Luiz, você escreveu “ofença”...

Corri a corrigir. Logo eu, que vivo criticando os que escrevem e não lêem... Mordi a própria língua. Lembrei-me que, há anos, décadas, eu redigia para um colunista. Ele ditava as notas, eu dava forma escrita. Numa dessas, escrevi: “O bebê que embeleza o bersário”...Sim, cometi o mesmo erro, na letra contrária: agora, troquei S por Ç; no passado, a outra mão da via de erro.

Equívocos são rotina. Vazar um sinal fechado; esbarrar e não pedir desculpas; bater a canela no pé da cama; queimar-se ao fogão ou ao ferro de passar; dizer palavras ou frases inadequadas; escrever com grafia errada; atravessar na concordância ou na regência; misturar as coisas. Achar que o pai é ultrapassado e chato, neurótico ou inconveniente...

E aí, enquanto vislumbro os erros de troca-letras, que atribuo aos vícios de gestos ao teclado (aniversário, verso e anverso... palavras que escrevo demais; vai daí, “berSo”, ou melhor “berSário”. E, ainda, “ofença”, que segue a linha de licença etc. Ah, tem agravante: o computador sublinha as palavras com grafia errada, todos sabem; mas há escribas menos atentos, feito eu, que não lêem o que escrevem. E aí vem à mente o velho adágio: “Escreveu, não leu, pau comeu”.

Do pai, recordo o tempo em que não eram minhas as contas. Naquele tempo, ele não era chato nem antigo, era pai. Agora, é um velho que a sociedade menospreza, por ser velho (mas a sociedade é isso aí; eu, que ainda sou filho, isto é, sou novo-velho, já sou dispensado em muitos ambientes); mas os sensíveis vêem nele um exemplo de saudável teimosia: a sobrevivência.

Olho o velho pelos olhos; só depois vislumbro a pele de rugas e manchas. Ouço-o agora em palavras, mas antes só lhe ouvia o vibrar de cordas sonantes e dissonantes, ao violão ou ao bandolim de valsas e choros. Agora, ouço-lhe histórias e provoco-lhe a verve de humor e sabença.

E a ortografia toca-me os sentidos, como os olhos dos pais velhos. Vejo a intenção de mudança, o fim do trema... Recuso-me a comer “linguiça” ou pronunciar “engüiça”. Afinal, não sou radialista esportivo, que inventou “cirqüito” para não se confundir com “curto-circuito”.

– Pai! Diga-me, quando você estava na escola, como se escrevia saúde?

E ele, solítico e sorridente, escreve, com letra firme como os acordes de antes: “Sahude”.

Por essas e outros, mando um recado à minha amiga:

– Menina! Aceite as manias do velho... Em pouco tempo, você estará onde estou; e eu, agora, ando a poucos passos de seu pai.

11 comentários:

Anônimo disse...

"Hesitar ante o êxito"?
Luiz, ao ler seu texto não hesitei
em me ver, logo de imediato, como se fizesse parte do mesmo e também meio que fazendo algumas pequenas temporadas na "Faixa de Gaza",Porém, com a mais absoluta certeza de que serão só temporárias, já que tropeços fazem parte da vida de todos nós. Agora, não deixei de sentir um pouco de pena de minha mãe, que foi vovó aos 34 aninhos, e quem lhe deu a primeira neta fui eu,rsrsrsrs!!!
Poeta, parabéns por sua lição literária-ortográfica, por sua humildade, por sua sabedoria de vida, pela beleza do texto,e também pela lição ou mensagem que você passou aos mais jovens para que saibam aceitar as manias dos
mais idosos... E também ensinando e mostrando que os nossos pais, por terem pequenas manias, próprias da diferença de idades e época... O que merecem de nós é admiração, paciência, carinho e respeito acima de tudo, até porque, ao nascermos, já começamos a acumular manias; e se não morrermos jovens, idosos seremos,amém!!!Já sou meio idosa, rs,rs,rs,rs!!!

Amei seu texto, por isso mais uma vez parabéns a você e ao senhor Israel por ter um filho tão especial como você.

Abraços carinhosos, bom final de domingo e que a semana que se aproxima te seja bela de alegrias e paz.

Lêida Gomes França.

Anônimo disse...

RISOSSSSSSSSSSS, CAÍ LOGO NO ÊXITO?
NÃO"HESITEI"?MAS SABEM QUE GOSTEI MUITO DESSE MEU: NÃO "HESITEI"?
É MELHOR APRENDER ERRANDO DO QUE NÃO TENTAR NUNCA, E AQUI FOI QUE
APRENDÍ A ME LEMBRAR SEMPRE QUE É ANTE E NÃO ANTI ÉTICO, AÍNDA SE LEMBRA POETA LUIZ DE AQUINO? RS,RS,RS,RS!!!

LÊIDA GOMES FRANÇA

Madalena Barranco disse...

Olá Luiz, às vezes nos atamos em demasia aos detalhes e deixamos de ouvir o coração das palavras. Zelar pela correção do nosso idioma, que evolui com o tempo, naturalmente, é algo que eu procuro fazer da melhor maneira. Mas, sempre há uma virgulazinha para corrigir - hehehe!E isso não deve interferir na relação escritor/leitor. Ah, e quanto a conviver com palavras & com a família é mesmo muito difícil > até agora não consegui descobrir a fórmula da concordância absoluta. Suas crônicas fazem bem a esta sua leitora e fã domingueira. Beijos.

Anônimo disse...

Luiz, sua crônica ensina o respeito e o amor. Poderia dizer tolerância, mas não gosto do viés dominador dessa palavra.
Lendo-o, lembrei da blogagem coletica qeu realizamos no dia 1/11, sobre a paz.
A m ioria dos quase 150 blogueiros acredita que a paz começa dentro de cada pessoa e começa a se materializar em gestos simples dentro da nossa própria família.
A convivência com pais pode ser tão difícil como com quem escreve errado. Porém, como você demonstrou, de um jeito muito criativo, nós também somos ou seremos os pais chatos e aqueles que escrevem alguma palavra errada.
Afinal, percebo, somos sempre todos muito parecidos, ainda que não aceitemos tal coisa. Em nome dessa igualdade, precisamos conviver, esquecer, perdoar e amar.

beijos, boa semana para você.

Luiz de Aquino disse...

Peraí, Leida!
O prefixo "ante" dá idéia de anterioridade, e não de oposição. Logo, o certo é anti-ético, e não ante-ético... rsrsrs

Luiz

Luiz de Aquino disse...

Saramar, poetisa querida! Obrigado pelo carinho de suas falas, sempre um estímulo. Não as recebo como elogios, mas como um complemento dos meus textos frágeis.

Madalena, você é, também, uma parceira de rara sensibilidade e seus comentários, igualmente, enriquecem as idéias que costumo levantar por aqui.

Beijos, meninas poetisas queridas!

Anônimo disse...

Obrigada Luiz, valeu, sempre que eu errar ou estuprar a nossa bela, complicada e amada língua portugûêsa, por favor me corrija, caso tenha tempo ou disposição, o que será muito difícil, pois o que mas faço é errar quando me atrevo a
escrever ou comentar algum artigo seu e de outros;só que ante-antes de conhecer você e seus bons e belos escritos eu era aínda pior, escrevia coisas sem nexo,anti-ésticos e com erros berrantes de grafia, pontuação e concordâncias,
mas mesmo assim fico feliz em ter a "ousadia" de fazer comentários aqui no seu espaço diante e adiante de tantas (os) grandes e bons dominadores e conhecedores das letras.Quando digo adiante é porque fazer o primeiro comentário é bem mais difícil, isso porque não tenho como pegar carona no raciocínio do outro, rsrsrsrs...No entanto, poeta menino, antes de tomar gosto por seus escritos eu siquer tinha a coragem de escrever
uma frase, era totalmente travada, rsrssrsrs, mas hoje mesmo atropelando tudo, passando por cima de prefixos e sufixos e com um gostoso e saudável sacrifício venho tentando emitir minha opnião
em escritos seus e de muitos outros.Caio aqui, levanto alí mas vou indo e "isperando" chegar a uma
escrita mais correta, pois o que quero mesmo é não estacionar no erro, e nem que eu queira não conseguirei mais, vou seguir capotando... porque você me destravou,rsrsrsrsrsrsrs
Brigadaaaaaaaaaaaa mestre poeta!

Lêida Gomes França

Lilia Andrade disse...

Ô menino!Que beleza de crônica! Cê tá cada vez melhor! Fiquei feliz em participar do gran finale uma temporada tão proveitosa aqui no Rio. Um beijão!

Anônimo disse...

Oi Luiz

Acabo de ler a sua crônica "Hesitar ante o êxito". Gostei! Na verdade, quem nunca se martirizou perante um errinho de ortografia? Você viu no jornal Hoje das 13 horas a pista que malsucedidos " elementos" deixaram para a Polícia, que afinal os pegou? Foi justamente a palavra "Impório", escrita em letras garrafais, na frente ( como se escreve capô?) do carro deles...Gosto das pessoas que tratam, em suas crônicas e artigos, de fatos da vida comum, da rotina da vida, porque afinal é o cotidiano que nos mantém vivos...
Gostei muito do fato de você dizer que enxerga o " velho pelos olhos, não pelas rugas, não pelas manchas da pele...Bonito! Afinal se a gente quer viver muito, não há outra maneira, senão envelhecer..Nossa vez chegará ...e é preciso que alguém nos queira ver assim...
Segunda-feira à tarde fui às bancas para comprar o Diário da Manhã.Queria justamente ler a sua crônica, mas o jornal já havia esgotado.Obrigada por tê-la mandado para mim, no seu blog.
Um grande abraço
Mariza

SilviaW disse...

Caro Luiz,
Não me contive em comentar sua crônica "Hesitar ante o êxito".
Só consegui lê-la agora e fiquei encantada.
Sobre os trechos em que falava de erros de ortografia e do "pedido de correção de um deles" (rs), e, principalmente, seus próprios erros, tenho a dizer que você falava de mim e não de você. Ah sim, falava sim! (rs)
Agora, tudo o mais, que maravilha, foi pura poesia em forma de crônica.
Realmente amei!
Sua sutileza, cuidado e enorme sensibilidade em todo o texto foram tremendos.
Obrigada por esse momento!
Bjos,
Silvia Werner

Luiz de Aquino Alves Neto disse...

Nossa! É o que chamo de "morder a língua":
A crônica, publicada em novembro de 2007 - há 13 anos e cinco meses - brincando com os errinhos gráficos, registra uma palavra que somente hoje foi detectada (pela minha amiga poetisa Crhistine Resplande). Lá no finalzinho do texto, onde se lê - E ele, solítico e sorridente, escreve, com letra firme como os acordes de antes: “Sahude” -, claro está que a palavras "solítico" não existe, o autor-digitador e crítico implicante quis escrever "solícito".
Não vou pedir desculpas, não é justo! O que faço é dar a mão à palmatória - "método pedagógico" que ainda alcancei em Caldas Novas, lá pelos idos de 1949...
Luiz de Aquino