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quarta-feira, dezembro 17, 2008

Adeus, ipês da Avenida 85!


Adeus, ipês da Avenida 85!

Luiz de Aquino

A ciência confirma: a alegria é contagiosa, mas a tristeza, não. E as coisas que nos dão alegria são tantas quanto as que nos causam tristeza, não é mesmo? Gosto muito de festas. Quem não gosta? Festa é alegria, é regozijo, é oportunidade de espalhar, por contágio, a alegria, e a alegria social é indício de esperança. Festejamos uma boa notícia, ainda que ela só interesse a um grupo pequenino, como a família ou a minúscula lista de amigos. E festejamos as realizações comunitárias.

Não fosse a chuva, a festa de inauguração da complexa obra no cruzamento da Avenida T-63 com a Avenida 85, no encontro dos setores Bueno e Bela Vista, teria sido muito mais bonita. Da minha sacada, a pequena distância, limitei-me a ver as nesgas de luz de dois holofotes e os clarões dos fogos, já que o bairro ganhou, nestes quatorze anos em que nos tornamos íntimos, uma infinidade de altos edifícios, fazendo monótona a paisagem das nossas janelas.

Na manhã seguinte, a de sábado, perambulei de carro pelas vias próximas. As passagens pelo viaduto e pela trincheira continuavam impedidas, era preciso ainda finalizar detalhes, o que se explicava até mesmo pelas chuvas fortes. Afinal, milhares de toneladas de nuvens pairam sobre nossas cabeças e a natureza as transforme em precipitações às vezes violentas.

Havia, e há, um grande alívio nos corações dos moradores e usuários das vias adjacentes. Foram muitos meses de trânsito desviado e congestionamento no tráfego de veículos e pessoas, o comércio ressentiu-se gravemente e todos ansiávamos pela volta à normalidade. A administração municipal prometeu, repetidamente, com uma frase piegas, espalhada em cartazes mal colocados e de gosto discutível: “Os transtornos passam, os benefícios ficam”.

Mas o meu passeio após a inauguração trouxe-me, mais que a alegria pela constatação dos benefícios prometidos, a perplexidade ante o desaparecimento de mais de trinta árvores. Os ipês rosas (eram todas elas da mesma espécie) desapareceram porque as autoridades ambientais decidiram trocá-las por palmeiras imperiais.

A imprensa reclamou. E as autoridades chegaram com a resposta, que nos soa como ensaiada: os ipês estavam doentes. Um assessor do Paço Municipal assegura que o presidente da AMMA, a Agência Municipal do Meio Ambiente, mandou fotografar as marcas das doenças. Mas, perguntam os jornalistas, estavam todas doentes? Não, apenas nove delas. Ou seja, perto de trinta por cento. E acrescenta que, “além do mais”, era preciso dar continuidade, pois, desde a Praça do Ratinho, a Avenida 85 é ornamentada com as palmeiras, mas após o cruzamento com as avenidas Ricardo Paranhos e Mutirão apareciam os ipês.

Continuo não entendo (e não aceitando). As palmeiras imperiais podiam ter sido plantadas entre os ipês, sem que fosse necessário eliminá-los da paisagem. As minúsculas mudas plantadas levarão anos até começarem a marcar a paisagem. Mas as flores de todos os anos nunca mais alegrarão nossas vistas. Daqui a trinta anos, as palmeiras terão suas presenças definitivamente firmadas no cenário, mas isso não exigiria, de modo algum, a remoção dos ipês.

Sabe-se que as prefeituras brasileiras, no geral, resistem muito aos pedidos de remoção de árvores. O zelo da autoridade da AMMA para com as árvores é estranho e condicionado. As mongubas que, a cada período chuvoso, caem sobre casas e automóveis e deixam pessoas sob risco de vida

continuam existindo sem que a autoridade ambiental se manifeste. A Prefeitura exige, em todo processo de instalação industrial, por exemplo, um relatório de impacto, o que custa um bom dinheiro aos empreendedores. E derruba mais de trinta árvores sob a alegação de que nove delas estavam doentes.

Estavam mesmo? O “modus operandi” permite-nos a dúvida. E as árvores que o mesmo poder público manda (ou permite) abater, cujos tocos de caule e as inevitáveis raízes continuam como obstáculos aos pedestres? E as calçadas das cercanias da nova obra, isto é, no Bela Vista e no Bueno, que registram inclinações exageradas, em flagrante desrespeito aos códigos do município? O mais grave é que o próprio poder público fez isso, quando duplicou a Avenida T-63 usando terra removida das vias públicas próximas. Nesses bairros, é praticamente impossível ao pedestre transitar pelas calçadas.

Quero dizer ainda que, ao longo dos meses da obra, Dermu/Compav e SMT cometeram inúmeras ações inconvenientes, em total desrespeito ao cidadão, e tudo isso a imprensa noticiou, mas as autoridades continuaram infensas aos reclames. Para finalizar, a Agência Municipal do Meio Ambiente remove, sem qualquer satisfação à sociedade, os ipês que alegravam nosso cálido inverno.

Felizmente (não há mal que não nos mostre algum bem), resta-me algo a festejar: o titular da AMMA não é o chefe de órgãos que cuidam da defesa sanitária. Já imaginaram? Se por nove árvores, que ele disse estarem doentes, condenou todo o conjunto, certamente mandaria exterminar a população porque uma parcela expressiva das pessoas contraiu dengue.


Luiz de Aquino é jornalista e escritor. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com


15 comentários:

Anônimo disse...

Senti falta das árvores no final da Avenida 85 sem mesmo me lembrar que eram Ipês. O que já tinha sido triste ficou pior com essa descoberta. Também li a carta do leitor em O Popular e confirmei minha
supeita: tiraram as árvores para deixar mais a vista aquelas... sei lá o quê, no final da Avenida. "Vamos lá pra ver que o pagode..." É isso que querem, certamente!
Alguém vai ter que explicar o porquê desse absurdo!
E nós ainda preocupados em plantar árvores, cuidar das que já foram plantadas, incentivar essa prática!
"E agora...?"
Nádia

Anônimo disse...

É muito bom quando a gente vê que a nossa valorosa imprensa demonstra sua indignação averiguando até onde vai uma afirmação da autoridade. Luiz de Aquino, nesse seu brilhante artigo, cobra dessa autoridade, investigando o verdadeiro motivo do extermínio de espécies da árvore considerada símbolo nacional - o ipê. Sabe-se que essa espécie é a que melhor possui o processo de renovação do ar. Além do mais, é linda de ver e, ainda, natural de nossas plagas. Dias atrás, fiz uma pergunta ao DM e ainda não obtive resposta: o proprietário de imóvel é ou não obrigado a ter uma espécie de árvore em sua calçada? Se não for, seria agora a oportunidade de tornar a medida compulsória. Tenho dito. Euler de Amorim Júnior - músico e amante da natureza.

Osair de Sousa Manassan disse...

Luiz, sou um tarado visual quando se trata de ipês. Tenho mais de 30 fotos (nenhuma doente) de ipê-amarelo, ipê-rosa etc. Mesmo que as "autoridades" neguem, mintam ou se omitam, a verdade é que os ipês atrapalhariam a visão do "monumento" do viaduto. Esse é o motivo.
Agora me lembrei dos versos de Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos:
"Vim cantar sobre esta terra / Antes de mais nada aviso / Trago facão, paixão crua / E bons rocks no arquivo / Tem gente que pira e berra / Eu já canto pio e silvo / Se fosse minha essa rua / O pé de ipê estava vivo".

Parabéns pela bela e necessária crônica.

AL-Chaer disse...

Perfeito e bastante oportuno este texto, caríssimo Luiz de Aquino.

AL-Braços
AL-Chaer

Anônimo disse...

"Chora, não vou ligar, chegou a hora..." A natureza ouve este refrão a cada árvore tombada.
Para que árvores, se elas cobrem as fachadas comerciais?
Para que sombra? O ar condicionado alivia o calor.
www.santacruzdegoias.net

Deolinda disse...

Meu caro Luiz,
Veja o lado bom da coisa ...invés flores, metal prateado, brilhante, para garantir a lembrança em 2010. É só lembrar e garantir o voto, na oposição! Até lá, vamos pastar gente!
beijos e parabens!

Anônimo disse...

Parabéns! Luiz de Aquino.
Bom ter você que fala por nós todos.


Abraços.
Beth

Anônimo disse...

Aquino, já lhe disse várias vezes que você é dono do mais belo português oral que conheço. Mas preciso acrescentar: seu texto escrito é de uma sensibilidade ímpar. Coisa de poeta de primeira grandeza. Sobre a truculência da Samma contra os maravilhosos ipês, que nos alegravam em meio ao caos do trânsito, concordo com o que você disse. E acrescento: tivesse o chefe da Samma a sensibilidade sua, Aquino, certamente esse crime contra o meio ambiente não teria ocorrido. Parabéns, irmão. E continue nos brindando com suas doces - e às vezes firmes - crônicas e poesias.

Irinéa MRibeiro disse...

Luiz...
mais um grito da natureza reverbera através de você-poeta!
Fiquei triste com essa notícia, pois sou amante ardorosa dos ipês, e não contive minha lágrima diante de suas palavras, que se tornaram imagens imediatas em minha mente!
E agora?
Soube que no Rio, na Rua Barão da Torre, arrancaram várias árvores, descaracterizando aquela rua tão linda de Ipanema...(alegação de que estavam contaminadas por uma praga. Mas até onde isso é verdade??)muito triste é que soube dessa notícia aqui, em Toronto...mais ainda da minha impotência.
Admiro você, poeta, e não deixo mais de aparecer por aqui.

Anônimo disse...

Concordo plenamente com vc e apoio integralmente as cobranças da imprensa quanto a mais este crime ambiental perpetrado por uma autoridade do município goianiense.
Mas, o desrespeito ao meio ambiente e aos cidadãos está de tal modo arraigado no íntimo de nossas autoridades que já desacreditei de qualquer delas, e acho que daqui pra frente a coisa só vai piorar. Coitados de nossos descendentes.
Marcio A. Veiga

Anônimo disse...

Bom dia Poeta!...Lamentável falta de sensibilidade! A Natureza agradeçe seu protesto.Parabéns, lindas fotos!...Ireci Maria.

Anônimo disse...

Meu bom e velho amigo Luiz de Aquino foi cruel com o dr. Clarismino (secretário-diretor da Agência Municipal do Meio Ambiente). Aliás, crudelíssimo seria o certo.
Primeiro, o secretário foi considerado o melhor da equipe. Tá certo que estava com o gás todo e sendo mais importante que o prefeito, daí... a poda do podador.

Em segundo, uma muda de palmeira-imperial custa R$ 95 (ou seria R$ 950? Lembrem do caso da prefeita cor-de-rosa de uma cidadezinha do interior?) e ipê está aí com mudas de "grátis" para quem quiser.

Em terceiro, autoridades fazem questão de ser desmatadoras e aí o povo acha que aqui é a Amazônia Legal.
O Fujioka derrubou diversas árvores ali em sua esquina, em frente o Tribunal de Justiça/Fórum, só para que sua fachada comercial não ficasse oculta. E ficou tudo por isso mesmo.
Na Av. T-63 uma revendedora Ford decepou árvores no quarteirão todo. Sem contar as árvores da Avenida Paranaíba que o prefeito (Direitos Humanos) mandou ao chão, com promessa pelas imperiais.
E também aquelas frondosas árvores que iriam esconder o Centro de Excelência que até o final do século será inaugurado.
A prática chegou até ali em volta da Igreja católica – Matriz, na Avenida Universitária, com a anuência e idéia de um politiquinho vereador. 

No final do artigo, a sua preocupação com a dengue.
Não precisa tanto. O Lula isentou o IPI dos carros populares. Brasileiro poderá até morrer de dengue, mas com um carro 0 km na mão… a não ser que o Prefeito responsável pela saúde do Município, já não tendo mais que falar da novella do Cais 24 Horas, resolva incluir um tubinho de Baigon em mais uma Bolsa Assistência para seu eleitorado.

Um abraço do leitor

Arthur de Lucca

Anônimo disse...

Olá, Sr. Luiz de Aquino,

Leia a matéria de hoje do Jornal DM (18-12-08),
sobre a denúncia feita no Ministério Público sobre a derrubada injustificável dos Belos Ipês,
VAMOS NOS UNIR TODOS NESTA LUTA, INCLUSIVE PELA REPOSICAO DOS IPÊS SAUDÁVEIS NO LOCAL.

Atenciosamente,
Adv. Marcelo de Castro Dias - Especialista em Planejamento Urbano e Ambiental UCG-GO.

Anônimo disse...

Ai, não quero crer que tem anta que faz uma coisa assim!
Amorim, leia a crônica do compnaheiro lá de Goiânia.
Urda.

Mara Narciso disse...

Quando vejo a derrubada de uma árvore sinto que a cidade ficou mutilada. Sem exagero, é como se nos cortassem um dedo da mão direita. No caso dessas trinta árvores, o radicalismo dos insatisfeitos é indispensável. As autoridades deveriam fazer uma consulta popular antes de executar uma arbitrariedade dessas. Violenta ação contra o interesse comum pode estar embutida atrás da palavra "progresso".

Protestar é a nossa obrigação, mesmo quando nos soa inútil.