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quinta-feira, setembro 17, 2009

Afinal, o que está acontecendo?


Luiz de Aquino


O video está no Youtube - http://www.youtube.com/watch?v=UI2m5knVrvg – e, no texto de narração, ouve-se que foi veiculado em 2007 – há dois anos, pois. Mas só agora chegou a mim. Como se vê, a Internet é tão vasta que mesmo para alguém que se conecta todos os dias, por algumas horas diárias, muita coisa importante passa ao largo.

Aos sessenta e quatro aninhos, sou parte de uma geração que conheceu o ferro (de engomar, ou “de passar roupa”) a brasa, a pena de escrever (com tinteiro e mata-borrão), a caneta-tinteiro, o surgimento da esferográfica, o fim da lousa individual (cada aluno levava consigo uma peça de ardósia fina, no tamanho convencional de uma página de caderno), o “zipper” (ou fecho-éclair) nas braguilhas, a substituição das máquinas de escrever por teclados eletrônicos e computadores individuais.

Existem os resistentes, tal como existiram em todos os momentos da História. Estou entre os que aprenderam que não basta conhecer o passado sem se ligar ao futuro, e entendo que o presente é isso: a ponte real entre dois tempos inexistentes, o ontem e o amanhã. Como se fôssemos, cada um de nós, seres virtuais, se considerados na ótica do tempo, essa dimensão que todos pensamos entender, mas na qual nem sempre nos situamos.

Comecei a “navegar” na Internet em 1996. Pessoas da minha idade, na época, olhavam o computador como quem se depara com um tigre de bengala caçando cotia num parque urbano, seja na Avenida Paulista, no Aterro do Flamengo, no Parque Farroupilha aqui, na esquina onde meu prédio foi fincado. Não me surpreendo com as inovações da moderníssima tecnologia e sei muito bem abusar dos adolescentes que decifram teclados e códigos “raitec” como quem devora uma belíssima macarronada. Gostaria de ter um Opala 73, naquele modelo original do selo, desde que com ar condicionado, erbegue, direção hidráulica, freio ABS e, se puder ainda, um modesto GPS bem alimentado com dados brasileiros. Não podendo, queria então poder comprar um Civic ou algo parecido, com tais recursos.

O vídeo mostra um adolescentes destes tempos. Rafael é personagem normal, natural, típico de 2007... Mas é um adolescente, tal como todos nós, ao nosso tempo.

Esta semana, Nilson Gomes, na faixa dos quarent’anos, falava-me de seu propósito de substituir a velha biblioteca de alguns milhares de livros pelo direito (que já temos) de acessar as centenas de milhares (ou mesmo milhões) de livros digitalizados. Eu, não. Ainda que o malfadado acordo da Língua Portuguesa, ao qual apenas o Brasil adere de fato, transforme meus livros em peças antigas e obsoletas, vou conservá-los comigo. Minha viúva e meus órfãos talvez os jogue fora, talvez os doe a alguma biblioteca pública, comunitária ou escolar. Cada um desses livros conta-me uma história, foram eles (e meus discos de vinil, meus cedes e meus quadros) que me ensinaram o valor da solidão, a importância de eu curtir a mim mesmo.

Os meninos adolescentes desta era de bites e satélites são mágicos, aos meus olhos. Eles podem ser muito bem informados, quando o querem. Se aprenderem a selecionar as informações, serão geniais já no início da idade adulta. Precisam apenas aprender a ligar o ontem e o hoje. Meu receio é que se ocupem demais do futuro e seus edifícios de vida fiquem sem alicerces.

Nestes treze anos de andanças pela rede mundial, fiz inúmeras relações de amizade. Pelo meu perfil, aconteceu o que se podia esperar – fiz amigos no meio Internet, o Brasil ficou bem menor, reencontrei amigos que se perdiam nos anos e estavam tão próximos, e também reencontrei meninos da minha infância, garotos da minha adolescência. Não quero mais viver sem eles. Se posso, vou ao seu encontro; se não posso, mantenho amizades virtuais.

E “la nave va”... Ou, em linguagem dessa belíssima geração de jovens, a fila anda. Entre um tempo e outro ao computador, conectado à Rede Mundial, saio à rua, dirijo um velho automóvel, exerço ações tradicionais, como a fila do banco, a espera nos congestionamentos, o bom-dia a um velho amigo que passa, as horas de conversa e cerveja num bar – e os bares, ainda que administrados com recursos eletrônicos e oferecendo telões onde vemos xous e futebol, têm a mesma alma das tavernas de outras épocas.

A vida segue seu curso, feito o rio visto por Heráclito. E não somos mais nós mesmos. Ao terminar este texto, não sou mais o mesmo que começou a escrevê-lo, pois aprendi com ele (o texto). Ao concluir, envio-o ao jornal, posto-o no blog e envio-o a vários leitores via Net. Mudei-me, sem sair do lugar.



Luiz de Aquino (http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, e escreve aos domingos neste espaço.



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11 comentários:

edições bem-te-vi disse...

Excelente crônica! Obrigada pelo momento de uma leitura prazerosa.

Wellitania

Valéria Cristina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Valéria Cristina disse...

Luiz,

Amei esse texto !!!
Me fez lembrar tb do estêncil e do mimeógrafo ... rs

Abraços,
Valéria Amaral.

Anônimo disse...

Maravilhoso texto! Realmente não sei se digo bem aventurada net ou não. Ao mesmo tempo em que nos aproxima, nos afasta, nos vinculando, ou melhor dizendo, nos resumindo as “pequenas letrinhas do teclado” e/ou pedacinhos de telas, e como dizem os jovens: QUIMICA DAS LETRINHAS’..rss. Mas, de uma certa maneira, é positivo, pois foi através desse mundo virtual que aqui estou, saboreando as mais lindas poesias e crônicas inteligentes! Viva a internet !!
bju Mestre

Marluci Costa disse...

Estou no táxi e acesso meus e-mails. Deparo-me com esta magnífica crônica. Sinto-me fazendo parte desse presente-futuro. Nunca teremos um texto como este nem sera abordado de forma tao lúcida e moderna. Amei!

Marluci Costa

Luiz de Aquino disse...

Valéria, seu comentário veio duplicado, por isso removi um deles. Beijos, menina, muito obrigado!

Maria Lindgren disse...

Século vinte um é isso aí, amigo. Muito bom seu texto
Maria lindgren

Isto disse...

Meu tio Nilson está com seus 43 anos, poeta. Tem uma filhinha, se não me engano com 4 anos, e irá aprender com ela como a modernidade tornou o nosso saber tão abstrato. A Internet nos dá o pensamento mastigado e então apenas dá para praticar a memorização.
Mas em tudo há um bem. Por exemplo este blog, o qual tem o cheiro de coluna jornalistica, seja em qual tempo for.
Abraço

Unknown disse...

Muito bom o seu texto,me faz recordar um passado pouco distante em que conseguia dominar algumas coisas, como a máquina de escrever, o telex, etc; hoje sinto-me um pouco perdida no emaranhado de bites, megas, sites. Se tenho duvidas chamo uma de minhas filhas para me ajudar. A resposta é sempre a mesma : eu já te ensinei, e aperta alguma letra no teclado e a minha duvida foi resolvida e eu continuo a não saber; porque hoje em dia os jovens ( pelo menos as minhas filhas ) resolvem tudo numa rapidez , num piscar de olhos , que nós ficamos ou pelo menos eu, com saudade das velhas maquinas que pod[iamos dominar.
Abraços.
Regina Maria
22/09/2009

Unknown disse...

Parafaseando:"Ao terminar de ler esse texto,já não sou mais o mesmo, pois aprendi muito com ele." Como sempreLuiz você nos ensina e deleita.

Unknown disse...

Amei poeta esta cronica.
É realmente delicioso ler um texto tão rico em palavras e detalhes.
Ah, e a quem for deixar sua herança em sabedoria transcritas para um papel, com certeza estes sim terão em seu poder um verdadeiro tesouro.

Beijos de sua eterna admiradora,

Simone