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sábado, setembro 26, 2009

Manhã de bom encontro


Luiz de Aquino


Nestes tempos em que as praças perderam o encanto, por razão de segurança das pessoas e de descaso das autoridades, a gente se refugia em xópins e, não raro, supermercados. O motivo não é só comprar algo ou ver vitrinas, mas ver gente. Melhor ainda, encontrar pessoas, ver amigos. Muita gente opta por isso, e se observarmos bem, veremos que ir a supermercados pode ser hábito relativamente novo, mas o cafezinho é um costume antigo do brasileiro, remonta aos tempos em que o Vale do Paraíba do Sul consolidou-se com as fazendas da rubiácea.

O cafezinho é da nossa práxis. Como o chá dos ingleses. Só que muito menos formal. O cafezinho a gente toma de pé, encostado no balcão, ou faz dele um adorno para o hábito da leitura de jornal; este, um hábito em desuso por conta da tevê e da Internet.

Supermercado tem algo de íntimo. É onde compramos nossos alimentos e o suprimento da higiene da casa e de nós pessoas. Houve um tempo, passado de poucas décadas, em que se tinha vergonha de comprar coisas como papel higiênico e absorventes femininos. Não mais, não mais (ótimo!). Supermercado, mais que corredores de galeria comercial, é excelente ponto de paquera. Um amigo meu conta que invade a privacidade das mulheres, em especial as mulheres sozinhas, observando-as nas compras. Descobre-lhes o gosto alimentar e adivinha-lhes os períodos menstruais, informa-se de suas preferências quanto a sabonetes e outros cosméticos e consegue, pelo volume de compras, saber se a moça observada mora só, se tem namorado, se divide o apartamento com alguma colega.

Na última sexta-feira, demorei-me por quase uma hora, entre as sete e as oito horas matutinas, numa loja dessas. Tomei meu café da manhã, avaliei falhas de atendimento, consultei preços, analisei, conferi a qualidade dos vegetais (sinto que dão melhor atenção às verduras e aos legumes do que às frutas) e indignei-me com os preços dos queijos.

Já pensava em sair quando me deparei com Yara Moreyra, professora e musicista, pesquisadora incansável. O sorriso dela me leva a viajar no tempo e sua voz de bom-dia, seguida de um abraço carinhoso, desperta a minha saudade: Yara estreou, na Prefeitura de Goiânia, a função de secretário de Cultura. Gostei muito de auxiliá-la, escrevendo notícias sobre os feitos em torno da política cultural da cidade.

Foi ela quem promoveu um inesquecível Salão de Humor. E foi ela quem realizou um concurso de quadrilhas de sanjoão e, com isso, tornou-se público que, naquele distante ano de 1980, ou 81, havia nada menos que seiscentos grupos organizados de quadrilha junina (é preciso qualificar, pois, hoje, quando se fala em quadrilha e organização, vem-nos à mente o tal de crime organizado; não era o caso).

Resumindo, conto-lhes que falamos de música, de pesquisa, de arquitetura e restauro, de arquivos e História. E falamos de pessoas, com ênfase para seu irmão, o também professor (historiador) Paulo Sérgio Moreyra, hoje morador feliz de um bonito casarão centenário em Hidrolândia.

A manhã caminha no tempo. Pessoas passam, rostos estranhos. Sorrimo-nos, um para o outro. Somos jovens daquele tempo de Goiânia mais feliz. Despedimo-nos com outro abraço e a promessa de reencontros (a Internet facilita).

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras, e escreve aos domingos neste espaço.

10 comentários:

José Carlos Barbosa disse...

Pronto, Luiz, acabei de ler "Manhã de Bom Encontro", no seu blog. Amanhã vou lê-lo, novamente, no DM, virou rotina pra mim e............................ótima.
Abraço do
zecarlos

Bianka Luz disse...

Poeta, li esta crônica acompanhada por uma xícara de café bem fresquinho!...
Uma leitura deliciosa completa envolvente. Uma crônica de primeira! Sua leitora, Bianka Luz Poetisa

Unknown disse...

Luiz, lendo a sua crônica de hoje, voltei no tempo. Tempo que a gente encontrava os amigos na praça. - Lembra da praça de Marechal Hermes/RJ? - "Manhã de Bom Encontro" acontece sempre que leio suas escritas. Me lembro do Bom Encontro que tivemos no casarão da Dona Lybia... Aqui, nesta distante Fortaleza,não é diferente. Infelizmente, as praças perderam o encanto por conta da insegurança. Um grande abraço dos amigos
Rinah e Roberto.

Anônimo disse...

Saúdo Goiás por Luiz de Aquino,
suas manhãs e seus pássaros,
suas crônicas, suas pontes,
do velho casario, os emboabas,
do folguedo da Semana Santa
em cujas crônicas nos remonta.

Eric Ponty

Mara Narciso disse...

É muito bom ler jornais, beber café- adoro!-, e ainda comer frutas e queijos. Gosto também de observar pessoas, notar mudanças de hábitos, especialmente no comportamento. Já tive boca seca e dor na barriga semtidos antes de comprar absorvente higiênico chamados simplesmente de Modess, já que essa era a única marca que existia. Em tempos mais recentes é comum vermos mulheres comprando lubrificantes KY e camisinhas Jontex sem nenhum constrangimento. Ficou melhor agora.

Isto disse...

Poeta.
Nâo sou do seu tempo, mas creio que certamente os tempos eram melhores daquela época. Praças hoje, em sua maioria, são antos de perdição - há exceções a serem ressalvadas, vide a política do "Asfalto e Parque" do prefeito. Café, em Goiânia? Só nas globalizadas e caras CyberCafés, ou no interior de nossas casas. Até o símbolo da influência 'Bellepocana' em nossa cidade se tornou apenas história: Café Central (no seu lugar uma ótica com nova fachada).
Mas estamos aí com a modernidade, né poeta. Nos forçando a se adaptar ao contato virtual entre os amigos.

abraço

Anônimo disse...

Caro poeta,
é bom passear por aqui, e vislumbrar com graça, o gostoso do café com letras. Um forte abraço amigo escriba.

Urda Alice Klueger disse...

Hehe, companheiro! Dá para avaliar muitas coisas sobre um homem, também, observando seu carrinho de supermercado!
Abração,Urda.

Maria Helena Chein disse...

Olá, querido Luiz, estava saudosa de ler suas crônicas. Matei essa saudade agora, não
com pauladas, balas ou facões, mas com a poesia, lembranças e verdades que elas próprias
me trouxeram.
Vi tanta coisa - o café adoçando encontros
- o seu próximo lançamento em Pirenópolis
- o homem que se foi (mas fica) Antônio Olinto
e muito mais (eta memória mais sem graça).
Fiquei longe dos meus contatos ( auxílios maternos à minha filha, sabe como é...) e agora
retorno, sã e salva.

Beijos.

Maria Helena

Unknown disse...

Luiz,quando adolecente,aos meus,16 e17 anos, gostava muito de ler crônicas nos jornais. Achava aquilo muito intereçante. Recortava e guardava todas as crônicas que encontrava nos jornais. Ao lê-las, me imaginava sendo a autora. Os anos se passaram, não tive nenhuma oportunidade para aquele meu desejo,pelo contrário,me deparei com um casamento aos 20 anos,logo vieram os filhos,mergulhei na vida doméstica e estou até hoje. Nesses anos todos me dediquei áqueles que necessitam da minha proteção que são meus filhos, e hoje meus netos: Gabriela e Vitor Hugo. Agora, no momento, encontro você que ativa minha memória de uma leitura tão saudável.