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domingo, janeiro 09, 2011

Educar, só com qualidade


Educar, só com qualidade


Minha iniciação escolar deu-se naquele março, há muitos anos. Mais precisamente, em 1950. Lápis, borracha, apontador, caixa de lápis de cor, caderno de desenho, tabuada, cartilha... Não tinha aquilo de pré-escola ou jardim da infância, começamos logo a decorar o abecedário, em seguida os algarismos, as sílabas, o que eram unidade e dezena... Dona Vanda Rodrigues da Cunha, a professora, era eficiente e brava. Virou personagem de um poema meu, Rondó de Menino Pobre, que o Jorge Braga ilustrou tão bem que chega a pensar que é dele; e é, meu irmão Jorge; somos sócios!




1956




Assim, o curso primário esticou-se; não tínhamos graduação alguma naquele primeiro ano (preciso citar alguns nomes... Posso não! Certamente as meninas vão parar de falar comigo, pois trairei o segredo das idades). Alguns dentre nós tornamo-nos professores de formação e ofício; outros pegaram outras pás do leque. Eu fiquei em desvio de função, acabei jornalista.




Cadernos: motivação cívica

Nunca me esqueço dos cadernos com escoteiros na capa; na contracapa, ora a letra do Hino Nacional Brasileiro, ora a do Hino à Bandeira ou ainda a do Hino da Independência. Aprendíamos também a cantar canções próprias de crianças, algumas de cunho religioso, outras relativas às histórias infantis que mães e professoras não deixavam de nos contar.

1957, Escola Evangelina
Era o tempo em que se dizia que “a criança é o futuro do Brasil” (havia intelectualóides que corrigiam: “serão o futuro”; redundância ou hipérbole, Leda Selma? É o mesmo que dizer “foi ex-marido dela”). Numa fase seguinte, uma década depois, tinha eu, já, a consciência de que sem Educação nada se faz. E decidi que seria professor.

Os tempos de faculdade corroboraram a crença de que a Educação era, sim, a única coisa indispensável para se construir um futuro de qualidade. Infelizmente, desde aquela década de 1960, com o advento da ditadura militar e a soberba de que se revestiu a geração da redemocratização, a complexa atividade do ensino com qualidade passou a ser adiada “sine die”. Nem mesmo alguns professores investidos em funções políticas cuidaram de implantar a ideia que, ainda na infância, tornou-se meu propósito de vida.


Colégio Pedro II, 1961
A escolinha da Dona Vanda, em Caldas Novas; a Escola Evangelina Duarte Batista, em Marechal Hermes, e o Colégio Pedro II (Tijuca e Centro), no Rio de Janeiro, e o Lyceu de Goiânia (na época, estranhamente intitulado Colégio Estadual de Goiânia) deram-me as bases para o magistério. Infelizmente, fatos só justificáveis em tempos de arbítrio conduziram-me ao desvio: bancário, auxiliar administrativo, escritor, jornalista... Enfim, a vida fora das salas de aulas.

Por que repito esta história, ainda que com outra linha? Só para complementar o que colegas jornalistas andam enfocando com muita ênfase ultimamente. E vários são os jornalistas que enveredaram-se pela trilha do ensino; a esse propósito, na madrugada desta quinta-feira (6 de janeiro, 2011), ouvi Alexandre Garcia, da Globo News, contar que desistiu de ser professor de jornalismo quando, numa classe de trinta alunos, perguntou se alguém já ouvira falar sobre Winston Churchil; o único que levantou a mão assegurou que o homem do charuto fora presidente dos Estados Unidos.

Está certo, o Alexandre Garcia! Professor universitário é muito diferente de professor de ensino fundamental e médio, precisa ensinar o ofício, e não as bases acadêmicas. Jornalista tem que conhecer História e Geografia. E estudantes de faculdade desconhecendo a História recente da humanidade é algo realmente lamentável! Ensinar o quê? Esses moços têm que chegar à Universidade com um mínimo de informações indispensáveis!

Com uma réplica do uniforme dos anos 1960, eu, ex-aluno e ex-professor do
Lyceu, entre alunos e as professoras Klaudiane Rodovalho e Júlia Franco (2010)

Há que se investir mais e com mais interesse nos ensinos básicos! O Lyceu, na Cidade de Goiás e em Goiânia, referência maior na Educação de Goiás, precisa resgatar-se como o grande colégio de dezesseis décadas! O professor precisa resgatar sua autoestima e ser melhor remunerado! A escola de base e a média precisam ser de tempo integral, com uma Educação igualmente integral, constituída não somente de aprendizado acadêmico, mas enriquecida com artes e música. E, sobretudo, com a prática constante da cidadania, revestida de informações sobre as leis, os valores morais e a consciência social.

O tempo passa... Precisamos correr e alcançar o futuro, que já começou por aí, mas deixamos que passasse por nós, feito um cometa. É tempo de agitar professores, comprometer a direção e arregimentar ex-alunos de todas as profissões para devolverem ao Lyceu de agora o que dele recebemos no passado.


* * *

Luiz de Aquino - escritor, membro da Academia Goiana
de  Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com


6 comentários:

Anônimo disse...

Caro Luiz
como professor do ensino fundamental deixei uma lição aos moços no meu blogue. Espero que sirva para alguém. São duas perolas do cinema. Instantes muito preciosos.
abs
Eric

Anônimo disse...

Cronista:

Você é um cara incrível, pois sabe quanto vale um professor. Mais ainda: reconhece a dignidade da profissão - v. deve ser um excelente professor!
Eu fui em outros tempos eu era paixonado pela atividade. Mas em 1964 acharam que corrompia a mocidade la na UFG e me mandraram passear e ainda tirar umas férias na Penitenciária. Minha família é de professores - meu pai foi professor do Liceu de Goás
e Goiânia e ambém tive irmão também professor na Universidade do Paraná.
Para minha alegria tenho dois filhos professores na Universidadae de Brasília, ambos nas áreas de humanas.
Mas eu queria sobretudo ressaltar que você é meu cronista predileto e que subscrevo tudo que v. diz!
Abraços do Elder

MOLHO LIVRE disse...

Goiania deve você! sua arte ilumina as escadas da sabedoria!!!

Luiz de Aquino disse...

Carissimo Elder Rocha Lima,
Seu comentário enriquece meu texto, obviamente! Admiro-o como arquiteto, escritor e artista plástico, pela força de seu talento e sua indiscutível eficiência profissional. E esse seu amor ao ofício da Educação o torna maior ainda!

Abraços,

Luiz

Anônimo disse...

Oi Luiz,
Olha admirar vc é como saber admirar uma estrela, porque a estrela brilha tão longe e vc está tão perto,seu brilho, suas palavras, suas poesias,me dispertou preciso ler mas... Muito mas quero ler tantas coisas lindas escrito em livros que nunca li, e agora que te conheci sei como disse o analfabeto é aquele sabe lê e nao lê... Lindo tudo que faz... te admiro muito... Silvia...

Jane disse...

Caro Luiz, sua crônica emocionou-me. Além de se expressar tão bem, tocou em assuntos que me são muito caros. Pena tanta gente boa ter desistido de ser professor pelo pouco saber e interesse dos universitários nas últimas décadas. Deixaram de preencher uma lacuna deixada por um ensino fundamental e médio de baixa qualidade,que vem se perpetuando até hoje - razões não faltaram para isto e não vale a pena discutí-las aqui e agora.
Também estou començando um blog, mas com tão pouca capacidade técnica... ainda não vale a pena olhar. Nem sei ilustrá-lo, como você fez aqui, com fotos, tão responsáveis como o texto, pela minha emoção. Com admiração, um grande abraço. Jane