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sexta-feira, janeiro 21, 2011

Leitores, escribas e gestão cultural

Leitores, escribas e gestão cultural



Dos cinco sentidos que a ciência define para o bicho sapiens, todos eles exercidos e exercitados por todo o tempo em que o animal está em vigília, o sabor e o olfato parecem-me os mais misteriosos. O que vemos, reproduzimos; o que ouvimos, também; o que sentimos na pele é alvo de boa descrição e facilmente compreensível. Os odores e os sabores exigem analogias. Mas o menos descritível, para mim, continua sendo o paladar.

Cheiro de mato nos dá uma boa ideia; cheiro de flor, cheiro de frango cozido, cheiro de churrasco, cheiro de sabonete ou de colônia, de perfume ou de batom, cheiro de sexo... Deixo de listar aqui os odores desagradáveis, prefiro evitar  o escatológico. Jorge Luís Borges, imortal poeta argentino, cultivador das línguas e dos textos, da prosa perfeita e da impecável poesia,  em palestra na Universidade de Harvard (EUA), citou:

Falando sobre o bispo Berkeley (que, permitam-me lembrar, foi um profeta da grandeza dos Estados Unidos), lembro que ele escreveu que o gosto da maçã não estava nem na própria maçã – a maçã não pode ter gosto por si mesma – nem na boca de quem come. É preciso um contato entre elas. O mesmo acontece com um livro...”. (Colhi essa pérola no livro "Esse ofício do verso", que me foi presenteado pelo professor Goiamérico).

Isso vale para o livro, a peça literária, a frase (ou verso), a música, as ditas plásticas e as artes cênicas. Vale também para o amor, porque esse gostar que transcende a razão e o que pode ser diagnosticado, também acontece quando o contato entre duas pessoas resulta em essência única, comum aos dois.

Cheguei à literatura por uma combinação de influências – de minha mãe, por ouvi-la contar contos de fadas e ler-me um livro chamado “Histórias da Carochinha”; de meu pai, pelos sons envolventes do bandolim e do violão, por estimular-me a decorar letras de valsas, boleros e canções e por levar-me como seu cantor em serenatas (um cantor de quatro anos de idade, que tremia de frio entre uma janela e outra da pachorrenta Caldas Novas daquele tempo).

Meus escritos nas páginas do DM são publicados também num blog: http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com. Leitores meus (a boca que come a maçã) escrevem-me desde frases sintéticas como “Gostei” ou “Amei” até conceitos analíticos (pela ótica sociológica) ou críticos (na visão da literatura). Eventualmente, envio-os à Sabrina Ritiely, nossa editora de opinião, para que os selecione e publique. E fica assim: se escrevo para expor ideias aos leitores, leio o que eles comentam e, assim, trocamos os sabores de nossas maçãs.

De Inhumas, cidade vizinha, chega-me, pelo Facebook, a escritora e amiga querida Helena Sebba
Olá Luiz. Tenho recebido com frequência suas publicações (e) venho lendo suas crônicas também. Gosto delas, especialmente quando contêm aquele “tonzinho um tanto ácido”, que lhe é peculiar. Parabéns por tudo, e seus escritos, eu acho, fogem do banal, da mesmice, e isto os fazem gostosos de ler, um arejamento das ideias, projetanto lucidez e realidade na babaquice que vemos na maioria das crônicas e pseudo-ensaios na imprensa goiana. Prossiga em sua batalha. Ela faz muito bem”. 
Claro, gosto de elogios, mas o que mais me move é a crítica; e Helena Sebba trouxe-me ambos.

E continua, mudando de tom: 
Você sabe dizer como anda a atuação do novo presidente da AGEPEL? espero que ele proponha maior abertura, mais modernidade à Agência, uma vez que a mesma tem andado a passos de tartaruga, e a meu ver, aquela burocracia mofada impede muita gente de seguir em frente. Comigo aconteceu um fato digno de figurar em quadro de ‘impossível acontece’. Depois eu conto".

Contou-me. Não vem ao caso, nesta crônica. O que me cabe, agora, é responder à pergunta sobre a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico, a autarquia que faz as vezes de secretaria da Cultura do governo estadual. Seu novo presidente, Gilvane Felipe, trouxe para os quadros gente nova e certamente se cercará de alguns remanescentes, ou, pelo menos, do apoio de veteranos do ofício. Helena, ao meu ver, ele significa o recomeço no processo da política cultural desastradamente interrompida quando se pôs lá alguém não apenas estranha ao meio, mas com indisfarçável menosprezo à maioria dos criadores culturais. Gilvane Felipe tem bom trânsito no meio, sabe conversar e informar-se, ouve e fala, respeita artistas de todos os segmentos, está à vontade no meio acadêmico e é político. Quer dizer que saberá muito bem lidar com a gestão dos bens e de cultura e com a política da criação artística.

Estou com ele.


* * *


Luiz  de Aquino é membro da Academia Goiana de Letras.  

5 comentários:

Mara Narciso disse...

Copiando a minisérie da Globo, alguém me perguntou: " O que querem as mulheres?" Respeito, foi o que respondi. Trânsito livre entre artistas e acadêmicos é o que mais se pede, e significa que a pessoa citada é um chefe que respeita todos os segmentos. A cultura de Goiânia vai deslanchar.

Helena Sebba disse...

Olá,meu amigo.
Li sua página. Dispensa tudo que eu possa dizer, mas assim mesmo me atrevo: bonita como sempre, clara, concisa e abrangente, pode? Com você não só pode como é possível. Além de tudo, a primeira parte é de uma lindeza ímpar, emocionante. Reiterados parabéns. Também acredito em novos tempos para a cultura goiana, setor que ultimamente foi relegado ao quase abandono e os fazedores de arte abusivamente tratados como cidadãos de 2ª classe.

Helena Sebba.

Luiz de Aquino disse...

Querida Helena,

"Também sou filho de Deus, e como Mark Twan dizia, posso viver bem durante uma semana com um bom elogio".

Deus te cuide!

Ademir A. Bacca disse...

caro luiz

estou te seguindo agora parabéns pelo blog
abraços

Klaudiane Rodovalho disse...

Oi Bom Dia!!
Li sua crônica hoje. Um primor!

Como matemática admiro sua maneira de escrever.
Começou com um toque de poesia, fez uma citação belíssima e terminou ressaltando a necessidade urgente do resgate de ações culturais mais consistentes em Goiás.
Já diz um canção do Titãs, " a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte...." Nós goianos precisamos de ações mais constantes neste sentido, valorizar a cultura goiana, o que é daqui.
Nós goianienses e goianos precisamos de solidificar nossa identidade cultural sem receios e limites, só assim é que os jovens de hoje poderão mostrar à próxima geração quem nós somos, quais são nossas raízes, não seria este o papel da Cultura em uma comunidade?

Precisamos de uma revolução cultural nas Escolas Estaduais, eventos com escritores goianos, cantores, peças teatrais , mas quando pensamos em chamar, que dificuldade... é uma verdadeira maratona de talvez, quem sabe, e no fim uma frustração. Como teremos bons leitores se não começarmos nas escolas a provermos um contato direto do jovem com os escritores? Como teremos bons ouvintes de uma boa música de qualidade com poesias que revelam nosso cerrado, nosso jeito de ser, de viver se não há acesso desde a idade escolar? Os professores de música fazem sua parte , mas sós sem apoio, nem da Secretaria da Educação, nem dos outros órgãos ligados à cultura, sempre alegam que precisamos buscar parceiros, ora, escola não é filantropia não!

Como estamos em início de ano, nossas esperanças ficam renovadas, esperamos sempre o melhor. E eu como educadora espero o melhor, mais investimentos e mais atenção. Que a AGEPEL não seja apenas mais um departamento burocrático, que trava ações, mas que conceda o que a comunidade Goiana carace, nutrir sua identidade cultural para alçar vôos cada vez mais altos, geração culta é geração vencedora, consciente, aberta para novas idéias.