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sábado, agosto 20, 2011

Razões de mestre


 Razões de mestre


Pessoa amiga, com quem, quase todos os dias, troco frases de informação e amizade, veio-me com essa:

  Tomei uma decisão: vou mesmo requerer minha aposentadoria – escreveu-me via MSN; e continua –  Juro, não suporto mais o nível dos meus colegas. É um tal de "vamos estar fazendo”; estou ‘meia’ gripada” e ainda  “nós, ‘enquanto’ educadores...”.

Ah, que pena! Queria guardar surpresa e contar somente no final o ambiente em que ocorrem esses diálogos, mas não consegui. A minha lingual coçou e entreguei as pérolas de linguagem dos professores. Sim, senhores: essas falas são de professores universitários!

Há décadas venho contando absurdos anotados no meio do ensino de todos os níveis. Há uns doze ou treze anos, Lucas, meu filho (na época, recém alfabetizado; lia tudo o que  lhe aparecia em letras). Na escola, onde cursava a pré-escola, implicou por ver, num cartaz, a palavra “água” escrita sem acento. Cobrou da coordenadora, que quis alegar “liberdade poética” (na minha frente!) mas não convenceu; recolheu o cartaz e aplicou o acento faltoso.
Tenho o caso de uma professora de Português, da década de 1980, que passou uma tarefa para casa pedindo o plural de várias palavras, entre elas lápis, pires e tênis (já contei isso em crônicas anteriores). A aluninha, filha de conhecida minha, consultou a mãe e esta ensinou: bastava aplicar o plural nos artigos, assim: os lápis, os pires  os tênis. A professora, no pedestal de sua autoridade, riscou com caneta vermelha e corrigiu: “lápises, píreses e tênises”. E ante a cobrança da atônita mãe, esclareceu: “Nós, goianos, temos a mania de não falar corretamente os plurais, por isso a senhora estranha”.
Meu amigo diz-me que não se sente sábio: “Mas essas coisas eu aprendi no ginásio’’. Pois é! Acabaram com o ginásio... Conheço ene professores de Letras que não conseguem entender o que é regência. Concordância, então, passa longe... Jornalistas de rádio, tevê e impressos vêm transformando objeto indireto em direto por não saberem onde entra ou não uma preposição : “Aquela pessoa que você gosta”, costumam dizer. A peneira da OAB, para liberar a carteira de advogado, ainda que venha a ser considerada inconstitucional, tem sua razão de ser. Se incluírem provas de Língua Portuguesa e estenderem esses exames para as demais profissões, teremos quase todas as universidades fechadas.

Falta leitura desde os primeiros anos do aprendizado. Falta a vaidade do bem-saber. E saber não é só conhecimento técnico profissional, mas graduados em nível superior precisam – e devem – saber mais do que o mero exercício de suas profissões. As escolas básica e média precisam incluir mais esporte e arte em seus currículos. E, paralelamente, é indispensável instituir-se de volta o respeito aos professores e a prática – parece-me que em desuso – das inspeções escolares. É preciso re-estabelecer o uso sistemático do uniforme nas escolas públicas – prática removida por ação de um juiz ou promotor, falta-me a informação precisa. É preciso combater, urgentemente, as pichações, que causam prejuízos enormes ao poder público e facilitam e até estimulam o banditismo. A escola pública é tolerante com atos criminosos.

É que, faltando com as práticas do bem-falar e do bem-escrever, a escola não propicia o bem-aprender. E o resultado é esse: bacharéis que não sabem redigir petições, professores que falam errado, jornalistas que comunicam mal e médicos que se tornam contumazes na prática do erro, levando pacientes a deformidades e até mesmo a óbitos.

E meu amigo conta ainda:


– Nós aqui temos professores que lutam por uma universidade "enganjada" em causas sociais. Há aqueles que "arrecardam" brinquedos para o natal dos pobres...

E me dá mais pérolas professorais:

– Será “se” eu... (no lugar de "Será que eu”... Maior confusão com o uso das duas integrantes).

E finaliza com a frase que o convenceu a aposentar-se:

– Hoje tem “menas” gente na sala dos professores, por quê?


Lembrei-me de outro amigo, também profissional de letras, que, pinçando preciosidades lingüísticas no falar comum, explica assim o seu feliz emagrecimento após mudança de hábitos alimentares:

– Emagreci, sim, olhem o meu perfil: estou “com menas” barriga e “com menas” bunda.




* * *



17 comentários:

Tania Rocha. disse...

Caro Sr poeta Luiz de Aquino.
Lamentável ,difícil acreditar que no meio docente, ainda existam pessoas que falem assim, como foi descrito em sua crônica. Sua colega tem razão ,melhor aposentar-se ,cuidar de um jardim, ler poesia , brincar com netos ,namorar , viajar ......

Maria Helena Chein disse...

Pois é, Luiz, sábia crônica. A propósito, ontem, um conhecido me disse:
pode subir dois "degrais". Ainda repetiu. Tem curso superior,
bom ambiente de trabalho e não aprendeu. E ninguém o corrigiu.
Nem eu, mas em uma próxima oportunidade, muito sutilmente,
lhe direi "degraus".
Bjs.
Maria Helena

Jô Sampaio disse...

Rapaz...que crônica cruel."O professor véve atordoado, por isso eu fiço essa crônica".

Tania Rocha disse...

O comentário da Jô, foi ótimo. O professor "veve" "atordoado ,e ninguem "aresorve esse pobrema"Mas ainda sim ,o cuidado no bem falar e escrever é uma obrigação do mestre.

.guga valente. disse...

Caro Luiz, não sei se somos de épocas diferentes - daí talvez minha visão ser tão distinta da sua - mas desde que cursei Letras, entendo que há uma diferença enorme entre o falar e o escrever. As variações são sociais, geográficas e históricas e na fala elas se acentuam ainda mais.
Acredito que o rigor que você e tantos outros reclamam, mesmo para professores, seja exagerado. As mudanças de classe, por exemplo, citadas na crônica, ocorrem naturalmente, pois a língua é viva, dinâmica e muda conforme as necessidades dos falantes.
Nas provas comuns do cotidiano (concursos, vestibulares, escolas) os alunos se saem melhor em interpretação textual (acredite!) que nas exatas. É o famoso: "no portuguêis eu sô até bão. O que me aderroba é a matemática".
Sou da visão de que não devemos ser tão rigorosos com algo que é tão flexível. Devemos cobrar a compreensão dos sentidos, e exercitá-los tanto quanto a gramática normativa. Veja você, se fôssemos levar a ferro e a fogo toda observação de regras, na sua crônica você deveria ter concordado o verbo "passar" no plural, pois se referia a um sujeito igualmente no plural:
"Conheço ene professores de Letras que não conseguem entender o que é regência. Concordância, então, passa longe..."
Agora, caso você me diga que esqueceu de digitar um 'm' depois do "passa", eu vou entender que nossa cabeça processa o que se quer dizer de um jeito diferente na fala e na escrita, como geralmente ocorre mesmo. Ou de repente, por questão estilística, você tenha optado por concordar o "passa" com "ene".
Um grande abraço.

Luiz de Aquino disse...

Caríssimo Guga, o sujeito de "passa" é "Concordância", e não "professores".

Muito obrigado pelo rico comentário. Concordo, sim, que as línguas - todas elas - são dinâmicas e mudam-se frequentemente. Como autor, uso com frequência construções em desacordo com a gramática e, no passado, há décadas, alinhei-me entre os que questionavam o personagem Chico Bento, de Maurício de Sousa. O receio era: aquele modo de falar não resultará em aprendizado errôneo? Não: as crianças, público-alvo das revistas da Turma da Mônica entendiam bem que o Chico Bento falava no linguajar roceiro, bem como o Cebolinha tinha (tem) dificuldade com o erre.
O que eu questiono nesta crônica náo é sequer o fato de se falar com os erros costumeiros da linguagem coloquial. O problema, Guga, é que os profissionais a que me referi desconhecem, sim, essas regras corriqueiras. E ostentam o título de professores, ainda que falem "degrais" e "troféis".
Resumindo: aceito até com doçura o modo costumeiro de se falar; só náo aceito que profissionais da língua a usem como um bêbado dirige um automóvel.

Nilson gomes disse...

Estaria errado se fosse "De concordância, então, passa longe", porque a referência seria à oração anterior, comandada por professores. Nesse caso, não há sequer o que discutir, já que a chefe é Concordância.

Maria José disse...

Esta crónica aplica-se à realidade brasileira mas também é um espelho do que se passa em Portugal.Como professora, penso que as nossas crianças merecem o melhor que lhes pudermos dar na sala de aula. Merecem todo o nosso respeito, acima de tudo. É, contudo, importante tentar perceber a razão do desprendimento, em relação ao trabalho docente, desses professores. Não pretendo encontrar justificação para coisas injustificáveis mas se entendêssemos as suas razões talvez fosse possível alterar essa triste realidade.Poderia falar muito mais sobre este assunto mas, na generalidade, os professores são muito mal vistos pela sociedade. Nessa perspectiva, continuo a defender que qualquer professor deve investir, ao longo da vida,na sua formação e melhoria como profissional, até por respeito a si próprio.
Um abraço
maria José Ramos

Vivi disse...

Querido Luiz,
Meu pai nos educou com severidade. A disciplina em casa era rígida e não havia "argumentos" para driblá-la...Era a "psicologia tirânica", do tipo "deita", "rola", "finge de morto"...Crescemos tentando "acertar", mas, sabendo também das possíveis derrotas. Mesmo com todo autoritarismo nenhum filho deixou de amá-lo por isso, muito pelo contrário, crescemos sabendo da importância do estudo/aprendizado e o agradecemos por se preocupar com o nosso futuro. Fico assustada com algumas escolas que admitem professores que dizem: "iorgute", "parteleira", "poblema", "largata"...Longe de mim querer ser prepotente e dizer que sei tudo. Não mesmo. Mas o "básico", digamos assim, é fundamental. Certa ocasião, visitava uma escola com uma amiga interessada em matricular o filho no Jardim II. Ao passar pela sala vimos a professora aos berros chamando um aluno para ir ao quadro para escrever uma palavra: "Tá conversando né? Tá sabendo demais então. Vai lá no quadro e escreve: PERIQUITO!" O garoto assustado, disse que não sabia escrever aquela "palavra grande"(tinha 5 anos apenas). Ela, em posição confortável e autoritária, disse com voz estridente e irritante: "Nããão saaaabe??? Afinal, você é um homem ou um saco de batatas??" Naquele momento não tive vontade de me aposentar.Fiquei tão indignada que tive mesmo foi uma vontade de rasgar o meu diploma.
Atitude infeliz ou despreparo mesmo?
Parabéns pela crônica. Beijo, beijo.

GLAUCIA RIBEIRO disse...

Caros, talvez meu comentário esteja deslocado do tema central, mas como leiga, psicologa e cheia de erros em minha propria alfabetização, nao resisto a uma breve reflexão com ou sem erros de concordância.
A unica coisa que consigo pensar Luiz, é em quem passa longe de quem. E tenho que discordar, nao de sua concordância, mas do conteúdo. A coitada da concordância nao tem livre arbítrio, entao quem realmente passa longe são os professores de Letras da pobre concordância que por sua vez deveria ater-se em su lugar.

Mara Narciso disse...

Cometo os meus erros, mas tenho dado conta de diminuí-los a cada dia. Completo outros falares: iorgute, catredal, partileira, esmagrecer, dregau, e outros que machucam os ouvidos. Ainda assim o livreco do MEC acha que temos de engolir o errado e valorizá-lo como um bem cultural.

Mirian Oliveira disse...

Uma boa crônica e uma triste realidade, a nossa.
Um abraço, direto de Brasília.

Daniella disse...

Luiz, muito pertinente sua crônica.
O cenário educacional do nosso Brasil é realmente desencorajador em todos os níveis.Não me surpreende que sua amiga sinta-se tão desmotivada.Em algumas ocasiões, visito as escolas municipais promovendo educação em saúde e é estarrecedor constatar que alguns professores não tem o mínimo preparo para instruir seus alunos. Alguns,acho,ainda deveriam ocupar umas tantas carteiras vazias de sua sala. Eu, como filha de professora, lamento profundamente a extinção de mestres comprometidos com o amplo sentido do ofício de educar.
Grande abraço!

pqueirozribeiro disse...

Amigo Poeta:
Essa crônica é muito boa. Interessante que você deixou de citar os jornais e os meios de comunicação, principalmente aqueles que não suportamos.
Um grande abraço do amigo

Luiz de Aquino disse...

Caríssimo colega Paulo Queiroz, tenho "batido" muito nos coleguinhas jornalistas, tanto os da escrita quanto os das falas, verdadeiros planfletiros do falar mal. Poupei-os ligeiramnte desta vez, mas náo me esqueço deles.

Vania Rosa disse...

Meu nobre e querido poeta, lamentavelmente, é o que se vê com frequência. Deparo com tantas "pérolas" vindas de pessoas com formação superior, que chego a ficar envergonhada. A coisa já não vinha bem, tivemos a tal da reforma ortográfica e para piorar ainda nos deparamos com profissionais que deveriam dar o exemplo e não dão. Estamos perdidos!
Ah, "Última flor do Lácio", por que insistem em querer despedaçá-la?
Agradeço pelas crônicas e deixo um beijo carinhoso.

pires disse...

Minino? Oia só, e eu onde fico? Se der pra vc entender vá lá no meu blog e me corrija. rsrsrsrsrs!!
Zanga com isso não!
Abração!