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sábado, agosto 27, 2011

Razões de mestre (ainda)


Razões de mestre (ainda)


No meu blog, recebi comentários sobre a crônica anterior, “Razoes de Mestre”, de escritores e professores, além dos leitores habituais. Boa parcela enriqueceu meus argumentos, listando falas e palavras ouvidas de pessoas com grau universitário. Quero enfatizar um dos comentários, do meu jovem e admirável amigo Guga Valente, que ensina na área de Letras, no Ensino Médio privado:

Caro Luiz, não sei se somos de épocas diferentes - daí talvez minha visão ser tão distinta da sua - mas desde que cursei Letras, entendo que há uma diferença enorme entre o falar e o escrever. (…) As mudanças de classe, por exemplo, citadas na crônica, ocorrem naturalmente, pois a língua é viva, dinâmica e muda conforme as necessidades dos falantes. 
Nas provas comuns do cotidiano (concursos, vestibulares, escolas) os alunos se saem melhor em interpretação textual (acredite!) que nas exatas. É o famoso: ‘no portuguêis eu sô até bão. O que me aderroba é a matemática’.
Sou da visão de que não devemos ser tão rigorosos com algo que é tão flexível”.

Guga continua – e aqui o contesto, com dois apoios indiscutíveis (e só os cito em respeito ao empenho dos missivistas):

“Veja você, se fôssemos levar a ferro e a fogo toda observação de regras, na sua crônica você deveria ter concordado o verbo "passar" no plural, pois se referia a um sujeito igualmente no plural: 
"Conheço ene professores de Letras que não conseguem entender o que é regência. Concordância, então, passa longe..."
Agora, caso você me diga que esqueceu de digitar um 'm' depois do "passa", eu vou entender que nossa cabeça processa o que se quer dizer de um jeito diferente na fala e na escrita, como geralmente ocorre mesmo. Ou de repente, por questão estilística, você tenha optado por concordar o "passa" com "ene".


Guga não percebeu: o sujeito de "passa" é "Concordância", e não "professores" nem “ene”.



Nessa esteira veio o jornalista Nilson Gomes: “Estaria errado se fosse "De concordância, então, passa longe", porque a referência seria à oração anterior, comandada por professores. Nesse caso, não há sequer o que discutir, já que a chefe é Concordância”.
A professora carioca Sueli Soares ratifica: “O período por ele questionado possui quatro orações, sendo que a última tem como sujeito o termo "Concordância". Portanto, não entendi porque (Guga Valente) criou aquele caso. Se estiver errada, a culpa e do meu professor Evanildo Bechara”.

Muito obrigado, Guga, pelo rico comentário. Claro que as línguas todas elas são dinâmicas e se alteram sempre. Como autor, uso com frequência construções em desacordo com a gramática. O que eu questiono nesta crônica não é sequer o fato de se falar com os erros costumeiros da linguagem coloquial. O problema, Guga, é que os profissionais a que me referi desconhecem as regras corriqueiras. E ostentam o título de professores, ainda que falem "degrais" e "troféis".
Resumindo: aceito até com doçura o modo costumeiro de se falar; só não aceito que profissionais da língua a usem como um bêbado dirige um automóvel.

Bem: Guga imagina que radicalizo por ser de uma geração antiga, talvez ultrapassada. Graças a Deus! Escapei d essa tal “geração ípsilon”. Em crônica  recente, “Língua e Matemática”, abordei o conhecimento intuitivo que desenvolvemos de ambas durante a vida: com estudos ou sem eles, as pessoas aplicam ferramentas de linguagem e matemática todo o tempo, e essa talvez seja a defesa maior do professor  Guga. Eu, escritor por prática e teimosia (as escolas não nos ensinam a ser artistas e escritores; apenas nos aprimoram), portador de licenciatura (em Geografia) e especialização (em Docência do Ensino Superior), tenho outra visão do processo educacional, Guga. Defendo o princípio de que todo e qualquer cidadão estudante, desde a mais tenra idade e até os umbrais da universidade, tem direito de aprender corretamente. Não cabe a professor algum sonegar-lhe o aprendizado.

A escola tem que propiciar o acesso à língua culta, indiscriminadamente. E a universidade precisa, urgentemente, exigir mais dos alunos. Diplomar professores que não sabem falar sem erros grosseiros e bacharéis que não logram aprovação em exames da Ordem dos Advogados é confessar incompetência.

E o pior: os professores não se submetem a exames pós diplomas; assim, prejudicam a clientela – crianças  jovens – por exercer conceitos equivocados sobre a Educação ou por não terem competência para ensinar corretamente.

* * *

7 comentários:

Mara Narciso disse...

Quando li o comentário de Guga, se bem o conheço, Luiz, sabia de certeza que teríamos uma tréplica, já que a réplica veio na sequência do comentário. Temos de aproveitar todos os momentos para aprender sempre e não termos a mente fechada para novas formas de dizer, embora a estrutura da língua mãe não possa nunca ser desprezada.

Mirian Oliveira disse...

Caro mestre,
Seria extremamente salutar que a maioria dos "ditos" professores tivesse a humildade de fazer
autocrítica e concluir:
- "É... devo estudar mais para, só assim, ser digno de ensinar".
Os futuros professores deste país agradecem, antecipadamente!
Um abraço, Luiz, direto de Brasília.

Fatima Rosa Naves disse...

Caro Poeta, é preciso que esse assunto renda mais reflexão. Não sou da área de Letras, e estou sempre cometendo erros, o nosso português vive nos pregando peças!!, mas peço licença para arriscar uma opinião e passar algumas informações.
Eu concordaria com o Guga, se estivéssemos em um processo de evolução da aprendizagem e a utilização de dialetos, mas não sei, sinto a questão grave, acho que estamos, talvez por acomodação, deixando a coisa acontecer. Quando vejo os resultados descritos da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização). A prova é uma nova avaliação nacional organizada pelo Todos Pela Educação, Instituto Paulo Montenegro/Ibope, Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em que mostra que metade das crianças brasileiras que concluíram o 3º ano (antiga 2ª série) do ensino fundamental em escolas públicas e privadas não aprendeu os conteúdos esperados para esse nível de ensino. Cerca de 44% dos alunos não têm os conhecimentos em leitura; 46,6% em escrita e 57%, em matemática. E que, aos 8 anos, elas não entendem para que serve a pontuação ou o humor expresso em texto. A prova, simples, foi aplicada no começo deste ano para 6 mil alunos de 250 escolas apenas das capitais.Todos responderam a algumas questões e fizeram a redação, que teve como proposta escrever uma carta a um amigo contando sobre as férias.
Ha muito, nós professores universitários e que recebemos adultos as crianças descritas acima, estamos sofrendo com nossos alunos a dificuldade deles em ler e escrever, e quero repassar o que sempre questionamos: Por que não sabem escrever? Por que não gostam ler?, não gostam de ler por que não sabem o significado das palavras?, não sabem o significado por que não a identificam na sua fala? e aí...perguntamos...qual é a “sua fala”?, e aí? ele inventa essa escrita? É assim que “as mudanças de classe...ocorrem naturalmente, pois a língua é viva, dinâmica e muda conforme as necessidades dos falantes”. Guga, a sua afirmativa não é bem assim: “Nas provas comuns do cotidiano (concursos, vestibulares, escolas) os alunos se saem melhor em interpretação textual (acredite!)”, esse "melhor" é de uma qualidade muito ruim, acredite.
E aí caro poeta, esse aluno gradua-se e volta à sala de aula como professor. O que podemos fazer?

Mariana Galizi disse...

Bom, o que posso dizer... é só um longo suspiro. Sim, a língua é viva, muda conforme suas necessidades, encara com vigor todas as alterações socias ao entorno. Mas há de se ter cuidado para não confundir as mutações da língua, a estilística aplicada pelos conhecedores da flor do lácio, com descaracterização e displiscência em seu uso.
Concordo com Luiz quando percebo o abandono da nossa língua, a preguiça de escrever corretamente, a preguiça de ler... são tantos os fatores que nos trazem até aqui, que listar seria lotar páginas e páginas, sem uma mudança efetiva como resultado. Sou das letras, preciso evoluir muito, vi muitas situações erradas na instituição a qual me formei e outras piores nas quais lecionei. Há a grande premissa de que apreender a Língua Portuguesa não é fundamental, desde abreviaturas até o vulgar internetês, percebo vários filhos abandonando uma mãe que só queria ser ouvida com pureza e beleza.

Klaudiane Rodovalho (Professora do Lyceu) disse...

Oi Luiz,
Nossa Língua Portuguesa é elaborada e sofisticada, cabe a nós brasileiros o empenho de aprendê-la. Precisamos dominar a língua pátria, independentemente de nossa formação profissional. Um profissional que consegue se expressar de um modo correto, sem erros grosseiros de concordância, se destaca, conquista seu espaço. Compreendo que temos nosso jeito goiano de falar, mas quando vamos escrever, precisamos nos dedicar.
Sou Matemática e adoro a lógica da morfologia e da sintaxe, dos sonetos, das dissertações, dos textos informativos, das crônicas. Tudo não passa de uma questão de interesse pelo o que é nosso, de nosso país.

Maria Dulce Loyola Teixeira disse...

Muito bem colocada a sua réplica. É necessário pedir socorro para o português correto. Se as autoridades brasileiras exigissem mais, remunerassem melhor seus professores e a sociedade cobrasse o ensino de qualidade a que tem direito - gratuitamente - seria diferente. Não sabemos mais ficar indignados com que está errado. D.Pedro II, por volta de 1891, não autorizou uma homenagem a ele com gastos públicos, disse que seria melhor perpetuada a sua memória se aplicassem a verba em melhorias para as escolas públicas: "... nada me agradaria tanto como ver a nova era de paz firmada sob o conceito da dignidade dos brasileiros, a começar por um grande ato de iniciativa deles, a bem da educação pública."
Que bom exemplo para nossos dirigentes...

Anônimo disse...

Ah... poeta!! Que bom seria se os erros fossem mero engano daqueles que os interpretam!!