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sexta-feira, setembro 02, 2011

Sapucaia


Sapucaia


Primeiro, o dicionário de papel; depois, uma consulta ao Google. Faltou-me um bom livro de botânica brasileira, mas o que encontrei é o bastante. Queria saber um pouco sobre uma solene árvore que fica junto ao muro do Parque Agropecuário, junto da esquina da Avenida Meia-Ponte com a Rua Um da Nova Vila, na esquina próxima ao CRER (Centro de Reabilitação Henrique Santillo).


Bem, uma amiga me preveniu: a árvore, estes dias, está totalmente desfolhada. Indica que estamos nas últimas semanas da estação seca e em poucos dias ela passará pela floração. Suas folhas ficarão róseas (as mulheres que me ajudem! Eu chamo aquilo de cor-de-rosa, mas as mulheres terão no mínimo cinco nomes que bem marcam os tons variados do que eu chamar de cor). E ao pesquisar o nome “sapucaia”, encontrei um exemplar dessa árvore no ponto em que se faz muito bela, belíssima! Mais que quando verde, que o verde das folhagens é também expressão de raríssima beleza, mas a coloração festiva só ocorre uma vez a cada ano e justo nessa transposição do Inverno para a Primavera (os nomes das estações em maiúsculas obedece a regra que trago dos tempos de  primário; qualquer mudança posterior aparece-me como novidade não convincente).


Volto aos conceitos: o dicionário em papel – no caso, o Caldas Aulete (tenho reservas ao Aurélio) – diz-nos que sapucaia é nome de várias árvores, mas dá primazia ao nome científico de uma delas, Lecythis pisonis. E a enciclopédia virtual Wikipédia (nem tudo o que vemos lá é confiável, porque aceita acréscimos, em alguns casos) informa um pouco mais:popularmente conhecida por sapucaia ou cabeça-de-macaco, é uma árvore brasileira da família das lecitidáceas. Sua semente é chamada castanha-de-sapucaia. A palavra sapucaia tem origem tupi, ainda que existam diferenças nas propostas etimológicas: ou resulta da união dos elementos sa, puca e ia (respectivamente: olho - que se abre - cabaça) - já que ao abrir-se o opérculo do fruto (que é um pixídio) parece que se vê um olho. Por outro lado, há quem considere que a palavra tem origem na palavra tupi para galinha (elemento de troca entre índios e portugueses, no início da colonização, que as trocavam pelas sementes do fruto - castanhas)”.


Pois é! Algumas árvores marcam bem nosso habitat. A sapucaia no Parque da Pecuária é uma das principais referencias de Goiânia – como as gameleiras do Setor Sul e as do Setor Universitário; os ipês em toda a cidade (tenho preferência por um ipê branco na Avenida 136, entre a Praça Kalil Gibran e a Rua 115), e as buganvílias da Avenida Portugal.


Daqui a poucos dias, a sapucaia vai florescer e está em mim a impressão de que flores e folhas ganham a mesma cor. É o que vejo nas fotos pesquisadas na Internet. Muita gente vai até lá fotografá-la, postar fotos em suas páginas no Orkut e no Facebook, mostrar aos amigos...  É comum a gente se apegar a árvores, elas nos sugerem segurança. E é comum também nos encantarmos com as flores. Flor é sexo de plantas, é a demonstração natural da reprodução, tal como o ventre avolumado das fêmeas sugerem vida nova. Para a sapucaia, o ano deve começar agora, ao término de seu desfolhamento natural para dar lugar ao novo, às flores e aos frutos que virão a seguir.


A natureza ensinou-nos muito! Inclusive a medir o tempo: dias e noites são instantes distintos, mas aprendemos que noite e dia somam-se para mostrar a porta-bandeira Terra a sambar em torno do mestre-sala Sol; a Lua mostra-nos a semana em cada fase e soma-as para nos dar um mês; e as plantas, florescendo assim como a Sapucaia (agora, em maiúscula; e é desnecessário explicar) nos mostra um ano. E pensar que os nômades dos desertos “descobriram” o ano apreciando as estrelas!


Em síntese, é a vida a renovar-se, a renascer e... a nos ensinar! Os contadores de dinheiro e outros bens materiais desatinam-se ao tentar ridicularizar os poetas que apreciam as flores, a Lua, o Sol, as estrelas... a natureza em geral. Não sabem, esses desavisados, que viver é poetizar. E, poetizando, fui até a Nova Vila fotografar a sapucaia desnudada. Feito eu mesmo, meio século atrás, a bisbilhotar, à fechadura, a prima que se enfeitava após o banho.


Aquela nudez sugeriu alegria! Não está bela, a árvore, ela apenas se prepara para ornamentar-se de cor, como a prima se embelezava de tecidos e adereços, jóias e carmins de pó-compacto e batom. E nós, cidadãos da cidade, admiradores enamorados, voltaremos lá para regalo dos olhos e registros de imagens.

 


* * *


Gilberto Mendonça Teles e L.deA.
(Goiânia, janeiro/2011)










...e um poema a propósito, do mestre Gilberto Mendonça Teles:



Escreveu-me GMT:
Luiz, quando li sua crônica e vi o pé de sapucaia, me veio logo uma brincadeira 
poética, que aí vai:
                                                              

        Vilancico


Venha logo, tire a saia,
venha logo, meu amor,
debaixo da sapucaia,
o chão coberto de flor,
passarinhos dando vaia
no meu jeito de doutor
e no seu ar de gandaia
venha logo, meu amor,
galopando além da baia,
seja aqui, por onde for,
no mar salgado, na praia,
na tristeza de uma dor,
na beleza do Araguaia,
venha logo, meu amor,
para o meu rabo-de-arraia,
você no chão, com suor,
na moita de samambaia,
eu morrendo de calor
como um homem de tocaia
tendo você ao dispor
e que dança, canta, ensaia
e nunca sai do isopor


                   Rio, 2.9.2011

13 comentários:

Anônimo disse...

Luiz, que bela árvore, a sua floração se assemelha as dos ipês, pois primeiro eles ficam sem nem uma folha, depois são revestidos de flores. É lindo o ipê branco. Adorei o texto.

Anônimo disse...

Luiz, que bela árvore, a sua floração se assemelha as dos ipês, pois primeiro eles ficam sem nem uma folha, depois são revestidos de flores. É lindo o ipê branco. Adorei o texto. Lívia Aparecida

Gilberto Mendonça Teles disse...

Meu caro amigo: a crônica é digna da árvore.

Gilberto

Janaína da Rosa disse...

"A terra a sambar", adorei esta imagem. Eu gosto muito de árvores, acho, às vezes, que elas me entendem melhor do que as pessoas.
Também me incomodo com aqueles que acham que ver beleza d poesia na natureza é coisa ultrapassada e fadada ao desprezo. Não só os "contadores de dinheiro" fazem isso, mas também a nova geração de escritores que encontramos por aí...
Abraço.

sônia elizabeth disse...

Bela crônica, amigo poeta! Muito bem escrita, com extrema sensibilidade e ciência. Seu texto enriqueceu-se mais com a também bela poesia do nosso Gilberto Mendonça Telles.

J. Martines Carrasco disse...

Poeta,

Alguém poderia inquirir sobre quem capaz de relacionar chocantes paradoxos entre de coisas tão apartadas no espaço e tempo, criando-lhes vínculos harmoniosos na mensagem pretendida.
Quem poderia traspassar-se ileso por entre um complicado enredamento de árvores, sexo, carnavalescos, um planeta girando em torno de uma estrela, e um outro planeta orbital-cronômetro?
Ora! Ao inquiridor se diria:
- amigo, só quem nascido sob inspiração de musas especiais consegue harmonizar absurdos, com beleza e arte (no que você é mestre, poeta Luiz de Aquino).


Abrç do J. Martines Carrasco

Creuza Arrais disse...

Bom dia!!!! Acabei de ler sua crônica Sapucaia. Uma leitura boaaaaaaaaaaaaaa. Também eu sou uma fã daquela sapucaia a quem você dedicou um texto tão bem costurado hoje. Parabéns a vocês poetas que, como eu que não sou poeta nem contadora de dinheiro, "apreciam as flores, a Lua, o Sol as estrelas... a natureza em geral". Concordo plenamente quando você diz que "... viver é poetizar". Aprecio os poemas de que tem talento para urdi-los. Bjs e bom domingo.

Elder Rocha Lima disse...

Seu Luiz de Auino:

O que me interessa no cronista (gênero literário que adoro ) não é escrever na norma culta, alinhar bem as palavras, organizar bem as frases, essas coisas... O que aprecio no cronista (lembro-me do São Rubem Braga) é o ato de expor seu coração, mostrar seu carater, desvendar suas paixões, usar seu sangue como tinta e deixar seu pensamento vagar pelo espaço onde moram os anjos.
Gosto sobretudo de desvendar as qualidades morais do escrivinhador de crônica; aprecio desvendar através do que diz, sua natureza, sua adesão às coisas dignas da vida,e, principalmente sua capacidade de ficar feliz com uma sapucaia colorida.
Quero também do meu cronista a vigilância para evitar que os malandros, os desonestos, os enganadores passem sem que ninguém os aponte para os leitores, mesmo sabendo que continuarão incólumes.
O que admiro no cronista é sua afeição aos seus amigos, sua ternura com as belezas de um papo com eles, mesmo que à distância.
A doença crônica de escrever para abrir sua alma, sua mente e seu coração não é para qualquer um. É um gênero literário pouco reconhecido - não recebe premiações, medalhas, e nem títulos de nobreza. Diria mais: é um trabalhador humilde, um carapina literário, um sujeito descomplicado, corajoso e que diariamente lava sua alma, lustra seu caráter e abraça seus leitores com carinho.
Quando estou meio chateado, um pouco descrente com esse mundo véio sem porteira que, ao que parece,não tem jeito não, leio certos sujeitos, principalmente alguns cronistas que sentam ao meu lado, tomam um copo de cerveja comigo, e conversam amenidades. Mas amenidades que me tiram da fossa e mostram que exisem sapucaias coloridas, ipês de uma amarelo que encantariam Van Gogh e quaresmeiras que estão roxas de alegria.
Escrevo isso tudo para que você saiba, impenitente cronista, que não escreve na água, que não prega no deserto - quero que saiba que você comove alguém, um cidadão já de certa idade que viu muito, levou boas porretadas, mas que ainda acredita na decência, na dignidade, na honestidade e que, sobretudo, tem esperança que essa nossa terra ainda se cobrirá de flores que têm as cores da cor.

Abraços de seu leitor crônico
Elder

Miriam disse...

Ah.!Luiz, pra mim é um ipê, que tem , branco,rosa, amarelo,lilaz, e roxo,mas qualquer que seja o nome é linda, e você sempre Poeta, e os versos de teu amigo nota 10, thau.

Augusto Dias disse...

Passei ao acaso e gostei muito!


Parabéns!


Um abraço!

Fatima Rosa Naves disse...

Prezado Poeta Luiz, a sua distinção está na intrinsica poesia em tudo que vê, sente e escreve, e nos enche de maravilhas da natureza, como essa, gratuitamente generosa. Agradeço e abraço os dois poetas pelas prosas e versos irretocáveis compartilhadas.

Mariana Galizi disse...

Luiz, ver a beleza nas improváveis manifestações, digo improváveis considerando a miopia dos homens secos, é algo que nutre desde os olhos até a alma, insentar-se de poetar é desviver, não o vejo fazendo isso.
Queria eu ver o efeito prateado da sólida e solitária árvore no meio do caminho... linda!

Ludovina disse...

Belíssimo!
Gostei muito das informações e suas palavras de um jeito ou outro,transbordam poesia...O arremate de GMT embelezou ainda mais o texto. Me fez lembrar os meus pés de jacarandá do sítio que devem estar floridos, mas ainda não os vi este ano. São flores em abundância, tanto nas árvores como no chão. Eles oferecem um tapete com igual beleza e frescor!
Somos (eu, esposo e filhos) leitores de ambos e apreciadores desconhecidos, mas fiéis.
Ludovina (Lu)
P.S.Obrigada por ter me adicionado
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