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sexta-feira, outubro 28, 2011

Chapéu




Chapéu



Quando ouço (e, muitas vezes, leio) a palavra “troféis” como plural de troféu, dá-me um arrepio muito estranho, como a palavra trazendo espinhos que invadem os ouvidos, ferem os olhos e causam dor na pele toda. Troféu ou trofel? E o mesmo se dá com chapéu, pois numa lojinha para turistas numa atraente cidadezinha bem brasileira a vendedora me ofereceu “chapéis”. Afinal, chapéu ou chapel? Quem o fabrica ou vende, é chapeleiro; e as lojas são ditas chapelarias.


Judeus orando: o quipá é indispensável.
Em 1997, numa inesquecível viagem a Israel, familiarizei-me com a palavra quipá. O dicionário Caldas Aulete refere-se a uma “planta rasteira e espinhosa do Norte”). Na Internet (Wikipédia) encontro “kipá” e “quipá”, remontanto-se ao solidéu  dos judeus: “O quipá (em hebraico כיפה, kipá, "cúpula", "abóbada" ou "arco") ou yarmulke (em iídiche יאַרמלקע, yarmlke, do polonês jarmułka, que significa "boina"), é um pequeno chapéu em forma de circunferência, semelhante ao solidéu, utilizada pelos judeus tanto como símbolo da religião como símbolo de "temor a Deus".

Ocorreu-me, naquela ocasião, que as palavras capa, capote, capacete, capuz, chapéu, quepe (do francês “képi”), copa (de árvore) e muitas outras têm por raiz mais remota a expressão do hebraico, possivelmente oriunda do aramaico ou outra língua tão ou mais antiga. Pensei até que a palavra copa (taça) não teria sido uma metáfora, pois estas têm silhuetas assemelhadas as de algumas árvores. Ah! Chama-se copa, também, a parte alta (cobertura) dos chapéus...




Minha mais remota lembrança é de uma festa junina em que minha mãe fantasiou-me de peão de roça, com chapéu de palha. No final da infância, sendo escoteiro, usei um chapéu de feltro, aba larga, a copa marcada em cruz, tal como guardas florestais da época, como os víamos, em fotos e filmes, nas matas canadenses.


Chapéu com a flor de lis: Sempre alerta!

Não sei se os motivos foram econômicos ou de moda, mas o fato é que o uso corriqueiro do chapéu, neste país tropical, praticamente desapareceu no decorrer da década de 1950. Fora das esferas militares, escaparam os capacetes de operários e os bonés, estes com funções esportivas e também publicitárias. Hoje, raro é o adolescente que não tenha uma coleção de bonés. Os tiozinhos e vovôs gostam dos modelos ingleses e italianos. Eu passei por tudo isso, até chegar ao chapéu tradicional. Gosto muito do panamá – aquele chapéu branco de fibra vegetal, fabricado no Equador e que tornou-se famoso apenas por passar pelo Canal de Panamá e ganhar um carimbo. Mas uso também os de feltro, alguns bonés estilosos e esportivos e até mesmo um quepe de marinheiro.


O clássico panamá

Indústrias nacionais importam a palha do Equador e fabricam “panamás” nacionais. Duas dessas marcas espalham-se já por todo o país e não apenas senhores sex e septuagenários os usam, de dia e de noite, com um ar boêmio e feliz – muitos jovens, sambistas e chorões, têm no chapéu claro um símbolo da boa música nacional. Em Goiânia, somos muitos os adeptos, mas João Garoto, virtuoso violonista, é o nosso símbolo.

Chico Paes



Pádua
Tal como as mulheres com suas bolsas maravilhosas, e até como nós mesmos, há três décadas, com as indefectíveis tira-colos, o uso do chapéu condiciona-nos; é difícil sair sem ele, depois de adquirido o hábito. O poeta Ivanor, o secretário Luiz Carlos Orro, o cantor Pádua, o multiativo Freud de Melo e muitos outros amigos meus sempre são vistos sob essa cobertura. Recentemente, e justo  por não nos encontrarmos mais amiúde, constatei que meu velho amigo Francisco Paes incorporou a cobertura na indumentária.

O poeta Ivanor e eu


Sob o sol, uso meus chapéus claros, de palhinha, seja panamá ou uma tessitura menos nobre; em ocasiões socialmente refinadas ou sob o sereno que perturba crianças e pessoas encanecidas, prefiro os de feltro. Em especial, um Ramenzoni Solis “três xis” – presente de Freud de Melo que, obviamente, muito me agradou.

Freud de Melo

Ou seja: tenho um chapéu freudiano...


* * *



7 comentários:

Mara Narciso disse...

Meu avô, que hoje teria 103 anos, usou chapéu até bem depois que passou a moda. Mas também saía sem chapéu. Meu ex-marido, Flávio Rocha Silveira o usava de vez em quando, e apenas depois de maduro para provocar, ser diferente, e gerar questionamentos. Tem um poeta jovem, aqui em Montes Claros, chamado Márcio Adriano Morais que o utiliza para parecer mais velho, já que é professor de literatura e sendo magro, e com cara de menino aparenta ser menino mesmo. De chapéu se destaca pelo pitoresco. Usa de feltro azul. Um amigo escritor, Itamaury Teles também usa, preferencialmente um chapéu panamá que desapareceu e mereceu recentemente uma crônica sobre o sumiço. Sorte que foi reencontrado, evitando novas compras. Acho distinto, chique e senhoril. Embora adequado ao nosso clima, envelhece, dando ao usuário pelo menos duas décadas.

Jô Sampaio disse...

Oi, amigo,
Sua crônica sobre o chapel merece um trofel. Desejo presentear-lhe com um ótimo quipá. Onde a gente o compra a seu gosto?
Vocêé amigo de Ivanor? Ele prometre enviar-me seu último livro mas, até hoje não o recebi.

Valéria Gomes disse...

Estimado Poeta, gosto de ler suas crônicas, pois são recheadas de sabedoria, conhecimento e experiência. Porém, suas poesias, criam vida em minha mente, já fecunda e, desde tempos remotos de minha adolescência, quando era apaixonada por Casto Alves, que agora, me pego apaixonada por seus versos! Quero fazer um comentário, em nível "Espiritualista", sobre a utilização de uma proteção sobre a cabeça. Existe uma estória que, corre, entre nós que, a utilização do chapéu ou qualquer outra proteção sob o "cucuruco" da cabeça, impedem que pessoas más intencionadas, nos roubem nossos conhecimentos. Eu mesmo, possuo sete(nº abalístico)lindos e encantadores chapéus de cores variadas, sempre em tons pastéis. Tenho 21 chales e lenços que são utilizados, para o mesmo fim. Ainda, 3 pentes, estes que apareço usando na foto do face... Sempre, com o mesmo objetivo primordial: proteger minha consciência, assegurando-me de intocáveis segredos e mistérios! Valeu Poeta! Vou ficar te esperando, até domingo próximo! Boa semana, junto ao seu povo!

Klaudiane Rodovalho disse...

Gostei, leve e informativa.
E viva o chapéu, além de ser um acessório marcante para quem usa é uma proteção indispensável.

Fátima Paragaussú disse...

Papai não sai para rua sem chapéu...

Elder Rocha Lima disse...

Poeta:
Você fala, e muito bem, de chapéus, quepis etc. Não se esqueça dos bonés ( os franceses o chamam de "casquette") - temos, e sempre tivemos, adeptos fanáticos e eu me incluo entre eles. A minha coleção deve beirar aí por quarenta e de várias partes do mundo, inclusive de Portugal cuja fábrica inaugurou-se em 1829: é de veludo e é uma beleza! Tenho também um americano - feio mas muito resistente
e a fábrica iniciou seus trabalhos em em 1895 - é tipicamente de operário. O boné de origem italiana que tenho é leve, ventilado e muito simpático - acho que é igual ao que Fellini usava.
Em Portugal foi uma alegria, principalmente no interior - a galegada não dispensa o boné! Parece que nasceram com ele na cabeça. Quando andei por lá, usei uns feitos no Paraná - os caras me olhavam com muito respeito - afinal era da confraria dos homens qie usam bonés!
Outro que não dsipensava o boné era o Bernardo Elis: dias atrás andei por Corumbá de Goiás, fazendo uns desenhos. Não deu outra:
todos me perguntavam se era da família Fleury Curado e parente do Bernardo! Isso é um pouco verdade e assim fui recebido por lá com todo o carinho, muito em função disso.
Esse negócio de usar cobertura na cabeça é coisa bíblica - a gente encontra no livro afirmações tais como,: "cobriu a cabeça e cingiu os rins!"
É claro que cobrir a cabeça tem uma série de significados - o mais prosaico deles é a carequice: o nosso glorioso sol incomoda um pouco.
Mas, acho que o gesto de cobrir a cabeça é coisa mais transcedente - todos os homens, antigos e modernos, têm essa necessidade - que os antrpólogos expliquem, mas sem fazer tese acadêmica, complicando o assunto.
De qualquer maneira ainda está na minha memória o primeiro boné que ganhei- era de couro e eu deveria ter meus cinco anos - foi um dia de glória para mim.
Eu acho que você deveria usar os bonés - é verdade que você fica meio faceiro de chapéu, principalmente do tipo panamá, por isso eu não insisto muito, mas tenho ceteza que o dia que usar um boné português, você não vai querer outra coisa.
Sem querer fazer bonito com o chapéu alheio, vou me despedir tirando meu boné para saudá-lo, cronista-poeta!

Luiz de Aquino disse...

Caríssimo amigo e multi-artista Elder,

Obrigado pela saudaçao, bem ao modo dos guerreiros medievais, ao tirarem o elmo ante uma dama ou um varão de respeito. Vindo de Você, muito me dignifica, mas muito mais que isso: demonstra o grande homem que é o arquiteto, professor, poeta, historiador e artista plástico que me honra com sua amizade.
Tenho gosto também por bonés. Tenho alguns, algo perto de uma dezena, de origens não muito nobres, mas conservo com carinho um que trouxe de Bento Gonçalves por volta de 1996, com inscrições alusivas ao Congresso de Poesia daquele ano. E dois outros, em cores diferentes, da confraria dos ex-alunos do Colégio Pedro II. Um outro de muita estima me foi surripiado de dentro do automóvel, tinha a águia do Liceu.
Assim que possível, gostarei de conhecer sua coleção.

Abraço fraterno do admirador

Luiz