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sexta-feira, novembro 25, 2011

Algo de réquiem, ainda...


Algo de réquiem, ainda...


Perdoem-me por continuar no tema; preciso desabafar um pouco das dores e agradecer a muita gente. É que absorver o término de uma vida em matéria é demorado, incômodo, triste... Algumas pessoas insistem no aspecto da perda, mas não vejo assim. Prefiro regozijar-me com o tempo vivido do que lamentar a partida.

Em Caldas Novas, nos dias 14 e 15 deste novembro chuvoso, velamos meu pai, que completara em julho 89 anos. Um fator confortante, se posso chamar assim, foi notar que ninguém, dentre todos os presentes ao longo da vigília, compareceu para ser agradável a mim ou aos meus irmãos: todos cuidaram, sim, de fazer a última visita ao velho seresteiro.

Seresteiro, instrumentista, compositor, comerciário (por uns poucos anos, comerciante), marido e pai, avô paparicado e carinhoso, bisavô muito festejado. E, sobretudo, amigo leal. Daí, portanto, toda aquela gente que se revezou nas quase vinte e quatro horas entre o desenlace e o sepultamento, na mesma gaveta onde, desde março de 2004, restou minha mãe, sua companheira por 60 anos.

A infância foi-lhe fácil e bela, pelas ruas de Pirenópolis e margens do Rio das Almas. Contava-me que sua mãe estimulava-o a aprender violão, e tirava-o das brincadeira no horário acertado para as aulas; mas ele, às vezes, escapava e fugia para o Poção da Ponte. Imagino que alguns puxões de orelhas levaram-no a cumprir o desejo da mãe, que, infelizmente, sequer pôde usufruir de seus acordes: faleceu muito moça, aos 32 anos, quanto meu pai tinha apenas 13 anos.

Aos 17 anos, mudou-se para Caldas Novas e nunca quis sair de lá. Nestes quase 73 anos, constituiu o patrimônio imperdível de sua vida: um grande número de amigos, dos quais “ganhou” vários afilhados. Em 1942, minha mãe veio do Rio de Janeiro, a passeio. Ficaria alguns meses em casa de um tio, mas os dois conheceram-se, namoraram e casaram-se em 1944.

Em julho de 1946, dois meses antes que eu completasse meu primeiro ano, meu pai foi iniciado nos mistérios da Maçonaria. Foi o primeiro maçom assim feito na cidade, e com isso iniciaram-se as atividades da Loja Segredo e União, do Grande Oriente. E se essa condição era, para ele, razão de orgulho, imaginem, leitores, a emoção de que se apossou quando, em 2007, foi surpreendido com a Comenda Dom Pedro I (diploma, medalha e carteira), concedida pela cúpula nacional do Grande Oriente do Brasil!

Em junho deste anos, por iniciativa dos confrades da Academia de Letras e Artes de Caldas Novas (o presidente Albery Mariano e os membros Marília Núbile e Alejandro Mejia), o vereador Celso Guaíba propôs e a Câmara Municipal concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Caldas-Novense. Dos moradores antigos, muitos estranharam que a honraria tenha demorado 72 anos, mas a justificativa é aceitável: quase ninguém sabia que ele não nascera lá.

A mim e aos meus irmãos tocaram-nos profundamente as últimas homenagens da Maçonaria local – presidida por José Henrique Bizzoto – e da Academia, entremeando as orações dirigidas por um ministro do Evangelho da Igreja Católica. E recebemos também como especial a visita do deputado Evandro Magal, que criou laços de amizade com meus pais e irmãos desde quando chegou a Caldas Novas, ainda muito moço. Seu artigo no DM de  19/11/2011, foi também muito gentil e emocionante.

E resumo tudo nesta análise: meu pai não teve tempo para ganhar dinheiro e fazer patrimônio material. O máximo que conseguiu, e já ultrapassando a barreira dos 60 anos, foi construir a morada. O tempo, ele o consumiu trabalhando muito. Nas poucas horas de folga, tocava o violão ou o bandolim, namorava minha mãe, dava-nos conselhos e, quando necessário, uma bronca suave, mas forte o bastante para nos induzir a mudanças de conduta. Estudou muito pouco, porque as oportunidades eram mínimas, em seu tempo. Mas...

... mas vendo a afluência de tantas pessoas do meu passado – infância e juventude – que compareceram para o último adeus, enchi-me de alegria e realização: esses quase 90 anos foram, de fato, muito proveitosos!


E que exemplo de vida nos deixou!

Em 1995, curtindo Lucas, o neto mais novo



* * *

7 comentários:

Fê, Fe e Bruna Srur. disse...

Me emociona muito suas palavras.

Saudades grande sentiremos desse vovô que não era meu de verdade, mas sinto como se fosse. Vovô "Rael" que alem de muito lindo, muito meigo, ainda pedalava como ninguem sua bicicletinha!!!!
A familia toda sentiu com pessar essa perda.
Abraços!!!!

Edmar Oliveira disse...

Aquino, novamente, sinto muito. Mas sinto muito também por não ter conhecido seu pai. Uma pena. Abraço, amigo

Beth Luz - Rio, RJ disse...

Um dia,ja ha alguns poucos anos ,eu e luiz de Aquino conversavamos sobre o tempo q passa e leva nossas lembranças e deixa saudades...falamos sobre as cartas ,que esperavamos sempre o carteiro trazer!Hoje, as redes sao nossos carteiros . Tenho certeza que vc devera receber uma carta ,meio acabada pelo tempo.....amarelada,talvez......mas muito importante...
Esta carta dirá,provavelmente :
"Meu filho tão querido:Como lhe amei e torci por vc ,desde q vc nasceu.Hoje,vc um grande homem ...homem das letras....só me dá orgulho.
Mas,como tudo tem um tempo na Terra,voltei as minhas raizes,levando amor,orgulho ( por ter sido seu pai) e muita luz!
Deus lhe abençoe,meu filho,porque qualquer dia nos reencontraremos e daremos aquele abraço apertado de tanta saudade.
Seu pai"

Um forte abraço de sua amiga Beth Luz

Mara Narciso disse...

Feliz sim, você que teve a oportunidade de conviver por quase 90 anos com seu pai. Faz bem, após o choque inicial, em usar outro tom e oferecer-lhe uma homenagem ainda mais gostosa e mais sublime.

Anônimo disse...

Meus sentimentos. Deve ter sido uma grande pessoa, no melhor sentido da palavra, portanto, estará bem.
Abraço
M. Esther Torinho

Mariana Galizi disse...

Tardiamente chego até aqui, recebi um choque com a notícia, Luiz.
Diante de certas situações, nenhum consolo parece chegar ao coração.
Mas devo dizer que sinto muito, que daqui do outro lado cedo meus
ombros, ouvidos e olhos.
E afirmo, Luiz, que os dedos mágicos que tocavam o pinho, acariciaram
muito bem um menino, que hoje transmite um amor imenso e merece toda a
recíproca.
Desejo força a quem fica e ao seu pai muita luz.

Fátima Paraguassú disse...

Seu pai...pai nosso; o pai de cada dia...Aquele que dá o sustento e ao mesmo tempo cobra um posicionamento diante da vida.
Sei que lá no céu vibram as cordas de seu violão. Aposto que já tem pronta alguma composição.Saudade!